segunda-feira, 27 de junho de 2016

Qual o Limite de Fazer o Bem?

Ana Vargas
anavargas.adv@uol.com.br

Dizem pais e educadores que impor limites às crianças é uma necessidade e uma dificuldade. Acredito que podemos ir além: é difícil reconhecer e aceitar os nossos limites também na vida adulta. As situações se tornam mais complexas que as experiências infantis, envolvem crenças, valores, que também podem viver de forma obscuradentro de nós, mesclados por senso comum, tendências culturais familiares e até atavismos de outras encarnações. Tudo isso contribui ou pode contribuir para fazer dos nossos limites uma zona nebulosa, desconhecida, frequentemente falseada por onipotência ou impotência. Penso que posso tudo ou, ao contrário, que sou uma criatura infeliz destituída de qualquer poder.

Trabalhando com formação de magnetizadores, esse é um quadro bastante comum. Aquele que crê não ter poder algum, além das dificuldades referidas para identificar o seu limite, carrega ainda uma baixa estima por si mesmo, e realmente, não enxerga os potenciais. Demanda trabalho teórico grande do orientador, e as experiências práticas com o Magnetismo são fontes de auto convencimento e autodescoberta que muito contribuem para elevação de sua autoestima. Há mesmo lindas histórias de florescimento pessoal. E tem aqueles outros que não conseguem identificar o limite, em geral creem de forma muita singela, com bons sentimentos e pouca reflexão que o bem é uma obrigação e tem que ser feito às raias do sacrifício. Às vezes, há um orgulho, um sentimento de heroísmo, até uma vaidade inconsciente. E aí quando barrados de fazer o bem, para o bem deles mesmo, se melindram, por exemplo: solicitar a um magnetizador que não se encontra física ou emocionalmente bem que se abstenha, durante a crise ou a enfermidade, de magnetizar.
Isso não deveria acontecer, mas acontece. Somos humanos e espiritualmente “crianças crescendo” no dizer dos Espíritos Superiores. Então, convém refletir sobre o tema.
Qual é o limite para fazermos o bem? Vejamos o que diz a questão 642 de O Livro dos Espíritos:

“Bastará não  fazer o mal para ser agradável a Deus e assegurar sua posição futura?

- Não, é preciso fazer  o bem no limite de suas forças, por que cada um responderá por todo o mal que resulte do bem que não haja feito.”

A indiferença, a omissão, são   deplorados como conduta. Mas os Espíritos Superiores não recomendam o absurdo, nem o impossível, sequer o sacrifício pessoal. Eles respondem com clareza: é preciso fazer o bem no limite de suas forças, até onde elas lhe permitam ir, não significa esgotamento. Todo limite traçado pela natureza é o do equilíbrio e do bem-estar. A saciedade me diz que estou suficientemente alimentada, o cansaço me aponta a necessidade do descanso e o meu limite. Exaustão é sofri-mento, é excesso do limite, conduzirá à doença, assim como alimentação em excesso conduzirá a indigestão. Essa regrinha é repetida muitas vezes no capítulo das Leis Morais. Conhecer o limite das próprias forças é tarefa fundamental no autoconhecimento. E aplicável em todos os setores, em especial na prática do Magnetismo espírita.

E mais, vale lembrar outra lição de O Livro dos Espíritos, pertinente ao tema do Magnetismo, comentário de Kardec no capítulo Princípio Vital:

“A quantidade de fluido vital não é  fator absoluto para todos os seres orgânicos; varia segundo as espécies e não é fator constante, seja no mesmo indivíduo, seja nos indivíduos da mesma espécie. Existem alguns que são por dizer, saturados, enquanto que outros dispõem apenas de uma quantidade suficiente; daí, para alguns, a vida é mais ativa, mais vibrante e, de certo modo, superabundante.

A quantidade de fluido vital se esgota, pode vir a ser insuficiente para manter a vida, se não se renova pela absorção a assimilação das substâncias que o contém. O fluido vital se transmite de um indivíduo para outro. Aquele que tem o bastante, pode dá-lo àquele que tem pouco e, em certos casos, restabelecer a vida prestes a se apagar.”

Ponto fundamental na formação do magnetizador: conhecer os limites da sua força, da sua energia vital, pois é isso que irá transmitir aos outros.Precisa tê-la para poder doá-la, em primeiro lugar. 

