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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

História da Era Apostólica - A lição do arado

 

“O ato de seguir a Jesus não é definido como a sensação de uma luz interior, ou a percepção de uma consciência intelectual, mas é comparado com a execução de uma tarefa criativa, consumidora e ativa, como a de colocar a mão no arado e dirigir uma junta de bois.”

HAROLDO DUTRA DIAS

Narra o Evangelho de Lucas a pitoresca história do impetuoso candidato a discípulo, cuja lealdade estava divida entre a obediência aos padrões culturais da sua época e o suave jugo do Cristo:

Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas permita--me despedir-me dos que estão em minha casa.
Jesus, porém, lhe disse: Ninguém que põe sua mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus. (Lucas, 9:61-62.)

Muitos intérpretes salientam que o “despedir-se” da família, no mundo oriental, implicava o pedido de permissão para partir. A autoridade dos genitores, sobretudo a do pai, era suprema, motivo pelo qual a pessoa que partia precisava pedir permissão a quem ficava.

Quando alguém iniciava um novo empreendimento, costumava visitar seu pai na aldeia a fim de lhe pedir a bênção e a permissão para o cometimento, ainda quando se tratasse de um homem independente.

No caso em exame, o candidato condicionava sua adesão ao Cristo à aprovação dos pais, ou seja, buscava conciliar a exigência social da sua época com a convocação espiritual do Mestre.

Em resposta à sua súplica, Jesus estabelece um programa árduo, mostrando que a tarefa de segui-lo exige concentração, dedicação e abnegação.
Arar a terra na Palestina do primeiro século envolvia um conjunto complexo de providências. Joaquim Jeremias salientou algumas delas:

[...] O arado palestino, muito leve, é guiado com uma só mão. Esta mão, geralmente a esquerda, precisa ao mesmo tempo conservar o arado na posição vertical, regular a sua profundidade mediante pressão, e levantá- lo por sobre pedras e rochas que estejam em seu caminho. O arador usa a outra mão para guiar o boi teimoso com um aguilhão com cerca de um metro de comprimento, provido de uma ponta de ferro. Ao mesmo tempo ele precisa ficar olhando continuamente entre as pernas traseiras do animal, para não perder o sulco de vista. Esta forma primitiva de arado requer destreza, atenção, e concentração. Se o arador olhar para os lados, um novo sulco é aberto fora da linha. Desta forma, quem quiser seguir a Jesus precisa estar resolvido a quebrar os laços com o passado, e fixar os olhos apenas no Reino vindouro de Deus [...].2

Não bastasse a dificuldade de manejo do arado, o processo de aragem do campo desdobrava--se em múltiplas atividades, tornando a tarefa muito mais exigente do que se imagina à primeira vista:

[...] A aração era cuidadosa e minuciosa; logo que se quebrava o restolho depois da colheita, abriam-se sulcos com margens largas entre eles, para facilitar a absorção das chuvas. Ao arar, depois das primeiras chuvas, sulcos mais próximos, divididos por canteiros, eram abertos para propiciar a drenagem; só na terceira aração, antes da semeadura, os sulcos eram feitos consecutivamente, sem canteiros entre eles. O trabalho final era o de cobrir a semente... esse implemento era maior e mais pesado do que o moderno arado árabe, que em geral se parece com ele [...].3

Kenneth Bailey, após ter vivido 47 anos em comunidades agrícolas do Oriente Médio, pesquisando os aspectos culturais e literários que estão por trás dos textos do Novo Testamento, afirma:

[...] É claro que a aração era uma operação muito exata, iniciando-se com a abertura de estrias para a absorção da água. Em um estágio posterior, os sulcos eram feitos de forma a permitir a drenagem. Uma terceira aração preparava o solo, e uma quarta cobria a semente depois do plantio. Obviamente qualquer pessoa que desejasse desincumbir-se de uma responsabilidade destas precisava dar atenção irrestrita ao que estava fazendo [...].4

