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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

História da Era Apostólica - Caminho para Deus

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“Eu sou o Caminho.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

Àvésperas da sua prisão no Getsêmani, o Mestre reuniu a pequena comunidade dos seus discípulos diletos, com desvelado carinho, revelando os ásperos testemunhos que os aguardavam, apontando as diretrizes do trabalho apostólico e consolando o coração aflito e temeroso dos seus seguidores.

Naquele momento, entregaria o Cristo aos homens a revelação inesquecível acerca da sua pessoa e missão: “Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”.1 O emissário celeste, com vistas à implantação do Reino de Deus no mundo, estabelecia o sublime roteiro, consubstanciado no seu Evangelho de Amor.

A presença do Cristo no Orbe era prova de que o Céu descera à Terra, vencendo gigantesco abismo, para revelar e provar a bondade e a misericórdia infinitas de Deus. Pelo trabalho infatigável de suas mãos augustas, surgira para a Humanidade o luminoso caminho entre o coração humano e o Pai. A comunhão da criatura com o Criador tornara-se uma realidade.

A comunidade cristã primitiva, incluindo os apóstolos, costumava utilizar em suas citações do Antigo Testamento uma versão grega, elaborada no século II a.C., conhecida como Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX).

Na Septuaginta, o vocábulo grego hodos (caminho) traduz a palavra hebraica derek (caminho). No sentido comum, esse termo indica o lugar no qual se anda, dirige ou marcha. Porém, desde a Antiguidade, a expressão é empregada em sentido figurado, significando “medidas, procedimentos, o meio de atingir o alvo, o estilo e modo de realizar algo”, ou ainda “o modo pelo qual se vive”.

Assim, hodos (caminho) pode significar os atos ou o comportamento dos homens, a forma como a vida é conduzida (Êxodo, 18:20). A vida como um todo, ou nos seus aspectos individuais, pode ser chamada “um caminho” (Salmos, 119:105; Isaías, 53:6).
Nesse contexto, a vida de uma pessoa pode ser qualificada de um modo positivo (Jeremias, 6:16; Provérbios, 8:20) ou de um modo negativo (Jeremias, 25:5; Provérbios, 8:13). O ponto de referência, no Antigo Testamento, para avaliar o caminho que o homem segue, é a vontade de Deus. Se o homem permite que a vontade Divina seja o fator determinante das suas ações, significa que anda no caminho de Deus. Caso contrário, ele apenas segue um caminho que escolheu para si (Jeremias, 7:23-24), que é o “caminho dos pecadores” (Salmos, 1:1). 

Por esta razão, os textos dos Profetas constituem um verdadeiro chamamento ao arrependimento dos maus caminhos (Jeremias, 25:5; Isaías, 55:7).  É nesse sentido que pode ser entendido o trabalho de João Batista como precursor, ou seja, aquele que prepara o caminho para Jesus, mediante o anúncio da vinda do Messias, e também, mediante o chamamento ao arrependimento.

Expressando esse ângulo do ensinamento, asseverou o Benfeitor Emmanuel:
Se o determinismo divino é o do bem, quem criou o mal?

– O determinismo divino se constitui de uma só lei, que é a do amor para a comunidade universal. Todavia, confiando em si mesmo, mais do que em Deus, o homem transforma a sua fragilidade em foco de ações contrárias a essa mesma lei, efetuando, desse modo, uma intervenção indébita na harmonia divina.

Eis o mal.

Urge recompor os elos sagrados dessa harmonia sublime.

Eis o resgate.


[...]
O Criador é sempre o pai generoso e sábio, justo e amigo, considerando os filhos transviados como incursos em vastas experiências.
Mas, como Jesus e os seus prepostos são seus cooperadores divinos, e eles próprios instituem as tarefas contra os desvios das criaturas humanas, focalizam os prejuízos do mal com a força de suas responsabilidades educativas, a fim de que a Humanidade siga retamente no seu verdadeiro caminho para Deus.2 (Grifo nosso.)

Não é por outra razão que a expressão “andar nos caminhos do Senhor” significa, no Antigo Testamento, agir de acordo com a vontade de Deus, revelada em seus mandamentos, estatutos e ordenanças (1Reis, 2:3; 8:58).

