Ele era um dos homens mais ricos da sua terra.
Talvez a quinta fortuna dos seus dias. Era um vencedor. Pertencia à seita dos
fariseus, portanto, à elite judaica.
Ao tempo de Jesus, deveriam existir uns 6.000 fariseus
e ele era um dos principais entre os judeus e considerado mestre em Israel.
Seu nome significa aquele que vence as pessoas:
Nicodemos. Existem três registros à sua pessoa, todos no quarto Evangelho.
O primeiro se encontra nos apontamentos de João
3,1-21 e narra o seu encontro noturno com Jesus.
Os tempos eram difíceis e a Judéia respirava
intranqüilidade. Nicodemos pede uma entrevista a Jesus e vai ao Seu encontro,
altas horas da noite.
Esgueira-se pelas colunas, anda pelas ruas olhando
para trás, com medo de estar sendo eguido.
Enquanto, normalmente, os que andam à noite, pela
cidade de Jerusalém, portem archotes com resina para iluminar o caminho, ele
teme ser identificado, reconhecido e anda às escuras.
Desde que ouvira referências ao Homem de Nazaré
começara se inquietar. Algo lhe dizia que deveria ouvi-Lo, conhecê-Lo. No
entanto, como poderia, sem se expor?
Jesus se hospeda em casa de amigos, fora dos muros
da cidade. Na varanda, na noite de primavera, aguarda. Três pancadas se ouvem.
João, que O acompanha, se ergue e recebe o que chega.
Na véspera, ocorrera o episódio de Jesus exortar
aos mercadores do Templo, dizendo-lhes de que haviam transformado a Casa do Pai
em uma casa de vendas.
O fato andava de boca em boca, naturalmente, por
muitos acrescido de detalhes nem ocorridos. De toda forma, a política na Judéia
era complicada e os ouvidos da espionagem se multiplicavam por todos os
recantos de Jerusalém.
Por conhecer o que havia na alma do homem que lhe
solicitara a secreta entrevista, Jesus concordara em recebê-lo. Um encontro em
casa de alguém que não levantaria suspeitas. Uma ida altas horas da noite.
A Luz do Mundo fala ao intelecto e ao inquieto
coração de Nicodemos. O "nascer de novo" mais lhe suscita
inquirições. Não que desconhecesse a lei judaica dos renascimentos, deseja
antes entender o verdadeiro processo.
"O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de ter eu dito: necessário é
nascer de novo. O espírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de
onde vem, nem para onde vai; assim é tudo aquilo que é nascido do
Espírito."
Jesus vai além das indagações do doutor da Lei e
lhe confia algo acerca do futuro próximo. Nicodemos não é um discípulo, nem
parente. Mas é a ele que Jesus revela Seu destino sobre a Terra, pela primeira
vez.
Era o início do Seu ministério, Sua primeira viagem
a Jerusalém: "Ninguém subiu ao céu a não ser o Filho do homem, ele, que
desceu do céu. Do mesmo modo que Moisés elevou a serpente no deserto, assim
deve ser elevado também o Filho do homem, para que todo o homem que nele crer
não pereça, mas tenha a vida eterna."
Quando a madrugada se tingia de escarlate, o Mestre e o amigo se despediram.
O segundo momento em que Nicodemos é citado é em
João 7, 37ss. Jesus fora assistir às cerimônias litúrgicas, no meio do povo.
No último dia da festa dos Tabernáculos, Ele viu o
sacerdote, por entre o som das trombetas, colher água, em um vaso de ouro, na
fonte de Siloé, tornar a subir a montanha e derramá-la sobre o altar dos
holocaustos.
Finda a cerimônia, o povo ainda no átrio do Templo,
Jesus, do alto da escada semicircular de 15 degraus, bradou:
"Quem tiver sede venha a mim e beba! Quem crer em mim, brotar-lhe-ão do
interior torrentes de águas vivas."
A explanação que o Mestre deu a seguir impressionou
o povo e inquietou os sacerdotes. Emissários foram despachados para O prender,
mas ninguém O ousou tocar.
Retornaram de mãos vazias. O Sinédrio reunido
discute. Não é somente a plebe ignorante que aplaude Jesus. Muitos personagens
ilustres O seguem.
Nicodemos recorda seu colóquio noturno com Ele e O
defende com desassombro:
"Acaso a nossa lei condena um homem sem primeiro o ouvir e inquirir o que
fez?"
Tal defesa lhe valeu a acusação de galileu, o que
era sinônimo de discípulo do Nazareno.Sofismando, as vozes exaltadas afirmam
que da Galiléia não pode vir profeta algum. O Nazareno é um impostor. Estavam
tão enceguecidos pela paixão, que esqueciam que eram filhos da Galiléia os
profetas Jonas e Nahum.
A assembléia discutiu muito e acabou por se
dissolver, sem nada resolver, afirma o historiador evangélico.
Quantas outras vezes terá Nicodemos defendido
Jesus, sem que houvesse registros, porque ele, pela sua humildade, não o
revelou a ninguém?
Mas João não o esqueceria. Ser-lhe-ia eternamente
grato por sua atitude corajosa, ao se concretizar a morte de Jesus.
E o menciona como aquele que auxiliou José de
Arimatéia a conceder sepultamento digno ao corpo do Mestre. Diligenciou a
retirada do corpo da cruz, auxiliou a embalsamar o corpo, rapidamente, face ao
sábado judaico que logo se iniciaria.
Sua derradeira homenagem foi comprar 100 libras de
essências odoríferas e um grande lençol de linho precioso para envolver o
corpo.
As anotações evangélicas não vão além. Esteve
Nicodemos no Sinédrio, na tenebrosa noite do julgamento do Senhor das estrelas?
Se presente, terá sido sua voz a única a se erguer em favor do acusado?
De toda forma, Nicodemos se mostrou amigo Daquele
de quem recebeu não somente esclarecimentos, mas confiança na célebre
entrevista noturna.
E justiça lhe seja feita, se num primeiro momento
foi ouvi-Lo às ocultas, teve a ousadia de defendê-Lo perante os demais membros
do Sinédrio. E muita coragem para se expor, providenciando-Lhe a sepultura.
É de nos perguntarmos se não terá ele sofrido
represálias do Sinédrio, perseguições, demissão do seu cargo, como conseqüência
do seu gesto.
Era sim, um amigo fiel do Mestre de Nazaré.
Matéria
publicada no Jornal Mundo Espírita - junho/2005
Bibliografia:
01. FRANCO, Divaldo Pereira. Nicodemos, o amigo. In:___. As primícias do reino.
Pelo espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.
02. ROHDEN, Huberto. A sepultura de Jesus. In:___. Jesus nazareno. 6. ed. São
Paulo: UNIÃO CULTURAL. v. II, nº 190.
03.________. Último dia da festa dos tabernáculos. Op. cit. v. II, nº 91.
04.SALGADO, Plínio. O amigo. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do
Oeste, 1978. cap. 21.
05.VAN DER OSTEN, A . Nicodemos. In:___. Dicionário enciclopédico da bíblia. 3.
ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
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Muito boa esclarecera.
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