Refletindo acerca da lição do arado, é forçoso concluir que o arador distraído poderá bater com o arado em uma rocha, quebrar sua ponta de madeira, cansar inutilmente a parelha de animais, cortar, sem rumo, o campo não arado, ou destruir o trabalho já realizado. Em suma, o arador deve equilibrar o serviço feito, o que está por fazer, e aquele que está sendo realizado, já que qualquer distração tornará sua ação não apenas improdutiva, mas também destruidora.
No tocante ao símbolo do arado, é valioso o ensino de Emmanuel:

O arado é aparelho de todos os tempos. É pesado, demanda esforço de colaboração entre o homem e a máquina, provoca suor e cuidado e, sobretudo, fere a terra para que produza. Constrói o berço das sementeiras e, à sua passagem, o terreno cede para que a chuva, o Sol e os adubos sejam convenientemente aproveitados.

É necessário, pois, que o discípulo sincero tome lições com o Divino Cultivador, abraçando-se ao arado da responsabilidade, na luta edificante, sem dele retirar as mãos, de modo a evitar prejuízos graves à “terra de si mesmo”.
....................................................
Um arado promete serviço, disciplina, aflição e cansaço; no entanto, não se deve esquecer que, depois dele, chegam semeaduras e colheitas, pães no prato e celeiros guarnecidos.5

O servidor do Cristo conhece o cansaço, jamais o desânimo. Conhece o peso e a rotina do arado, mas aprende no trabalho de cada dia que a disciplina não é um cárcere, é a chave da porta, como dizia Chico Xavier.

Fonte: Reformador  Ano 126 • Nº 2. 157 • Dezembro 2008

1BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 32.
2JEREMIAS, Joaquim. As parábolas de Jesus. 9. ed. São Paulo: Editora Paulus, 2004. Parte III, cap. VI, p. 196.
3APPELEBAUM. The jewish people in the first century, apud BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Combined  Edition. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 30.
4BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Combined Edition. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 30.

5XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 3.

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O Novo Testamento - Redação

domingo, 16 de outubro de 2016

História da Era Apostólica - Nascimento de Jesus

Os Quatro Evangelistas, quadro de Jacob Jordens
HAROLDO DUTRA DIAS

 “Para quem está familiarizado com a história antiga, não deve ser motivo deperturbação o fato de que as  principais datas na vida de Jesus sejam apenas aproximadas. [...] Na verdade, as datas de nascimento até mesmo de alguns imperadores romanos não são certas [...].”

No prólogo deste artigo há uma citação do historiador John P.Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração. Ao stabelecer os limites da ciência e da 
investigação humanas, ele adverte:“Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.2

A pesquisa histórica baseia-se em fontes (documentos, registros, inscrições, ossuários, obras de historiadores, achados arqueológicos) e adota métodos específicos, adequados ao tipo de fonte analisada, com vistas à interpretação consistente dos dados coletados.

Por vezes, seja em razão da escassez dessas fontes, seja em decorrência da ausência de parâmetros na interpretação dos dados colhidos, somos obrigados a reconhecer a limitação dos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.

Nesse ponto, consideramos preciosa a contribuição dada pela Doutrina Espírita no equacionamento de graves questões. No caso da cronologia da vida de Jesus, é lícito concluir que a obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier supre inúmeras lacunas, impossíveis de serem transpostas sem o auxílio da revelação espiritual, tendo em vista as limitações da historiografia.

Os dados cronológicos mais importantes da vida de Jesus encontram-se nas narrativas da infância (Mateus, 2; Lucas, 1:5, 2:1-40) e nas narrativas da paixão (Mateus, 26-27; Marcos, 14-15; Lucas, 21- -23; João, 13-19). Outros dados relevantes podem ser encontrados nos evangelhos de Lucas e João (Lc., 3:1-2 e 23; Jo., 2:20).

Os historiadores do Cristianismo, porém, chamam a atenção para o fato de que os Evangelhos não são essencialmente obras de história, no sentido atual da palavra. Os Evangelistas não pretendiam produzir uma biografia completa ou mesmo um sumário da vida de Jesus. Ao contrário, escreveram com a finalidade de transmitir o ensino do Mestre, os fatos principais da sua vida, de modo a legar à posteridade o testemunho da fé.