A lei de Deus é chamada “o caminho do Senhor” (Jeremias, 5:4), e os Profetas se esforçam para convencer as pessoas da necessidade de sua observância, porque Israel sucumbe, vezes sem conta, à tentação de evitar as admoestações Divinas (Êxodo, 32:8; Malaquias, 2:8). Considerando-se as enormes dificuldades encontradas para manter-se fiel aos desígnios divinos, pode-se entender a euforia do salmista: “Guardei os caminhos do Senhor” (Salmos, 18:21).

Nessa linha interpretativa, Emmanuel assim se expressa:

A vida deveria constituir, por parte de todos nós, rigorosa observância dos sagrados interesses de Deus.3

É por essa razão que vemos o Messias coroando sua obra com o sacrifício extremo, tomando a cruz da ignomínia sem uma queixa, deixando-se imolar, sem qualquer reprovação aos seus algozes. Do cimo do madeiro, exemplificava a sua fidelidade a Deus, aceitando serenamente os desígnios do Céu, em testemunho sublime do seu inexcedível amor pelos rebeldes tutelados.

Na hora sombria da cruz, caminha humilde, coroado de espinhos, ensinando a renúncia por amor ao Reino de Deus, revelando à Humanidade o caminho da redenção.

Emmanuel, enfocando essa nuance do ensino, relata:

A localização histórica de Jesus recorda a presença pessoal do Senhor da Vinha. O Enviado de Deus, o Tutor Amoroso e Sábio, veio abrir caminhos novos e estabelecer a luta salvadora para que os homens reconheçam a condição de eternidade que lhes é própria.4

Por fim, no Evangelho de João, a palavra hodos (caminho) se aplica à pessoa de Jesus, de modo sem igual no Novo Testamento. O discípulo amado registra para a posteridade as suaves exortações do Senhor, nos últimos instantes de sua presença física entre eles.

Mais uma vez, Emmanuel esclarece o tema:
Jesus é o nosso caminho permanente para o Divino Amor.
Junto dele seguem, esperançosos, todos os espíritos de boa vontade, derentes  sinceros ao roteiro santificador.
Dessa via bendita e eterna procedem as sementes da Luz Celestial para os homens [...]5

Não podemos nos esquecer.

Fonte: Reformador  Ano 127 • Nº 2. 161 • Abr i l 2009

1Bíblia de Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 14:6, p. 1879.
2XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Q. 135.
3Idem. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 21.
4Idem, ibidem. Cap. 133, p. 282.
5Idem. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 25 


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O Novo Testamento - Redação

quinta-feira, 23 de junho de 2016

História da Era Apostólica - A fé transporta montanhas


HAROLDO DUTRA DIAS
  
“Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém
adorareis o Pai [...] Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade.”1

A passagem acima citada diz respeito ao encontro da mulher de Samaria com Jesus. A samaritana indaga quanto ao verdadeiro local de adoração a Deus, se no monte Gerazim (Samaria) ou, ao contrário, no monte Sião (Jerusalém). O Mestre lhe responde, todavia, que os verdadeiros adoradores adoram a Deus em espírito e verdade, não em pontos geográficos fixos.

Com o Cristo, transportam- se as montanhas sagradas, da tradição bíblica, para o interior da alma. Assim, haverá um santuário espiritual erguido ao Criador em todos os lugares da Terra onde estiver presente um espírito sincero e fervoroso, visto que a adoração terá lugar portas adentro do coração.

A fé transporta montanhas. Mudando o enfoque, urge reconhecer que a edificação do “Reino de  Deus” representa verdadeira obra divina a desdobrar- -se, também, no coração dos seres. No entanto, não raro, exige trabalhos ingentes, inúmeros sacrifícios e lutas acerbas, decorrentes do esforço de superação das nossas deficiências íntimas.

