quarta-feira, 16 de março de 2016

Emancipação da Alma - O Sono E Os Sonhos II

 Os sonhos representam as vivências do Espírito nos momentos em que o corpo adormece e libera aquele parcialmente das amarras da matéria física. Nesse estado, a alma encontra-se mais livre e em condições melhores para utilizar as suas faculdades com maior amplitude. “O sonho é a lembrança do que o vosso Espírito viu durante o sono”*, escreveu Kardec. Às vezes os sonhos são lembrados com precisão, às vezes parece que foram apagados da mente. De outras, vão se desva-necendo com o passar dos minutos ou das horas, após o sujeito ter despertado no corpo.

Quanto mais profundo o sono, maior pode ser o desprendimento do Espírito. Isto significa que as suas andanças fora do corpo sofrem me-nos influência da matéria ao mesmo tempo em que ficam menos grava-das no cérebro físico, pois não foram captadas através dos sentidos corporais.

Por vezes, os sonhos se mostram simbólicos. Para entendermos o porquê disso, é preciso lembrar que há uma diferença vibratória muito grande entre o Espírito, que é muito sutil, e o corpo, que é muito denso. Assim sendo, o que se passa ao nível do Espírito não consegue ser registrado de forma eficiente e completa pelos mecanismos biológicos. Daí, surge um simbolismo como se fosse um recurso de conversão a fim de que fique marcado no cérebro físico aquilo que foi experienciado pela alma.

Dito isso, podemos entender que não existe interpretação dos sonhos como vulgarmente se pensa. Cada símbolo utilizado é particular, não tem uma conotação genérica, “(...) de modo que é absurdo acreditar-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra”.** Além disso, os sonhos podem ser confusos quando se misturam imagens do passado com o presente, a visão do Espírito fora do corpo com as suas preocupações do dia a dia, ou quando as lem-branças são fragmentadas, como se faltassem pedaços. É comum não ficar impresso no sonho o momento em que o Espírito se au-senta do corpo e quando a ele retorna. Assim, se tornam ininte-ligíveis os sonhos. De qualquer modo, na maioria das vezes, não importa saber o que significam os sonhos que tivemos ou o que fizemos quando semidesligados do corpo. Se recebemos orienta-ções dos Bons Espíritos e não lembramos, que elas fiquem guarda-das no nosso íntimo e que consigam ser colocadas em prática quan-do necessário, que alimentem a alma com uma luz nova a clarear a nossa inteligência na direção do bem.

O sono e os sonhos são fases do processo geral de emancipação da alma. São momentos de refrigério em que podemos nos encontrar com seres melhores que nós ou aliviar a saudade que sentimos daqueles que já partiram. É como uma oportunidade de suavizar a “dureza” da vida material que Deus permite esses momentos fora do corpo físico.

Referências:

* O Livro dos Espíritos, questão 402.
** O Livro dos Espíritos, questão 404.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Emancipação da Alma - O Sono E Os Sonhos

Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

O estado de emancipação da alma mais comum é o do sono. Os sonhos são uma consequência do ato de dormir e que ocorre dentro de certas condições. Quando se dorme o Espírito desprende-se parcialmente do corpo e, aproveitando os momentos de liberdade, busca aquilo que constitui a sua fonte de prazer, seja no bem, na frivolidade ou na maldade. Reduzidas as atividades corporais, as ligações entre o Espírito e o corpo relaxam-se e o primeiro pode gozar de uma relativa liberdade, tanto maior quanto mais condições o corpo ofereça para esse desprendimento e a depender de certas disposições do Espírito.

Estando adormecido o corpo, o gasto de energia se torna bastante reduzido, só o suficiente para a manutenção das funções basais. Desse modo, as energias absorvidas durante o sono tendem a reabastecer o organismo físico para a continuação da vida na matéria e o exercício das suas atividades.

Durante o sono, a alma pode entrar em contato com outros Espíritos encarnados ou desencarnados. Pode retemperar-se das lutas diárias através do contato com o Mundo Espiritual e adquirir novas forças para a continuidade da sua tarefa aqui na Terra. Pode também receber orientações para uma melhor condução da sua existência física. Muitas vezes procura ou é  procurado por parentes e amigos que já desencarnaram, o que o faz sentir-se mais consolado e alivia a saudade. Planos reencarnatórios podem ser elaborados, além de programas de tarefas ou missões presentes ou futuras com a colaboração de outros Espíritos. Encontros com obsessores também são passíveis de ocorrer, alimentando a perseguição fora do corpo, bem como reuniões macabras com o intuito de formular e acompanhar planos de maldades individuais ou coletivas.