Se, vive em um país tropical como o nosso, por mais que cuide da saúde e tenha bons hábitos, está sujeito a doenças virais, estamos encarnados, o corpo sofre a ação do tempo e a idade traz limitações, por exemplo. É preciso aceitar, são fatos da vida. E, de mais a mais, no estágio evolutivo do nosso mundo, enfermidades são naturais, são mesmo necessárias. Eu sou magnetizadora há dezessete anos. Ao longo desse tempo, já tive vários períodos em que me declarei impossibilitada de magnetizar: tive muitas pneumonias, infecções respiratórias, precisei fazer cirurgias, crises de coluna, tenho hérnia de disco inoperável. Tratei todos os meus males com medicina e com magnetismo. Estando enferma, era hora de cuidar de mim. Tornava-me paciente e atendida pelos demais magnetizadores do nosso grupo. Recuperada, voltava devagar a atividade. Jamais fui à exaustão, nem permito que o grupo vá. Em todos esses anos nenhum caso de fadiga fluídica, alguns casos de melindres temporários por afastar alguém que se saiba estar enfermo precisando ser atendido.E quantos a estados emocionais, isso depende da consciência do magnetizador. Ele precisa se conhecer, reconhecer e dizer ao grupo: hoje não estou em condições. Isso é ser responsável e coerente com o conhecimento adquirido. Aliás, na enfermidade física também deveria ser, mas é a ideia falseada do valor do sacrifício, de ir à exaustão, e esquecer que o magnetizador transmite suas energias com a coloração que elas têm em seu ser, logo se estou doente, posso contaminar meu magnetizado com minhas dores e achaques, se enfrento uma crise emocional vou transmitir angustia, raiva, etc.

Boas intenções e boa vontade não bastam, é preciso ser responsável e coerente consigo, com o conhecimento que se busca e com os outros. O limite das próprias forças precisa ser conhecido, admitido e usado.

Fonte: Jornal Vortice ANO VIII, Nº 12 - MAIO– 2016

As primeiras “salas” de reuniões mediúnicas?



Wesley Caldeira
caldeirawesley@ig.com.br

A arte é o espelho de uma época, ou a narrativa visual de um tempo, e sua finalidade – segundo bem intuiu o escritor Oscar Wilde – é criar um estudo da alma.

O homem pré-histórico era fascinado com a pintura na rocha.

Entre 60 e 30 mil anos atrás ocorreu a primeira grande transformação no comportamento humano, chamada explosão cultural ou explosão criativa do Paleolítico Superior. Subitamente – após 2,5 milhões de anos desde o aparecimento da linhagem Homo, e passados quase 100 mil anos, desde a chegada do último membro dessa linhagem, o Homo sapiens sapiens – surgem os primeiros objetos de tecnologia complexa e as primeiras manifestações artísticas e ideias religiosas.

Durante o século XX, os estudiosos polemizaram explicações para a arte na rocha.

Essas pinturas, de modo geral, retratavam a vida do caçador. Um grupo delas, porém, foi produzido sem qualquer intenção decorativa ou ocupacional, apresentando características enigmáticas que desautorizam a hipótese geral, pois:
  • esse grupo especial de pinturas foi gravado não em locais em que pudesse ser admirado, mas em paredes altas de cavernas completamente escuras, profundas, inóspitas, algumas quase inacessíveis; e
2) tais pinturas não se referem somente à fauna, mas também a temas abstratos, figuras que não se relacionam com o mundo material, compostas de pontos, linhas, formas geométricas, às vezes associadas à fauna. Outras vezes são detalhes de animais enxertados no corpo humano e vice-versa, formando novas e estranhas criaturas.

Nos anos de 1980, o arqueólogo David Lewis-Williams, apoiado em experimentos neu rológicos e estudos sobre as tradições xamânicas e artísticas dos bosquímanos de seu país, a África do Sul, propôs que essas pinturas são registros de visões obtidas em estados alterados de consciência, isto é, em transe – a base fenomênica para as experiências mediúnicas. Elas não são pinturas da natureza, mas de imagens percebidas pela mente em estados de consciência incomuns. Seu livro The mind in the cave – consciousness and the origins of art (A mente na caverna – consciência e as origens da arte),1 sobre a importância dos estados alterados de consciência para a evolução humana e a arte rupestre, concluiu:

[…] o limiar crucial na evolução humana foi entre duas espécies de consciência, e não simplesmente entre uma inteligência moderada e uma inteligência avançada.1 (Traduzimos.)

A conclusão de Lewis‑Williams é revolucionária: o marco mais importante da evolução da espécie humana foi o início da relação/influência entre a consciência comum e os estados alterados de consciência.

Hoje, uma geração de especialistas também acredita que algumas dessas gravuras eram similares às imagens formadas na mente do homem primitivo nos estágios de aprofundamento do transe.