Desse modo, com o propósito de debelar o pessimismo, o desânimo, a incerteza, a hesitação, Jesus nos ensina que: “[...] se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará, e nada vos será impossível”.2

 A fé “é força que nasce com a própria alma, certeza instintiva na Sabedoria de Deus que é a sabedoria da própria vida [...]”,3 não obstante as adversidades de cada dia. Consoante o ensino de Emmanuel:

Ter fé é guardar no coração a luminosa certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo o coração repousar numa energia constante de realização divina da personalidade.

Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. Essa fé não pode estagnar em nenhuma circunstância da vida e sabe trabalhar sempre, intensificando a amplitude  de sua iluminação, pela dor ou pela responsabilidade, pelo esforço e pelo dever cumprido.

Traduzindo a certeza na assistência de Deus, ela exprime a confiança que sabe  enfrentar todas as lutas e problemas, com a luz divina no coração, e significa a humildade redentora que edifica no íntimo do espírito a disposição sincera do discípulo, relativamente ao “faça- se no escravo a vontade do Senhor”.4

Sensível aos desafios que o progresso espiritual apresenta, Allan Kardec asseverou:

 [...] As montanhas que a fé desloca são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em  suma, com que se depara da parte dos homens, ainda quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha pelo progresso da Humanidade.[...]5

A fé transporta montanhas. Noutro giro, consultando o dicionário constata-se que o vocábulo “fé” cobre um amplo espectro de significados, tais como: “[...] confiança absoluta (em alguém ou algo); [...] crédito, [credibilidade] (um homem digno de fé); [...] asseveração, afirmação, comprovação de algum fato; [...] compromisso assumido de ser fiel à palavra dada, de cumprir exatamente o que se prometeu”.
6 (Destaque do autor.)

A palavra “fé” é utilizada para  traduzir, na Bíblia hebraica (Velho Testamento), o radical “aman” (confirmar, sustentar; estabelecer- se; ser fiel; estar certo, crer em), bem como os seus derivados, em especial, os termos “omen” (verdade, fidelidade) e “emuna” (firmeza, fidelidade).

Vê-se que, no âmago dos significados dessa raiz, está a idéia de certeza, mas também o sentido de “ser fiel” (2 Crônicas 19:9).

Por sua vez, no Novo Testamento, utiliza-se o vocábulo “fé” para traduzir a expressão grega7 “pistis” (fé, confiança depositada nas pessoas ou nos deuses), e especialmente seu derivado “to piston” (confiabilidade ou fidelidade daqueles que se obrigam por um contrato).

Nesse ponto, Humberto de Campos vem em nosso socorro, reproduzindo belíssimo diálogo de Jesus com os discípulos:

– Na causa de Deus, a fidelidade deve ser uma das primeiras virtudes. Onde o filho e o pai que não desejam estabelecer, como ideal de união, a confiança integral e recíproca? Nós não podemos duvidar da fidelidade do nosso Pai para conosco. Sua dedicação nos cerca os espíritos, desde o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e já Ele nos amava. E, acaso, poderemos desdenhar a possibilidade de retribuição? Não seria repudiarmos o título de filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver no afastamento, favorecendo a negação?

 [...] É certo que as forças destruidoras reclamarão a indiferença e a submissão do filho de Deus; mas, o filho de coração fiel a seu Pai se lança ao trabalho com perseverança e boa vontade. Entrará  em luta silenciosa com o meio, sofrer-lhe-á os tormentos com heroísmo espiritual, por amor do Reino que traz no coração plantará uma flor onde haja um espinho; abrirá uma senda, embora  estreita, onde estejam em confusão os parasitos da Terra; cavará pacientemente, buscando as entranhas do solo, para que surja uma gota d’água onde queime um deserto. Do íntimo desse trabalhador brotará sempre um cântico de alegria, porque Deus o ama e segue com atenção.8

Munidos de fé sincera estaremos em condições de atravessar esses difíceis momentos de transição do orbe terrestre, bem como triunfar nas provas e expiações, rumo à iluminação espiritual.

É preciso procurar “[...] as águas vivas da prece para lenir o coração, mas não nos esqueçamos de acionar os nossos sentimentos, raciocínios e braços, no progresso e aperfeiçoamento de nós mesmos, de todos e de tudo, compreendendo que Jesus reclama obreiros diligentes para a edificação de seu Reino em toda a Terra”.9

A fé transporta montanhas.