De acordo com os pendores, cada um procura o ambiente com o qual se afiniza. Alguns procuram por antigos amores ou ódios de encarnações passadas, elementos com os quais conviveram e criaram laços que se estendem no tempo. Outros frequentam festas e reuniões mundanas misturando-se aos encarnados em estado de vigília e aos desencarnados que se satisfazem nesses ambientes. Assim, cada um se alimenta, nos instantes de emancipação através do sono, das energias com as quais se sintoniza. A elevação ou a decadência é algo que vive dentro de cada um, devendo esforçarmos-nos para nos liberar daquilo que represente atraso e desenvolvendo o Espírito no sentido do bem em nós.

Os sonhos representam as mais das vezes fragmentos daquilo que foi vivenciado durante o desprendimento. O pouco desenvolvimento das  faculdades da alma torna-os geralmente incompletos e confusos. Às vezes se mostram simbólicos e podem misturar-se com imagens relacionadas às preocupações do dia a dia. Raramente lembramos completamente do que sonhamos. Quanto mais profundo o sono, mais difícil será recordar-se, ao acordar, do que ocorreu, já que as vivências fora do corpo mais impressionam o sistema nervoso quanto menos desenvolvido for o estado de emancipação.


Até o próximo artigo em que continuaremos abordando sobre o sono e os sonhos.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Emancipação da Alma

Estamos inaugurando uma nova coluna para tratarmos de processos de emancipação da alma, como o sonambulismo magnético, e de outros fenômenos anímicos. A cada edição publicaremos algo a respeito destas faculdades inerentes ao ser humano encarnado, mas pouco conhecidas e exploradas. Pretendemos adentrar pouco a pouco nesse universo teórico e prático e convidamos o leitor a vir conosco.


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Emancipar significa tornar independente, libertar. Os fenômenos de emancipação da alma se referem à possibilidade do Espírito encarnado desprender-se do corpo físico, oportunidade que ele tem para usufruir de uma maior independência, parcialmente livre da influência da matéria.

Somente na morte o Espírito está completa e definitivamente desligado do corpo. Enquanto encarnado, "basta que os sentidos entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Para se emancipar, ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo lhe concede. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre, quanto mais fraco for o corpo". (O Livro dos Espíritos, questão 407)

Nestes momentos o Espírito sente-se mais livre, tem percepções que os sentidos físicos não permitem, pode lembrar o passado e prever o futuro. Vários são os fenômenos ocasionados por este estado singular de desprendimento. O sono e os sonhos são os mais conhecidos e comuns de todos. Há ainda a catalepsia e a letargia, a dupla vista, o sonambulismo e o êxtase, a telepatia, a morte aparente e a insensibilidade física. Ao longo dos artigos iremos estudando um a um, apresentando as suas características e buscando entender o seu funcionamento.

Desde a fecundação, quando ocorre a imantação entre o Espí-rito e o embrião, essa ligação magnética vai-se fortalecendo pouco a pouco até completar-se depois de algum tempo após o nascimento, quando a criança desenvolve autonomia e inde-pendência. Durante algum tempo o bebê passa a maior parte do dia em estado de emancipação, semidesligado do corpo, dormindo, com a finalidade de ir-se adaptando à vida material. Isto é fator comum a todas as pessoas. 

Há aquelas, todavia, que desenvolvem uma capacidade espe-cial e demonstram em determinadas circunstâncias uma facul-dade de emancipação da alma que nem todo mundo possui pois requer condições específicas. "Há disposições físicas que permitem ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da matéria". (O Livro dos Espíritos, questão 433). 

Estes fenômenos, também chamados de anímicos, eram do conhecimento dos magnetizadores tidos como clássicos. Allan Kardec, por ter sido magnetizador durante 35 anos, também os conhecia, daí o seu interesse em solicitar esclarecimentos sobre os mesmos aos Espíritos Superiores que o assistiam, publicando-os na segunda parte de O Livro dos Espíritos, capí-tulo VIII. Aqueles que se interessarem pelo assunto, podem encontrar ainda artigos diversos na Revista Espírita, escrita pelo Codificador da Doutrina Espírita.

Até o próximo artigo.

Fonte: Jornal Vortice  ANO VIII, Nº 04 -– Setembro - 2015

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sábado, 27 de fevereiro de 2016

História da Era Apostólica - Supranaturalismo x Racionalismo


“A Ciência e a Religião não puderam, até  hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse.  Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem [...].”1


HAROLDO DUTRA DIAS

Em edições anteriores, destacamos que a Primeira Fase do estudo da vida de Jesus pode muito bem ser compreendida  como a etapa da abordagem puramente religiosa e teológica. [Ver Reformador dos meses de junho/ 07, p. 34, e julho/07, p. 34.]