O inglês Julian Bell, em seu magnífico Uma nova história da arte,2 também se perguntou por que aquelas pessoas “se recolhiam da luz do sol em passagens frias, escuras e perigosas” para praticar a pintura nas cavernas. Sua tese é:

A arte antiga gira em torno de forças e princípios invisíveis que fazem o mundo ser tal como é, mas que são ao mesmo tempo pessoas. Em outras palavras, gira em torno do que chamaríamos de “deuses”. Mais que isso, ela se dirige a essas pessoas: procura, por meio da criação de imagens, conferir-lhes uma localização e uma forma corpórea (amiúde um animal).2 (Grifamos.)

As cavernas eram o espaço físico do lar do homem pré-histórico, mas algumas eram templos, lugares dos Espíritos, dos “deuses”. Representavam uma passagem entre o mundo físico e o mundo invisível; um local sagrado e secreto que permitia, por meio de técnicas arcaicas de transe, romper o véu que separava o mundo do homem primitivo e o mundo espiritual.

Com a arte na pedra, “o invisível saltou para a visibilidade” – asseverou Julian Bell.2 Foram as primeiras imagens que deram ao homem pré-histórico algum sentido para o mundo.

As gravuras encontradas em cavernas europeias, como as de Lascaux, na França, e as de Altamira, na Espanha – considerada a Capela Sistina da Pré-História –, são famosas pela incomparável riqueza técnica e estética. Quando se descobriu a primeira galeria dessas pinturas, em Altamira, 1789, os estudiosos se recusaram a aceitar que elas datassem da Pré-História, influenciados pela proposta evolucionista, nos moldes sugeridos por Darwin. Os artistas pré-históricos pintavam com uma confiança e habilidade próprias do mundo moderno. De fato, a perícia e a beleza de suas imagens causam assombro. Picasso, ao visitá-las, disse: “Nós não aprendemos nada”.

No Brasil, entre os principais conjuntos pictóricos estão, sem dúvida, os do Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, norte de Minas Gerais. Os sedimentos encontrados nas suas camadas arqueológicas mais antigas datam de 11 mil anos. A Lapa dos Desenhos impressiona. Alguns painéis de gravuras chegam a dez metros de altura. Múltiplos temas estão pintados na rocha, trabalhados em variedade de cores, traços e detalhes. Ora são representações humanas, ora figuras de animais, formas geométricas e símbolos misteriosos.

Joaquim Perfeito da Silva,3 professor-pesquisador Ph.D. da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, defende a existência de uma conexão entre as práticas xamânicas e as pinturas do Peruaçu.

Os antropólogos denominam xamãs os indivíduos de sociedades primitivas capazes de terem contato com seres da dimensão espiritual. Ao atingirem o transe, seus corpos caem imóveis, suas almas se emancipam, desprendem-se, e são guiadas por Espíritos aliados, em excursões pelo plano espiritual – o típico transe xamânico: “o voo da alma”.

Para chegar ao estado mediúnico, os xamãs utilizam as técnicas arcaicas de êxtase: a música de ritmo repetitivo, o jejum, a privação sensorial, obtida com o isolamento na escuridão (daí, na Pré-História, o tipo especial de cavernas que escolhiam), o consumo de plantas e fungos psicoativos, com o objetivo de reduzir a atividade do córtex cerebral e abrir o mundo neurológico para outras formas e percepção da mente.

Nesse estado, os xamãs pré-históricos recebiam orientações do mundo dos Espíritos sobre a cura de doenças, as rotas de sobrevivência, ou seja, as melhores condições de clima, caça, pesca, frutos. Quando regressavam do transe, algumas vezes transferiam para as paredes das grutas as lembranças dos fenômenos psíquicos e mediúnicos experimentados, matizadas de simbolismo mágico, na forma de códigos visuais. Os animais reproduzidos estavam associados a um potencial mágico, de acordo com o poder pelo qual eram admirados na natureza.

Os fenômenos mediúnicos, portanto, apareceram já na Pré-História. E algumas grutas foram, de certo modo, as primeiras “salas mediúnicas”.

O Espírito André Luiz, através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier,4 esclareceu que o homem do período paleolítico – por ele chamado de infraprimitivo4 – ainda não dispunha de recursos em si para enfrentar o desconhecido na dimensão espiritual. Liberto do corpo físico pela morte, sentia-se como um menino amedrontado. Na rudeza da caverna em que se escondia, era surpreendido pela morte como a criança “deslumbrada à frente de paisagem maravilhosa, cuja grandeza, nem de leve, pode ainda compreender”.4

Por isso, buscava segurança no magnetismo do clã e se confinava na ideia depressiva de voltar à vida material, que lhe surgia “à imaginação como sendo a única abordável à própria mente”.4

A visita dos Espíritos, mesmo os benevolentes e sábios, estarrecia-o, levando-o a crer-se “à frente de deuses bons ou maus, cuja natureza ele próprio se incumbe de fantasiar, na exiguidade das próprias concepções”.4

Os xamãs – assim acreditamos – foram iniciadores do homem pré-histórico quanto à vida no mundo espiritual, preparando-o para outra condição individual, de consciência mais lúcida. Com os séculos, e na medida em que foi introduzido em novos campos de indagação, entendimento e trabalho, o homem passou a despertar, após a morte, mais familiarizado com a realidade espiritual e melhor capacitado para refletir sobre as relações entre os dois planos da vida, no capítulo moral da causa e efeito.