Nesse sentido, é justo considerar que os Evangelistas organizaram o material da tradição (oral e/ou escrita) de acordo com um propósito redacional. Compilaram e organizaram as narrativas sem se preocuparem com a ordem histórica dos acontecimentos. É o que nos demonstra o pesquisador norte-americano:

[...] Tais compilações ainda são visíveis em Marcos: por exemplo, as passagens polêmicas localizadas no início do ministério de Jesus na Galiléia (2:1; 3:6), em contraposição a outra série de passagens semelhantes já em Jerusalém, ao final do ministério (11:27; 12:34); uma seção central de relatos de milagres e palavras de Jesus, agrupados pela palavra- chave “pão” (6:6; 8:21) e uma coletânea de parábolas (4:1; 34). Não há motivo para considerarmos essas compilações como tendo preservado a inviolável ordem cronológica dos eventos, especialmente porque Mateus e Lucas não o fizeram.Mateus, por exemplo, reordena livremente os relatos de milagres que aparecem em Marcos, para criar um grupo conciso de nove relatos divididos em três grupos intercalados por material de “enchimento” (Mateus, 8-9). O grande Sermão da Montanha, em Mateus, reaparece, em parte, em Lucas como o Sermão da Planície, menor que o outro (ambos como tendo ocorrido na Galiléia) e, parcialmente, em material espalhado por todo o longo relato da jornada final de Jesus até Jerusalém, em Lucas, 9:51; 19:27 [...]”.3 

A Adoração dos Pastores, quadro de Giorgione

Por outro lado, seria temerário acusar os Evangelistas de terem distorcido os fatos para adequá-los a propósitos teológicos. Nesse caso, vale lembrar que escreveram para contemporâneos, muitos deles testemunhas oculares dos fatos narrados, razão pela qual não se justifica o ceticismo exagerado com relação aos dados contidos nos Evangelhos. Deve ser encontrada uma posição de equilíbrio que prime pela fé raciocinada.

Assim, considerando o relato dos Evangelistas, pode-se afirmar que Jesus nasceu no tempo do imperador Augusto (37 a.C.-14 d. C.), antes da morte de Herodes, o Grande.

No ano 525 d.C., o papa João I 470-526 d.C.) pediu a Dionísio4 que elaborasse um calendário com o cálculo dos ciclos pascais, as datas futuras da Páscoa. Frei Dionísio, além de elaborar uma efeméride pascal, estabeleceu um novo calendário, em oposição ao sistema alexandrino, da era diocleciana, fixando a data do nascimento de Jesus em 25 de dezembro de 753 A.U.C.,5 declarando 1o de janeiro de 754 A.U.C. como o início do primeiro ano da Era Cristã, o “Anno Domini” (Ano do Senhor).

Posteriormente, descobriu-se que a data estabelecida por Dionísio estava absolutamente equivocada, visto que fixava o nascimento de Jesus três anos após a morte de Herodes, o Grande.

Para se encontrar a data da morte de Herodes, utilizou-se preciosa informação fornecida pelo historiador judeu Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas, livro XVII, cap. 6, § 4, item 167), segundo o qual teria ocorrido um eclipse lunar pouco antes do falecimento daquele monarca. Com base em cálculos astronômicos precisos, é possível afirmar que a morte daquele rei se deu por volta de março/abril do ano 750 A.U.C. (4 a.C.), logo após o referido eclipse.

Desse modo, concluem os exegetas que Jesus, seguramente, nasceu antes do ano 4 a.C. (data da morte de Herodes, o Grande). Todavia, esses pesquisadores são unânimes em reconhecer a impossibilidade de se determinar o ano exato do nascimento de Jesus, com base nas fontes históricas atualmente disponíveis.

Os “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica” nos permitem  chegar somente até esse ponto.

É nesse momento que a revelação espiritual pode e deve ser conjugada com as pesquisas humanas, no intuito de resolver questões intricadas, mas extremamente relevantes para o estudo do Cristianismo Nascente.