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 149 • Abr i l 2008

Referência:

1Bíblia de Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 4: 21-24, p. 1851.
2Idem, ibidem. Mateus, 17: 20, p. 1735.
3XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. 6, p. 32.
4XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 354.
5KARDEC, Allan. O Evangelho  segundo o Espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIX, item 2.
6HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco M. M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2007. p. 1317.
 7Todos os manuscritos do Novo Testamento, encontrados e catalogados até o presente momento, estão redigidos na língua grega, excetuando-se os manuscritos referentes às diversas traduções desse mesmo texto. 32 150 Reformador • Abr i l 2008
8XAVIER, Francisco C. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 3. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 6, p. 49-50 e 53-54.
9XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2007. Cap. 69, p. 180-181.


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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

SOBRE OS ANJOS GUARDIÃES

Terezinha Colle

Segundo a doutrina espírita, os anjos não são seres à parte, de
uma natureza especial: são Espíritos da primeira ordem, isto é,aqueles que chegaram ao estado de puros Espíritos, depois de terem passado por todas as provas1

“Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos guardiães. Pensar que tendes sempre perto de vós seres que vos são superiores, que estão sempre aí para vos aconselhar, vos amparar, para vos ajudar a subir a áspera montanha do bem, que são amigos mais fiéis e mais devotados que as mais íntimas ligações que se pode contrair nesta Terra, não é uma ideia bem consoladora? Esses seres estão ao vosso lado por ordem de Deus; foi ele que os colocou perto de vós, e eles aí estão por amor a Deus e cumprem junto de vós uma bela e penosa missão. Sim, onde quer que estejais ele estará convosco: os calabouços, os hospitais, os lugares de devassidão, a solidão, nada vos separa desse amigo que não podeis ver, mas cujo suave influxo vossa alma sente, e ouve seus sábios conselhos.”2

É intrigante constatar que uma verdade tão suave e consoladora, tão importante para o progresso moral, quase não encontre eco no coração do homem. A doutrina dos Anjos guardiães é muito antiga. Ela se encontra na filosofia grega, como se pode ler na Doutrina de Sócrates e Platão: Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio), que nos fora designado durante a vida, leva-nos a um lugar onde se reúnem todos os que têm de ser conduzidos ao Hades, para serem julgados. As almas, depois de haverem estado no Hades o tempo necessário, são reconduzidas a esta vida em múltiplos e longos períodos.3

Eis aí a ideia de um Espírito superior designado para acompanhar as almas durante a vida, após a morte e também reconduzi-las a uma nova encarnação.

Sócrates, um dos mais sábios filósofos de que se tem notícia, consultava constantemente seu daimon, seu bom gênio, seu anjo guardião. O grande filósofo não escondia sua estreita relação com um amigo invisível.

Santo Agostinho, filósofo cristão muito respeitados ainda nos dias de hoje,dialogava com uma voz que lhe falava na acústica da alma. Diz ele, em seu Solilóquios: “Desde muito tempo eu repassava mil pensamentos diversos; constantemente e comtodos os meus esforços eu procurava saber quem eu sou, qual é meu bem, qual mal eu devo evitar, quando, de repente escutei uma voz – se era eu mesmo ou uma voz estranha surgindo em mim, eu não sei, pois é precisamente o que ardentemente eu trabalho para saber.”4

Agostinho chamou aquela voz misteriosa de Razão; estabeleceu com ela diálogos profundos e publicou-os num livro que, por sugestão dessa mesma Razão, intitulou: Solilóquios.5