A mediunidade é uma aptidão natural. O homem caminha pelas eras desenvolvendo sua capacidade de interação com os Espíritos. O termo “mediunismo”, todavia, nomeia com mais propriedade o período primitivo desse desenvolvimento. Apenas quando a mediunidade passa a ser vivida de maneira racional e comprometida com valores éticos é que melhor se lhe conforma essa designação.

Com o Espiritismo, codificado por Allan Kardec a partir de 1857, o exercício mediúnico alcançou outro nível teórico, ético e prático, favorecendo que a mediunidade se eleve da categoria de fenômeno psíquico para a de verdadeira faculdade do ser.  

REFERÊNCIAS:

1 LEWIS-WILLIAMS, David. The mind in the cave – consciousness and the origins of art. Londres: Editora Thames & Hudson, 2002. p. 285. (1ª publicação no Reino Unido). O professor David Lewis-Williams é renomada autoridade sobre a antiga arte na rocha e leciona na Witwatersrand, a mais afamada universidade da África do Sul.

2 BELL, Julian. Uma nova história da arte. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008. p. 18 e 17, respectivamente. O professor Julian Bell ensina teoria e história da arte na tradicional City & Guilds of London Art School, fundada em 1879. Seus quadros são expostos em vários países e ele escreve resenhas sobre arte e livros para importantes jornais do mundo.

3 MNEME – Revista de Humanidades – dossiê arqueologias brasileiras, v. 6, n. 13, dez. 2004/jan. 2005. Artigo Uma interpretação levistraussiana das representações rupestres da Gruta do Índio, Vale do Peruaçu, MG.


4 XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois mundos. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. pt. 1, cap. 12, it. Além da histogênese, p. 90; O selvagem desencarnado, p. 91-92, respectivamente

quinta-feira, 23 de junho de 2016

História da Era Apostólica - Novas perguntas


“A diversidade de imagens de Jesus levanta a suspeita de que os retratos de Jesus sejam na verdade auto-retratos de seus autores.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

O reinado de Guilherme II (1859-1941) assistiu, na Alemanha, ao florescimento do liberalismo teológico e da pesquisa “clássica” sobre a história do Cristianismo, cuja característica marcante foi a exploração histórico-crítica das fontes literárias, visando a reconstrução da personalidade e da vida de Jesus, ao menos na concepção dos seus expositores mais destacados.

Inaugurava-se a Terceira Fase da pesquisa histórica do Cristianismo sob a influência de desmedido otimismo. F. Baur defendia a primazia dos sinóticos sobre o Evangelho de João. H. Holzmann propunha a teoria das duas fontes,
segundo a qual Marcos e “Q”2 representavam as mais antigas e confiáveis fontes para a reconstrução do quadro biográfico do Cristo.

O colapso do liberalismo teológico, porém, veio mais cedo do que se imaginava, em virtude de três fatores: a constatação do caráter fragmentário dos evangelhos, que impediria qualquer esforço de extrair um “desenvolvimento” da personalidade de Jesus a partir da seqüência narrativa do evangelho de Marcos; o caráter tendencioso das fontes antigas, visto que o evangelista privilegiava determinada mensagem, ainda que em detrimento de uma suposta “precisão histórica”; o elemento projetivo das biografias sobre Jesus, uma vez que os biógrafos retratavam a personalidade do Mestre ao sabor das suas preferências e conveniências pessoais.

O ocaso da Teologia Liberal contribuiu para o surgimento da chamada “Teologia Dialética”, herdeira da filosofia existencialista de Heidegger, segundo a qual “o ser humano conquista sua ‘autenticidade’ apenas na decisão, a qual não pode ser assegurada mediante argumentos objetiváveis (como o conhecimento histórico).
Para um existencialismo cristão a decisão é a resposta ao chamado de Deus no querigma3 da cruz e da ressurreição de Cristo, que  o ser humano compreende por meio de um morrer e viver existencial em Cristo”.4

O trabalho de R. Bultmann (1884-1976), o mais destacado exegeta da Teologia Dialética, reflete o ceticismo histórico que tomou conta dos pesquisadores, após o colapso da pesquisa tradicional. Na sua concepção, o Cristianismo começa apenas com a Páscoa, razão pela qual conclui que o ensino de Jesus não é relevante para uma Teologia Cristã. Nessa abordagem, o Jesus histórico não é objeto nem fundamento da pregação neotestamentária, que se baseia exclusivamente no “Cristo” percebido e divulgado após o Pentecostes (Cristo Querigmático).5

A Quarta Fase da pesquisa, desenvolvida no círculo dos discípulos de Bultmann, propõe uma “nova pergunta” pelo Jesus histórico, buscando o elo entre a pregação
pós-pascal dos apóstolos e a pregação do próprio Jesus. Enquanto a “antiga pergunta” (Teologia Liberal) contrapunha Jesus à pregação da Igreja, a “nova pergunta” procura harmonizar esses dois elementos.