Nesse sentido, merece ser transcrito o extraordinário texto do Espírito Humberto de Campos, revelando a data do nascimento do Cristo:

[...] o Senhor chamou o Discípulo Bem-Amado ao seu trono de jasmins matizado de estrelas. O vidente de Patmos não trazia o estigma da decrepitude, como nos seus últimos dias entre os espórades. Na sua fisionomia pairava aquela mesma candura adolescente que o caracterizava no princípio do apostolado.

– João – disse-lhe o Mestre –, lembras-te do meu aparecimento na Terra?

– Recordo-me, Senhor. Foi no ano 749 da era romana, apesar da arbitrariedade de Frei Dionísio, que, calculando no século VI da era cristã, colocou erradamente o vosso natalício em 754. – 

Não, meu João – retornou docemente o Senhor –, não é a questão cronológica que me interessa, ao te argüir sobre o passado. É que nessas suaves comemorações vem até mim o doce murmúrio das lembranças!...

– Ah! sim, Mestre Amado – retrucou pressuroso o Discípulo –, compreendo- vos. Falais da significação moral do acontecimento. Oh!... se me lembro... a manjedoura, a estrela guiando os poderosos ao estábulo humilde, os cânticos harmoniosos dos pastores, a alegria ressoante dos inocentes, afigurando-se-nos que os animais vos compreendiam mais que os homens, aos quais ofertáveis a lição da humildade, com o tesouro da fé e da esperança. [...] 6 (Grifo nosso.)

Assim, consoante a revelação espiritual, pelas mãos do respeitável médium Francisco Cândido Xavier, Jesus nasceu no ano 749 da era romana. Considerando que o primeiro ano do calendário gregoriano (Anno Domini – Ano 1), atualmente em vigor no mundo ocidental, corresponde ao ano 754 U.A.C. (ano da fundação de Roma), e tendo em vista que não há ano zero, nesse calendário, basta considerar a seqüência 753 U.A.C. = 1 a.C.; 752 U.A.C. = 2 a.C.; 751 U.A.C. = 3 a.C.; 750 U.A.C. = 4 a.C. e 749 U.A.C. = 5 a.C.

Desse modo, pode-se concluir que o nascimento do Mestre se deu no ano 5 a.C.
.
Fonte: Reformador Ano 126 Nº 2. 151 • Junho 2008


1MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 367.

2Idem, ibidem. p. 35
3MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 50-51.
4Dionysius Exiguus (470-540 d.C.) nasceu na Scythia Menor (Romênia/Bulgária), transferindo-se para Roma por volta do ano 500 d.C., onde se tornou tradutor de inúmeras obras da Igreja Romana, importantes para o direito canônico, além de ter elaborado a tabela com as datas da Páscoa. Todavia, seu nome entrou para a história por ser o criador do “Anno Domini”, alterando o calendário da época.
5A.U.C. (Anno Urbis Conditae) – Ano da fundação da cidade de Roma. Os historiadores fixam a data da fundação daquela cidade no ano 753 a.C., acolhendo os informes do historiador romano “Varrão”. É comum confundir-se a sigla A.U.C. com Ab Urbe Condita, título do livro de Tito Lívio sobre a história de Roma.
6XAVIER, Francisco Cândido. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 15, p. 89-90. A Adoração dos Pastores, quadro de Giorgione

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quinta-feira, 23 de junho de 2016

História da Era Apostólica - Novas perguntas


“A diversidade de imagens de Jesus levanta a suspeita de que os retratos de Jesus sejam na verdade auto-retratos de seus autores.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

O reinado de Guilherme II (1859-1941) assistiu, na Alemanha, ao florescimento do liberalismo teológico e da pesquisa “clássica” sobre a história do Cristianismo, cuja característica marcante foi a exploração histórico-crítica das fontes literárias, visando a reconstrução da personalidade e da vida de Jesus, ao menos na concepção dos seus expositores mais destacados.

Inaugurava-se a Terceira Fase da pesquisa histórica do Cristianismo sob a influência de desmedido otimismo. F. Baur defendia a primazia dos sinóticos sobre o Evangelho de João. H. Holzmann propunha a teoria das duas fontes,
segundo a qual Marcos e “Q”2 representavam as mais antigas e confiáveis fontes para a reconstrução do quadro biográfico do Cristo.