“Todos os homens são médiuns; todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando sabem escutá-lo. Pouco importa que alguns se comuniquem diretamente com ele por uma mediunidade particular e que outros não o ouçam senão pela voz do coração e da inteligência; nem por isso ele deixa de ser o seu Espírito familiar que os aconselha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, é sempre uma voz que responde à vossa alma e  

vos dita boas palavras. Só que nem sempre as compreendeis. Nem todos sabem agir segundo os conselhos dessa razão, não dessa razão que se avilta e se arrasta ao invés de marchar; dessa razão que se perde em meio aos interesses materiais e grosseiros, mas dessa razão que eleva o homem acima de si mesmo; que o transporta para regiões desconhecidas, chama sagrada que inspira o artista e o poeta; pensamento divino que eleva o filósofo; sopro que arrasta os indivíduos e os povos; razão que o vulgo não pode compreender, mas que aproxima o homem da divindade mais que qualquer outra criatura; entendimento que sabe conduzi-lo do conhecido para o desconhecido e o faz executar os atos mais sublimes. Escutai, pois, essa voz interior, esse bom gênio que vos fala sem cessar e chegareis, progressivamente, a ouvir o vosso anjo da guarda que do alto do Céu vos estende as mãos.”6

Essas palavras de Channing, repassadas de sabedoria, são mais que um incentivo para que busquemos comungar constantemente com o nosso Anjo guardião. Não buscá-lo é grande ingratidão para com esse amigo solícito e para com o Criador que o colocou ao nosso lado para nos conduzir ao bem e à felicidade suprema.

Quantos tropeços não evitaríamos se buscássemos ouvir sempre os conselhos desse amigo invisível, sempre atento e disposto a nos ajudar!

Allan Kardec, mesmo com toda sua capacidade intelecto-moral, não deixou de se aconselhar sempre com seu Guia, seu Anjo guardião.

Após sua morte, seus amigos publicaram, em obras póstumas, alguns diálogos que o Mestre teve com seu Guia espiritual, já em 1856, quando Kardec iniciava suas pesquisas sobre os Espíritos. Consta que numa noite em que ele escrevia sobre a ciência espírita, sozinho em sua casa, ouviu pancadas insistentes que não sabia de onde vinham. A Sra. Allan Kardec chegou em casa e também ouviu as pancadas; ambos procuram de onde vinham, mas sem êxito. No dia seguinte, em casa do Sr. Baudin, Kardec contou o fato e pediu explicações. Um Espírito lhe disse, pela mediunidade da Sra. Baudin, que era seu Espírito familiar que desejava se comunicar com ele. Kardec então perguntou se ele poderia dizer quem era, ao que o Espírito respondeu: Ele está aqui, pergunta tu mesmo.
Eis algumas poucas passagens desses diálogos:

P. - Meu Espírito familiar, quem quer que sejais, agradeço-vos por terdes vindo me visitar. Consentiríeis em dizer-me quem sois?
R. - Para ti, eu me chamarei A Verdade, e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.
P. - Ontem, quando batestes, enquanto eu trabalhava, tínheis alguma coisa de particular a me dizer?
R. - O que eu tinha a te dizer era sobre o trabalho que tu fazias; o que tu escrevias me desagradava, e eu queira te fazer cessar.Observação - O que eu escrevia era precisamente relativo aos estudos que estava fazendo sobre os Espíritos, e suas manifestações.
P. - A vossa desaprovação era precisamente relativa ao capítulo que eu escrevia, ou sobre o conjunto do trabalho? R. – Sobre o capítulo de ontem; submeto-o ao teu juízo; relê-o esta noite; tu reconhecerás tuas faltas e as corrigirás.
P - Eu mesmo não estava satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje. Está melhor?
R. -Está melhor, mas não bastante bom. Lê da 3ª à 30ª linha e reconhecerás um grave erro.
P. – Eu rasguei o que havia feito ontem.
R. - Não importa! O fato de teres rasgado não impede que a falta persista; relê e tu verás.
P. - O nome de Verdade que tomastes é uma alusão à verdade que eu busco?
R. - Talvez; pelo menos é um guia que te protegerá e te ajudará.
P. - Poderei evocar-vos em minha casa?
R. - Sim, para te assistir pelo pensamento; mas, para respostas escritas, em tua casa, só
daqui a muito tempo poderás obtê-las.

Observação - Com efeito, durante cerca de um ano não pude obter, em minha casa, nenhuma comunicação escrita, e cada vez que ali se encontrava um médium, do qual eu esperava obter alguma coisa, uma circunstância imprevista a isso se opunha. Eu não obtinha comunicações senão fora de minha casa.