No lugar da reconstrução crítico-literária das fontes, a metodologia da Teologia Dialética se concentra na comparação entre a história das religiões e a história da tradição evangélica.Nesse contexto, assume papel relevante o intitulado “critério da diferença”, segundo o qual, para se reconstruir um mínimo de tradição autêntica sobre Jesus, torna-se necessário excluir tudo que possa ser derivado tanto do Judaísmo quanto da pregação apostólica, nabusca da voz “original” do Cristo.

Na opinião dos estudiosos do tema:

[...] com o fim da escola bultmaniana ficaram cada vez mais evidentes as arbitrariedades da “nova pergunta” pelo Jesus histórico. Ela era basicamente determinada pelo interesse teológico de fundamentar a identidade cristã ao distingui-la do judaísmo e de garanti-la ao separá-la de heresias cristãs primitivas (como a gnose e o entusiasmo carismático).Por isso ela deu preferência a fontes ortodoxas e canônicas.6

Assim, o esforço para minimizar os contornos judaicos da mensagem cristã constitui o aspecto problemático dessa abordagem, já que favoreceu o anti-semitismo, desfigurando o pano de fundo histórico dos evangelhos para torná-lo mais palatável aos existencialistas.

A Quinta Fase da pesquisa, também conhecida como terceira busca (Third Quest), que se desenvolveu, sobretudo, nos países de fala inglesa, procura superar essas
idiossincrasias. Nela, o interesse histórico-social substitui o interesse teológico, ao passo que a inserção de Jesus no Judaísmo substituiu o interesse de separá-lo das
suas bases históricas e sociais. Há, também, maior abertura a fontes não-canônicas (em parte heréticas), tais como os apócrifos.

Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa hodierna, tais como história antiga, crítica literária, crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia, religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época.

Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos, premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente às expectativas dos crentes atuais.
No entanto, ao montar o quebra-cabeça da história do Cristianismo Primitivo com as escassas peças disponíveis, nem sempre é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose de imaginação.

Na avaliação de Gerd Theisen:

[...] todas as descrições de Jesus contêm um elemento construtivo que vai além dos dados contidos nas fontes. A imaginação histórica cria com suas hipóteses uma “aura de ficcionalidade” em torno da figura de Jesus, assim como a imaginação religiosa do Cristianismo primitivo. Pois tanto aqui como lá atua uma grande força imaginativa, acesa pela mesma figura histórica. Em ambos os casos, ela opera de forma aberta: símbolos religiosos, imagens e mitos permitem sempre nova interpretação, hipóteses históricas permitem sempre nova correção.Neste processo, nem a construção religiosa, nem a reconstrução histórica da história de Jesus procede com arbitrariedade, mas com base em convicções axiomáticas. A imaginação religiosa do cristianismo primitivo é conduzida pela sólida crença de que por meio de Jesus é possível fazer contato com Deus, a realidade última. A imaginação histórica é determinada pelas convicções básicas da consciência histórica: todas as fontes se originam de seres humanos falíveis e devem, portanto, ser submetidas à crítica histórica.7

O espírita-cristão, abençoado pela revelação dos Espíritos superiores, especialmente na produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, conta com um elemento precioso, muitas vezes negligenciado. Os romances do Benfeitor Emmanuel constituem detalhado processo de reconstrução dos três primeiros séculos do Cristianismo.

Nesses romances, alguns dados da pesquisa histórica puramente humana são confirmados, todavia, muitas retificações são feitas, de forma sutil. Exige-se do leitor exame cuidadoso, sob pena de serem divulgadas informações espiritualmente incorretas, apenas porque determinado pesquisador encarnado as defenda em suas obras.

Nesse sentido, é valiosa a advertência de Emmanuel:

[...] Hipóteses incontáveis foram aventadas, mas os sábios materialistas, no estudo das idéias religiosas, não puderam sentir que a intuição está acima da razão e, ainda uma vez, falharam, em sua maioria, na exposição dos princípios e na apresentação das grandes figuras do Cristianismo.