O colapso do liberalismo teológico, porém, veio mais cedo do que se imaginava, em virtude de três fatores: a constatação do caráter fragmentário dos evangelhos, que impediria qualquer esforço de extrair um “desenvolvimento” da personalidade de Jesus a partir da seqüência narrativa do evangelho de Marcos; o caráter tendencioso das fontes antigas, visto que o evangelista privilegiava determinada mensagem, ainda que em detrimento de uma suposta “precisão histórica”; o elemento projetivo das biografias sobre Jesus, uma vez que os biógrafos retratavam a personalidade do Mestre ao sabor das suas preferências e conveniências pessoais.

O ocaso da Teologia Liberal contribuiu para o surgimento da chamada “Teologia Dialética”, herdeira da filosofia existencialista de Heidegger, segundo a qual “o ser humano conquista sua ‘autenticidade’ apenas na decisão, a qual não pode ser assegurada mediante argumentos objetiváveis (como o conhecimento histórico).
Para um existencialismo cristão a decisão é a resposta ao chamado de Deus no querigma3 da cruz e da ressurreição de Cristo, que  o ser humano compreende por meio de um morrer e viver existencial em Cristo”.4

O trabalho de R. Bultmann (1884-1976), o mais destacado exegeta da Teologia Dialética, reflete o ceticismo histórico que tomou conta dos pesquisadores, após o colapso da pesquisa tradicional. Na sua concepção, o Cristianismo começa apenas com a Páscoa, razão pela qual conclui que o ensino de Jesus não é relevante para uma Teologia Cristã. Nessa abordagem, o Jesus histórico não é objeto nem fundamento da pregação neotestamentária, que se baseia exclusivamente no “Cristo” percebido e divulgado após o Pentecostes (Cristo Querigmático).5

A Quarta Fase da pesquisa, desenvolvida no círculo dos discípulos de Bultmann, propõe uma “nova pergunta” pelo Jesus histórico, buscando o elo entre a pregação
pós-pascal dos apóstolos e a pregação do próprio Jesus. Enquanto a “antiga pergunta” (Teologia Liberal) contrapunha Jesus à pregação da Igreja, a “nova pergunta” procura harmonizar esses dois elementos.

No lugar da reconstrução crítico-literária das fontes, a metodologia da Teologia Dialética se concentra na comparação entre a história das religiões e a história da tradição evangélica.Nesse contexto, assume papel relevante o intitulado “critério da diferença”, segundo o qual, para se reconstruir um mínimo de tradição autêntica sobre Jesus, torna-se necessário excluir tudo que possa ser derivado tanto do Judaísmo quanto da pregação apostólica, nabusca da voz “original” do Cristo.

Na opinião dos estudiosos do tema:

[...] com o fim da escola bultmaniana ficaram cada vez mais evidentes as arbitrariedades da “nova pergunta” pelo Jesus histórico. Ela era basicamente determinada pelo interesse teológico de fundamentar a identidade cristã ao distingui-la do judaísmo e de garanti-la ao separá-la de heresias cristãs primitivas (como a gnose e o entusiasmo carismático).Por isso ela deu preferência a fontes ortodoxas e canônicas.6

Assim, o esforço para minimizar os contornos judaicos da mensagem cristã constitui o aspecto problemático dessa abordagem, já que favoreceu o anti-semitismo, desfigurando o pano de fundo histórico dos evangelhos para torná-lo mais palatável aos existencialistas.

A Quinta Fase da pesquisa, também conhecida como terceira busca (Third Quest), que se desenvolveu, sobretudo, nos países de fala inglesa, procura superar essas
idiossincrasias. Nela, o interesse histórico-social substitui o interesse teológico, ao passo que a inserção de Jesus no Judaísmo substituiu o interesse de separá-lo das
suas bases históricas e sociais. Há, também, maior abertura a fontes não-canônicas (em parte heréticas), tais como os apócrifos.

Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa hodierna, tais como história antiga, crítica literária, crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia, religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época.

Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos, premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente às expectativas dos crentes atuais.
No entanto, ao montar o quebra-cabeça da história do Cristianismo Primitivo com as escassas peças disponíveis, nem sempre é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose de imaginação.

Na avaliação de Gerd Theisen:

[...] todas as descrições de Jesus contêm um elemento construtivo que vai além dos dados contidos nas fontes. A imaginação histórica cria com suas hipóteses uma “aura de ficcionalidade” em torno da figura de Jesus, assim como a imaginação religiosa do Cristianismo primitivo. Pois tanto aqui como lá atua uma grande força imaginativa, acesa pela mesma figura histórica. Em ambos os casos, ela opera de forma aberta: símbolos religiosos, imagens e mitos permitem sempre nova interpretação, hipóteses históricas permitem sempre nova correção.Neste processo, nem a construção religiosa, nem a reconstrução histórica da história de Jesus procede com arbitrariedade, mas com base em convicções axiomáticas. A imaginação religiosa do cristianismo primitivo é conduzida pela sólida crença de que por meio de Jesus é possível fazer contato com Deus, a realidade última. A imaginação histórica é determinada pelas convicções básicas da consciência histórica: todas as fontes se originam de seres humanos falíveis e devem, portanto, ser submetidas à crítica histórica.7

O espírita-cristão, abençoado pela revelação dos Espíritos superiores, especialmente na produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, conta com um elemento precioso, muitas vezes negligenciado. Os romances do Benfeitor Emmanuel constituem detalhado processo de reconstrução dos três primeiros séculos do Cristianismo.

Nesses romances, alguns dados da pesquisa histórica puramente humana são confirmados, todavia, muitas retificações são feitas, de forma sutil. Exige-se do leitor exame cuidadoso, sob pena de serem divulgadas informações espiritualmente incorretas, apenas porque determinado pesquisador encarnado as defenda em suas obras.

Nesse sentido, é valiosa a advertência de Emmanuel:

[...] Hipóteses incontáveis foram aventadas, mas os sábios materialistas, no estudo das idéias religiosas, não puderam sentir que a intuição está acima da razão e, ainda uma vez, falharam, em sua maioria, na exposição dos princípios e na apresentação das grandes figuras do Cristianismo.

[...] É que, portas a dentro do coração, só a essência deve prevalecer para as almas e, em se tratando das conquistas sublimadas da fé, a intuição tem de marchar à frente da razão, preludiando generosos e definitivos conhecimentos.8

Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, razão pela qual, antes de iniciarmos nosso estudo da “História Apostólica”, à
luz da obra Paulo e Estêvão, decidimos fazer um histórico da pesquisa acadêmica, a fim de evitar, ou pelo menos conhecer, as extravagâncias e equívocos de seus expositores.

Referência:

1THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
2Termo alemão que significa “fonte”. Schleiermacher foi o primeiro a propor a existência de uma coletânea de declarações de Jesus como uma das fontes dos evangelhos. Alguns críticos acreditam que Papias faz referência a esse documento quando
3No grego, essa palavra (querigma) significa “a coisa pregada”, a pregação dos primeiros cristãos, ou melhor, o conjunto de crenças básicas por eles defendidas e
divulgadas.  menciona a existência das “Logias” de Levi. Todavia, cumpre salientar que não há comprovação histórica da existência do referido documento. O trabalho dos estudiosos tem sido selecionar ditos de Jesus, nos evangelhos de Mateus e Lucas, ausentes no evangelho de Marcos, propondo que essa seleção aponte para a suposta fonte “Q”. Em resumo, estamos diante de uma hipótese que deve ser analisada com cautela.
4THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
5O Cristo retratado na pregação dos apóstolos e dos primeiros cristãos do Século I.
6THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 28.
7THEISEN, Gerd; MERZ,Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
8XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIV, item “A redação dos textos definitivos”, p. 124-125.