No dia 9 de abril de 1856, novamente em casa do Sr. Baudin, Kardec teve mais um diálogo com seu Guia:

Pergunta (à Verdade) - Criticastes o trabalho que eu havia feito outro dia, e tínheis razão. Eu o reli e encontrei na 30ª linha um erro contra o qual protestastes por meio de pancadas. Isso me levou a descobrir outras faltas e a refazer o trabalho. Estais agora mais satisfeito?
R. - Acho-o melhor, mas aconselho-te que esperes um mês para divulgá-lo.
P. - Que entendeis por divulgá-lo? Não tenho, certamente, a intenção de publicá-lo ainda,
se por ventura deverei fazê-lo.
R. - Eu quis dizer mostrá-lo a estranhos. Busca um pretexto para recusá-lo aos que te
pedirem para vê-lo. Daqui até lá melhorarás o trabalho. Faço-te esta recomendação para
evitar a crítica; é de teu amor-próprio que cuido.
P. - Dissestes que sereis para mim um guia, que me ajudareis e protegereis. Compreendo essa proteção e seu objetivo, numa certa ordem de coisas, mas poderíeis me dizer se essa proteção também se estende às coisas materiais da vida?
R. - Nesse mundo, a vida material é para ser levada em conta; não te ajudar a viver seria
não te amar.7
Não se encontra aí a terna e amorosa proteção de um Anjo solícito a velar por seu protegido, até mesmo nas questões relativas à vida material?
Imaginemos como seria se Kardec não tivesse dado ouvidos ao seu Guia, que era o próprio Espírito de Verdade...

Em sua sábia humildade, o Mestre recorria sempre ao Amigo invisível, sempre presente e solícito, e assim nos legou o exemplo de como deve ser nossa relação com os nossos Anjos guardiães. Vejamos um pequeno trecho em que Kardec, em um de seus discursos aos Espíritas de Bordeaux, se refere ao seu Guia espiritual com muita naturalidade:

(...)“Sim, senhores, o fato não só é característico, mas providencial. Eis, acerca deste assunto, o que ainda ontem, antes da sessão, dizia meu guia espiritual, o Espírito de Verdade:”

“Deus marcou com o cunho de sua vontade imutável a hora da regeneração dos filhos desta grande cidade. À obra, pois, com confiança e coragem. Esta noite os destinos de seus habitantes vão começar a sair da rotina das paixões que sua riqueza e seu luxo faziam germinar como joio junto ao bom grão, para atingir, pelo progresso moral que lhe vai imprimir o Espiritismo, a altura dos destinos eternos. Tu vês que Bordeaux é uma cidade amada pelos Espíritos, pois vê multiplicar-se em seus muros os mais sublimes devotamentos da caridade, sob todas as formas. Assim, eles estavam aflitos por vê-la na retaguarda do movimento progressivo que o Espiritismo acaba de impor à Humanidade.
Mas os progressos vão ser tão rápidos, que os Espíritos bendirão o Senhor por ter-te inspirado o desejo de vir ajudá-los a entrar nesta via sagrada”8

A Doutrina Espírita é repleta de textos que nos convidam a nos aproximar de nossos Anjos guardiães. Ah, se pais e mães evocassem sempre seus Anjos, e também os Anjos aos quais Deus confiou a guarda dos Espíritos encarnados como seus filhos, para pedir-lhes conselhos sobre a melhor condução desses Espíritos, a quantos enganos e  dores não se poupariam! Certamente a missão dos Anjos guardiães seria mais amena e lograria mais êxito. Se todos os homens, não importando a classe social a que pertençam, ouvissem sempre esses Espíritos superiores, a humanidade estaria melhor, mais justa e mais feliz. E aqueles que desejam orar aos seus Anjos, e não sabem o que lhes dizer, encontrarão um modelo de prece deixado pelos Guias da humanidade, em o Evangelho segundo o Espiritismo.9

Finalizando, reproduzimos aqui um conselho de dois Anjos, amigos sempre solícitos:

“Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos, instruí os vossos semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber, senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à bem-aventurança, à felicidade eterna?”10
  