[...] É que, portas a dentro do coração, só a essência deve prevalecer para as almas e, em se tratando das conquistas sublimadas da fé, a intuição tem de marchar à frente da razão, preludiando generosos e definitivos conhecimentos.8

Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, razão pela qual, antes de iniciarmos nosso estudo da “História Apostólica”, à
luz da obra Paulo e Estêvão, decidimos fazer um histórico da pesquisa acadêmica, a fim de evitar, ou pelo menos conhecer, as extravagâncias e equívocos de seus expositores.

Referência:

1THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
2Termo alemão que significa “fonte”. Schleiermacher foi o primeiro a propor a existência de uma coletânea de declarações de Jesus como uma das fontes dos evangelhos. Alguns críticos acreditam que Papias faz referência a esse documento quando
3No grego, essa palavra (querigma) significa “a coisa pregada”, a pregação dos primeiros cristãos, ou melhor, o conjunto de crenças básicas por eles defendidas e
divulgadas.  menciona a existência das “Logias” de Levi. Todavia, cumpre salientar que não há comprovação histórica da existência do referido documento. O trabalho dos estudiosos tem sido selecionar ditos de Jesus, nos evangelhos de Mateus e Lucas, ausentes no evangelho de Marcos, propondo que essa seleção aponte para a suposta fonte “Q”. Em resumo, estamos diante de uma hipótese que deve ser analisada com cautela.
4THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
5O Cristo retratado na pregação dos apóstolos e dos primeiros cristãos do Século I.
6THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 28.
7THEISEN, Gerd; MERZ,Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
8XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIV, item “A redação dos textos definitivos”, p. 124-125.

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 146 • Janeiro  2008


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História da Era Apostólica - A fé transporta montanhas


HAROLDO DUTRA DIAS
  
“Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém
adorareis o Pai [...] Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade.”1

A passagem acima citada diz respeito ao encontro da mulher de Samaria com Jesus. A samaritana indaga quanto ao verdadeiro local de adoração a Deus, se no monte Gerazim (Samaria) ou, ao contrário, no monte Sião (Jerusalém). O Mestre lhe responde, todavia, que os verdadeiros adoradores adoram a Deus em espírito e verdade, não em pontos geográficos fixos.

Com o Cristo, transportam- se as montanhas sagradas, da tradição bíblica, para o interior da alma. Assim, haverá um santuário espiritual erguido ao Criador em todos os lugares da Terra onde estiver presente um espírito sincero e fervoroso, visto que a adoração terá lugar portas adentro do coração.

A fé transporta montanhas. Mudando o enfoque, urge reconhecer que a edificação do “Reino de  Deus” representa verdadeira obra divina a desdobrar- -se, também, no coração dos seres. No entanto, não raro, exige trabalhos ingentes, inúmeros sacrifícios e lutas acerbas, decorrentes do esforço de superação das nossas deficiências íntimas.

Desse modo, com o propósito de debelar o pessimismo, o desânimo, a incerteza, a hesitação, Jesus nos ensina que: “[...] se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará, e nada vos será impossível”.2

 A fé “é força que nasce com a própria alma, certeza instintiva na Sabedoria de Deus que é a sabedoria da própria vida [...]”,3 não obstante as adversidades de cada dia. Consoante o ensino de Emmanuel:

Ter fé é guardar no coração a luminosa certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo o coração repousar numa energia constante de realização divina da personalidade.

Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. Essa fé não pode estagnar em nenhuma circunstância da vida e sabe trabalhar sempre, intensificando a amplitude  de sua iluminação, pela dor ou pela responsabilidade, pelo esforço e pelo dever cumprido.

Traduzindo a certeza na assistência de Deus, ela exprime a confiança que sabe  enfrentar todas as lutas e problemas, com a luz divina no coração, e significa a humildade redentora que edifica no íntimo do espírito a disposição sincera do discípulo, relativamente ao “faça- se no escravo a vontade do Senhor”.4

Sensível aos desafios que o progresso espiritual apresenta, Allan Kardec asseverou:

 [...] As montanhas que a fé desloca são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em  suma, com que se depara da parte dos homens, ainda quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha pelo progresso da Humanidade.[...]5

A fé transporta montanhas. Noutro giro, consultando o dicionário constata-se que o vocábulo “fé” cobre um amplo espectro de significados, tais como: “[...] confiança absoluta (em alguém ou algo); [...] crédito, [credibilidade] (um homem digno de fé); [...] asseveração, afirmação, comprovação de algum fato; [...] compromisso assumido de ser fiel à palavra dada, de cumprir exatamente o que se prometeu”.
6 (Destaque do autor.)