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 146 • Janeiro  2008


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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

História da Era Apostólica (SÉCULO I) – PARTE I


“Não podemos conhecer o Jesus ‘real’ através da pesquisa histórica, quer isto  signifique sua realidade total ou apenas um quadro biográfico razoavelmente completo. No entanto podemos conhecer o ‘Jesus histórico’. Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

No Dallas Theological Seminary (Texas, USA), no mês de maio de 1965, Harold W. Hoehner defendeu sua tese de doutorado sobre a cronologia da Era Apostólica. Seu trabalho contrariava a tradicional e respeitada posição dos eruditos do seu tempo, propondo uma completa releitura das fontes históricas sobre o tema. Ao estabelecer uma nova cronologia para o primeiro século do Cristianismo, o autor apontava a necessidade de revisar todas as conclusões dos estudiosos que o antecederam.

A tese de Hoehner foi timidamente acolhida nos meios acadêmicos, a ponto de receber o nome de “cronologia alternativa”. Atualmente, porém, vários pesquisadores têm confirmado as proposições do professor norte-americano, incorporando muitas de suas idéias.

Surpreendentemente, a leitura meticulosa dos romances psicografados por Francisco Cândido Xavier revelou um fato inusitado as datas estabelecidas pelo Espírito Emmanuel, nessas obras, eram freqüentemente idênticas àquelas defendidas por Harold Hoehner. À guisa de exemplo, podemos citar três episódios da vida do Cristo: o seu nascimento (ano 5 a.C.), o início do seu ministério (ano 30 d.C.) e a crucificação (ano 33 d.C.), todos ocorridos, segundo estes dois autores, nas datas acima especificadas. Vê-se que Jesus foi crucificado com trinta e oito anos!2

No romance Paulo e Estêvão, o Espírito Emmanuel desenvolveu um quadro cronológico das atividades apostólicas que se assemelha àquele elaborado pelo professor do Texas. Um detalhe, porém, salta aos olhos: o romance foi psicografado no primeiro semestre de 1941, na provinciana cidade de Pedro Leopoldo (MG), ao passo que a tese foi defendida 24 anos mais tarde, na famosa universidade de teologia norte-americana.

A constatação desses fatos nos conduz a profundas reflexões sobre o caráter da Revelação dos Espíritos, e, mais especificamente, sobre o tríplice aspecto da Doutrina Espírita. O Espiritismo é uma Ciência com identidade própria, já que possui objeto de estudo próprio (o mundo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo) e método de pesquisa próprio (mediunidade).

Nesse sentido, são valiosas as considerações do Codificador a respeito do assunto:

Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da Natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, segue-se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente [...].3

Essa relação de complementação entre a Ciência e o Espiritismo pode ser vista como união de esforços com vistas ao aprimoramento do saber humano, já que possibilita uma abordagem integral dos problemas, levando em conta seus aspectos materiais e espirituais concomitantemente.

No prólogo deste artigo há uma citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração.

Ao estabelecer os limites da Ciência e da investigação humanas, ele adverte: “Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.

A atitude de cautela e humildade, esboçada por inúmeros cientistas, como John Meier, tem sido o traço da Ciência pós-moderna, favorecendo o diálogo com a Doutrina Espírita, que, por sua vez, oferece subsídios valiosos, inacessíveis aos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.

Não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suas conclusões, numa atitude ística incompatível com a fé raciocinada. O desafio é “complementar”, “unir”, “dialogar”, onde as duas partes estão dispostas a ouvir e falar.

As palavras do Codificador, mais uma vez, lançam inestimáveis luzes sobre a questão em debate.

A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem. [...]4

Seguindo as pegadas de Allan Kardec,Emmanuel e outros Benfeitores do mundo espiritual, o presente artigo inaugura uma nova coluna na revista Reformador, intitulada “Cristianismo Redivivo”.Nossa proposta é salientar a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de graves problemas relativos à história de Jesus, dos seus seguidores diretos e do Cristianismo, de modo geral, visando a apropriação, com maior segurança e legitimidade, da essência da Boa Nova, alicerce de todas as pro-postas de renovação veiculadas pela Doutrina dos Espíritos.

O esforço não é novo. A tarefa de unir pesquisa histórica e revelação espiritual pode ser encontrada na obra A Caminho da Luz. Desse livro monumental, destacamos dois trechos que servem de baliza à nossa iniciativa, ao mesmo tempo em que definem os rumos da nossa busca.