São Luís, Santo Agostinho. TC, 18/04/2012
  
1 Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas - Vocabulário Espírita – ANJO.
2 O Livro dos Espíritos, item 495, e Revista Espírita, janeiro de 1859.
3 O Evangelho segundo o Espiritismo - Introdução - Resumo da doutrina de Sócrates e de Platão
4 Soliloques de Saint Augustin, traduite par M. Pellissier, Paris, 1853.
5 Como ela [a conversação] se passa somente entre nós, tenho intenção de a chamar e intitular: Solilóquios; a palavra é nova, e talvez bábara, mas é bem própria para mostrar o que eu quero dizer. (Soliloques de Saint Augustin, Livre II)
6 Revista Espírita, janeiro de 1861 - Ensino espontâneo dos Espíritos - A voz do anjo da guarda, e O Livro dos Médiuns - Segunda parte - Das manifestações espíritas, cap. XXXI - Dissertações espíritas - Sobre os médiuns, X.
7 Œuvres posthumes, Mon guide spirituel. Librairie des Sciences Spirites et Psychiques. Paris, 1912
8 Revista Espírita, novembro de 1861 - Banquete oferecido a Allan Kardec - Discurso e brinde do Sr. Allan Kardec.

9 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVIII - Coletânea de preces espíritas - II - Preces por aquele mesmo que ora - Aos Anjos guardiães e aos Espíritos protetores, 11 a 14. 10 O Livro dos Espíritos, item 495, e Revista Espírita, janeiro de 1859

Fonte; Ipeak – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec


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LITERATURA MEDIÚNICA                                                                      (NOVO)
A DEGENERAÇÃO DO ESPIRITISMO                                         
TALISMÃS, FITINHAS DO “SENHOR DO BONFIM” E OUTROS AMULETOS NUM CONCISO COMENTÁRIO ESPÍRITA
“CURANDEIROS ENDEUSADOS”, CIRURGIÕES DO ALÉM – SOB OS NARCÓTICOS INSENSATOS DO COMÉRCIO
DILÚVIO DE LIVROS “ESPÍRITAS” DELIRANTES
CEM ANOS DE EVANGELIZAÇÃO ESPÍRITA
DIMENSÕES ESPIRITUAIS DO CENTRO ESPÍRITA
O ESPIRITISMO E A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
PRIMEIRO LIVRO DE ALLAN KARDEC TRADUZIDO PARA O BRASIL
O SEGREDO DE ALLAN KARDEC
A DIMENSÃO ESPIRITUAL E A SAÚDE DA ALMA
O ASPECTO FILOSÓFICO DA DOUTRINA ESPÍRITA
A CIÊNCIA EM KARDEC
O QUE PENSA O ESPIRITISMO
ESPIRITISMO E FILOSOFIA
O PROBLEMA DO DESTINO
PIONEIRISMO E OPOSIÇÃO DA IGREJA
ESPIRITISMO Ou será científico ou não subsistirá
ESTUDO SEQUENCIAL OU SISTEMATIZADO?
FONTE DE PERFEIÇÃO
RESGUARDEMOS KARDEC
REFLEXÃO SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO
AUTO DE FÉ DE BARCELONA
ACERCA DA AURA HUMANA
COMO PODEMOS INTERPRETAR A FRASE DE JESUS: "A tua fé te curou"?
TRATAR OU NÃO TRATAR: EIS A QUESTÃO
ATRAÇÃO SEXUAL, MAGNETISMO, HOMOSSESUALIDADE E PRECONCEITO
RECORDANDO A VIAGEM ESPÍRITA DE ALLAN KARDEC, EM 1862
OS FRUTOS DO ESPIRITISMO
FALTA DE MERECIMENTO OU DE ESTUDO?
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
VIVÊNCIAS EVOLUTIVAS DE ALLAN KARDEC
AS MESAS GIRANTES
O SILÊNCIO DO SERVIDOR
EURÍPIDES E HÉCUBA
O HOMEM DA MÁSCARA DE FERRO
MESMERISMO E ESPIRITISMO
CARTA DE ALLAN KARDEC AO PRÍNCIPE G.
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