A palavra “fé” é utilizada para  traduzir, na Bíblia hebraica (Velho Testamento), o radical “aman” (confirmar, sustentar; estabelecer- se; ser fiel; estar certo, crer em), bem como os seus derivados, em especial, os termos “omen” (verdade, fidelidade) e “emuna” (firmeza, fidelidade).

Vê-se que, no âmago dos significados dessa raiz, está a idéia de certeza, mas também o sentido de “ser fiel” (2 Crônicas 19:9).

Por sua vez, no Novo Testamento, utiliza-se o vocábulo “fé” para traduzir a expressão grega7 “pistis” (fé, confiança depositada nas pessoas ou nos deuses), e especialmente seu derivado “to piston” (confiabilidade ou fidelidade daqueles que se obrigam por um contrato).

Nesse ponto, Humberto de Campos vem em nosso socorro, reproduzindo belíssimo diálogo de Jesus com os discípulos:

– Na causa de Deus, a fidelidade deve ser uma das primeiras virtudes. Onde o filho e o pai que não desejam estabelecer, como ideal de união, a confiança integral e recíproca? Nós não podemos duvidar da fidelidade do nosso Pai para conosco. Sua dedicação nos cerca os espíritos, desde o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e já Ele nos amava. E, acaso, poderemos desdenhar a possibilidade de retribuição? Não seria repudiarmos o título de filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver no afastamento, favorecendo a negação?

 [...] É certo que as forças destruidoras reclamarão a indiferença e a submissão do filho de Deus; mas, o filho de coração fiel a seu Pai se lança ao trabalho com perseverança e boa vontade. Entrará  em luta silenciosa com o meio, sofrer-lhe-á os tormentos com heroísmo espiritual, por amor do Reino que traz no coração plantará uma flor onde haja um espinho; abrirá uma senda, embora  estreita, onde estejam em confusão os parasitos da Terra; cavará pacientemente, buscando as entranhas do solo, para que surja uma gota d’água onde queime um deserto. Do íntimo desse trabalhador brotará sempre um cântico de alegria, porque Deus o ama e segue com atenção.8

Munidos de fé sincera estaremos em condições de atravessar esses difíceis momentos de transição do orbe terrestre, bem como triunfar nas provas e expiações, rumo à iluminação espiritual.

É preciso procurar “[...] as águas vivas da prece para lenir o coração, mas não nos esqueçamos de acionar os nossos sentimentos, raciocínios e braços, no progresso e aperfeiçoamento de nós mesmos, de todos e de tudo, compreendendo que Jesus reclama obreiros diligentes para a edificação de seu Reino em toda a Terra”.9

A fé transporta montanhas.

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 149 • Abr i l 2008

Referência:

1Bíblia de Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 4: 21-24, p. 1851.
2Idem, ibidem. Mateus, 17: 20, p. 1735.
3XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. 6, p. 32.
4XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 354.
5KARDEC, Allan. O Evangelho  segundo o Espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIX, item 2.
6HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco M. M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2007. p. 1317.
 7Todos os manuscritos do Novo Testamento, encontrados e catalogados até o presente momento, estão redigidos na língua grega, excetuando-se os manuscritos referentes às diversas traduções desse mesmo texto. 32 150 Reformador • Abr i l 2008
8XAVIER, Francisco C. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 3. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 6, p. 49-50 e 53-54.
9XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2007. Cap. 69, p. 180-181.


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História da Era Apostólica Jesus – Governador Espiritual do Orbe


HAROLDO DUTRA DIAS

“Não podemos conhecer o Jesus ‘real’ através da pesquisa histórica, quer isto signifique sua realidade total ou apenas um quadro biográfico razoavelmente completo. No entanto podemos conhecer o ‘Jesus histórico’. Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.”


Um longo itinerário foi percorrido para que pudéssemos resumir as fases da pesquisa histórica sobre o Cristianismo, antes de compará-la com o material revelado pela Espiritualidade superior.

Novamente, utilizamos como epígrafe a citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais
eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração. Ao estabelecer os limites da ciência e da investigação humanas, ele adverte:

Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos “resgatar” e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.

A atitude de prudência e humildade esboçada por esse autor, favorece o diálogo com a Doutrina Espírita que, por sua vez, oferece subsídios valiosos, inacessíveis aos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”. Não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suas conclusões, numa atitude mística incompatível com a fé raciocinada. O desafio é “complementar”, “unir”, “dialogar”, onde ambas as partes estão dispostas a ouvir e a falar, sem submissão ou subserviência.

Doravante, destacaremos a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de  graves problemas relativos à história de Jesus, dos seus seguidores diretos, e do Cristianismo, de modo geral, visando à apropriação, com maior segurança e legitimidade, da essência da Boa Nova, alicerce de todas as propostas de renovação veiculadas pela Doutrina dos Espíritos.