Não deverá ser este um trabalho histórico. A história do mundo está compilada e feita. Nossa contribuição será à tese religiosa, elucidando a influência sagrada da fé e o ascendente espiritual, no curso de todas as civilizações terrestres. [...]5

Esse esforço de síntese será o da fé reclamando a sua posição em face da ciência dos homens, e ante as religiões da separatividade, como a bússola da verdadeira sabedoria.6

O Espírito Emmanuel esclarece que não tem a função de repetir o trabalho dos historiadores, competindo-lhe, essencialmente, revelar o ascendente espiritual da evolução humana. Com isto, depreende-se que a leitura dos historiadores, a conjugação das informações por eles oferecidas com a revelação dos Espíritos, enfim, a pesquisa puramente humana, representa a parcela de trabalho que nos compete nessa empreitada. Feitas estas considerações, convidamos o leitor a iniciar uma longa jornada pelos trilhos da história do Cristianismo, conjugando fé e razão, revelação mediúnica e pesquisa histórica. Dedicaremos inúmeros artigos à construção da cronologia do primeiro século do Cristianismo, utilizando, basicamente, a tese de Harold W. Hoehner e a obra Paulo e Estêvão. Paralelamente, aproveitaremos o ensejo para abordar questões históricas, geográficas, culturais e lingüísticas necessárias ao aprofundamento da análise. Nesse caso, será indispensável recorrer à literatura especializada, relacionando-a com o acervo mediúnico de Francisco Cândido Xavier, como um todo.

Como nossa proposta é fomentar o diálogo entre Espiritismo e Ciência, por vezes será necessário esclarecer o estado atual da pesquisa acadêmica antes de cotejar os dados oferecidos pela Espiritualidade Superior. Todavia, uma advertência se impõe. Não se trata de oferecer todas as respostas, nem de resolver todos os enigmas. Por vezes, teremos de nos contentar com o aprimoramento de nossas indagações.Afinal de contas, saber perguntar é o primeiro passo para encontrar a verdade. Mais uma vez, é Emmanuel que vem em nosso socorro.

Além do túmulo, o Espírito desencarnado não encontra os milagres da sabedoria, e as novas realidades do plano imortalista transcendem aos quadros do conhecimento contemporâneo, conservando-se numa esfera quase inacessível às cogitações humanas, escapando, pois, às nossas possibilidades de exposição, em face da ausência de comparações analógicas, único meio de impressão na tábua de valores restritos da mente humana.

Além do mais, ainda nos encontramos num plano evolutivo, sem que possamos trazer ao vosso círculo de aprendizado as últimas equações, nesse ou naquele setor de investigação e de análise. É por essa razão que somente poderemos cooperar convosco sem a presunção da palavra derradeira. Considerada a nossa contribuição nesse conceito indispensável de relatividade, buscaremos concorrer com a nossa modesta parcela de experiência, sem nos determos no exame técnico das questões científicas, ou no objeto das polêmicas da Filosofia e das religiões, sobejamente movimentados nos bastidores da opinião, para considerarmos tão-somente a luz espiritual que se irradia de todas as coisas e o ascendente místico de todas as atividades do espírito humano dentro de sua abençoada escola terrestre, sob a proteção misericordiosa de Deus.7

Assim, está dado o primeiro passo da nossa jornada de muitas milhas. Que Deus nos abençoe os propósitos.

Fonte; Revista de Espiritismo Cristão Ano 125 / Junho, 2007 / N o 2.139

Referências:


1MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 35.
2XAVIER, Francisco Cândido. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 15, p. 90 (a data de nascimento de Jesus será abordada com maiores detalhes em futuros artigos desta coluna).
3KARDEC, Allan. O espiritismo na sua expressão mais simples. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. III, item 16, p. 100.
4KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 126. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. I, item 8, p. 61.
5XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 34. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. “Antelóquio”, p. 11.
6Idem, ibidem. “Introdução”, p. 13.
7XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Definição”, p. 20.



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