 Nessa linha de raciocínio, somos inevitavelmente levados a indagar: Quem é Jesus na visão da Espiritualidade superior? A resposta, em O Livro dos Espíritos, é sobejamente conhecida, mas ainda nos convida a profundas reflexões:

625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo? “Jesus.”

Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque, sendo Jesus o ser mais puro que já apareceu na Terra, o Espírito Divino o animava. Se alguns dos que pretenderam instruir o homem na lei de Deus, algumas vezes o desencaminharam, ensinando-lhe falsos princípios, foi porque se deixaram dominar por sentimentos demasiado terrenos e porque confundiram as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo.Muitos deles apresentaram como leis divinas o que eram simples leis humanas, criadas para servir às paixões e para dominar os homens. (Comentário de Kardec.)2

O Benfeitor Emmanuel, por sua vez, enriqueceu nossos estudos com surpreendentes informações sobre o papel desempenhado por Jesus na condução dos destinos humanos:

Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas  as coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos  e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução de problemas decisivos da organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso dos milênios conhecidos.

A primeira, verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção.3

Diante do assombro dessas revelações de Emmanuel, resta-nos indagar o que são Espíritos puros.A  informação é encontrada em O Livro dos Espíritos, nas respostas dadas pelos benfeitores espirituais a Allan Kardec, nas seguintes questões:

112. CARACTERÍSTICAS GERAIS – Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens.

113. Primeira classe. Classe única. Percorreram todos os graus da escala [ver questões 100 e seguintes] e se despojaram de todas as impurezas da matéria.
Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm que sofrer mais provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.
.....................................................
128. Os seres que chamamos anjos, arcanjos, serafins, formam uma categoria especial, de natureza diferente da dos outros Espíritos?
“Não; são os Espíritos puros: os que se acham no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições.”
....................................................
170. Em que se transforma o  Espírito depois da sua última encarnação?

“Em Espírito bem-aventurado; em Espírito puro.”4

É forçoso concluir, com o professor John P. Meier, que os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica não são capazes de nos mostrar o “Jesus real”. Talvez seja essa a razão pela qual os historiadores, como demonstrado nos artigos anteriores, acabam por apresentar uma imagem distorcida de Jesus.

Jesus é o Governador Espiritual do Planeta, em cujas mãos repousam os destinos de toda a humanidade terrena.

A tentativa de reduzir o Mestre aos parâmetros estritamente humanos decorre da visão materialista da maioria dos pesquisadores. É nesse ponto que a revelação espiritual pode contribuir para a reconstituição do “Jesus real”, restabelecendo a legítima compreensão do Cristianismo.

Emmanuel destaca a relevância da atuação do Mestre, a pujança da sua influência, no que diz respeito aos rumos do progresso terrestre.

Encerramos este artigo com mais uma notável citação desse Espírito, que descortina detalhes do Governo espiritual do Cristo:

Vê-se, então, o fio inquebrantável que sustenta os séculos das experiências terrestres, reunindo- as, harmoniosamente, umas às outras, a fim de que constituam
o tesouro imortal da alma humana em sua gloriosa ascensão para o Infinito.
....................................................
Na tela mágica dos nossos estudos, destacam-se esses missionários que o mundo muitas vezes crucificou na incompreensão das almas vulgares, mas, em tudo e sobre todos, irradia-se a luz desse fio de espiritualidade que diviniza a matéria, encadeando o trabalho das civilizações, e, mais acima, ofuscando o “écran” das nossas observações e dos nossos estudos, vemos a fonte de extraordinária luz, de
onde parte o primeiro ponto geométrico desse fio de vida e de harmonia, que equilibra e satura toda a Terra numa apoteose de movimento e divinas claridades.

Nossos pobres olhos não podem divisar particularidades nesse deslumbramento, mas sabemos que o fio da luz e da vida está nas suas mãos. É Ele quem sustenta
todos os elementos ativos e passivos da existência planetária.No seu coração augusto e misericordioso está o Verbo do princípio. Um sopro de sua vontade pode
renovar todas as coisas, e um gesto seu pode transformar a fisionomia de todos os horizontes terrestres.5

Referência:

1MEIER, John P. Um judeu marginal:  repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 35.
2 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Edição Comemorativa do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: FEB, 2007. 3XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. I, item A Comunidade dos Espíritos Puros, p. 17.
3XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. I, item A Comunidade dos Espíritos Puros, p. 17.
4KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Edição Comemorativa do Sesquicentenário.
Rio de Janeiro: FEB, 2007.
5 XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Introdução”, p. 14-15. reformador março 2008 - b.qxp 3/4/2008 10:48 Page 33

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 148 • Março  2008

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