O “endeusamento” da figura do Cristo estancou a busca pelas suas origens, sua cultura, seus ensinos. Nessa época, vigorou o chamado supranaturalismo,2 visto como credulidade ingênua nos milagres e nas curas de Jesus, e na unidade da natureza divina e da natureza humana na pessoa do Cristo (dogma da encarnação).

Na esteira do Empirismo Inglês3 (Francis Bacon, 1561-1626) e do Racionalismo Continental4 (René Descartes, 1596-1650) surge Baruch Spinoza (1632-1677), propondoa leitura e interpretação dos livros bíblicos, como todo e qualquer escrito, à luz do Racionalismo.

A oposição à fé e à religião, herança  do Renascimento, culminaria no estabelecimento do Iluminismo (Aufklärung). Immanuel Kant, um expoente da filosofia desta época, definiu o Iluminismo como “a saída dos homens do estado de menoridade (não-emancipação) devido a eles mesmos. Menoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa menoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia. Sapere aude! Ousa saber! É o lema do iluminismo”.5

O século das luzes, trazendo em seu bojo o Empirismo, o Racionalismo, a crítica histórica e textual, o Enciclopedismo, não poupou os textos bíblicos. O complexo desenvolvimento de concepções e metodologias, abrangendo várias áreas de estudo, favoreceu a aplicação da crítica aos textos sagrados.

A leitura tradicional e piedosa dos Evangelhos, filha da credulidade ingênua, eivada de ogmatismo religioso milenar, sofre duro golpe. Influenciado pelo Iluminismo, H. S.Reimarus (1694-1768) inaugura a abordagem rigorosamente histórica dos quatro Evangelhos. Tem início, com a publicação dos seus fragmentos, a “busca do Jesus histórico”.

A Segunda Fase6 do estudo da vida de Jesus, iniciada por Reimarus, é marcada pelo espírito da época – Racionalismo. Nesse contexto, há uma resistência sistemática a todos os fatos ditos miraculosos, descritos nas páginas do Novo Testamento. O nascimento virginal, a ressurreição, as curas e os milagres despertam o interesse de inúmeros pesquisadores, que buscam, cada um à sua maneira, explicações “racionais” para esses eventos extraordinários da vida do Mestre.

Assim, concomitante ao lançamento dos “fragmentos de wolffenbüttel”,7 há uma profusão de publicações conhecidas como “Vidas de Jesus do Racionalismo”, caracterizadas como tentativas da Teologia alemã de explicar, do modo mais claro e racional possível, o elemento supranatural das narrativas evangélicas.

A premissa básica desses autores consiste em rejeitar, por falta de embasamento histórico, todos aqueles fatos que não possam ser compreendidos com o auxílio das leis naturais. A dimensão espiritual da vida é rotulada de “sobrenatural” e, conseqüentemente, desprezada. A Ciência, embora ensaiando os primeiros passos, jáse revestia da arrogância, tão duramente criticada na Religião.

Na próxima edição, traçaremos um esboço das idéias principais dos racionalistas, citando os autores mais representativos do período. Antes, porém, cumpre avaliar a atitude desses estudiosos à luz da revelação espiritual.
Abordando a questão do Racionalismo, o Espírito Emmanuel faz considerações valiosas a respeito do assunto:

Questão 199 – Poderá a Razão dispensar a Fé? – A razão humana é ainda muito frágil e não poderá dispensar a cooperação da fé que a ilumina, para a solução dos grandes e sagrados problemas da vida.

Em virtude da separação de ambas, nas estradas da vida, é que observamos o homem terrestre no desfiladeiro terrível da miséria e da destruição. [...]
....................................................
Questão 202 – No problema da investigação, há limites para aplicação dos métodos racionalistas?

– Esses limites existem, não só para a aplicação, como também para a observação; limites esses que são condicionados pelas forças espirituais que presidem à evolução planetária, atendendo à conveniência e ao estado de progresso moral das criaturas.

É por esse motivo que os limites das aplicações e das análises chamadas positivas sempre acompanham e seguirão sempre o curso da evolução espiritual das entidades encarnadas na Terra.8

Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, não somente nos assuntos relacionados ao conhecimento, mas, sobretudo, na construção de uma sociedade pacífica, justa e fraterna.Na feliz expressão do Codificador,9 é preciso encher o vazio que separa Religião e Ciência com o conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo.

Uma vez compreendidas essas relações, os milagres, as curas, e outros fenômenos eminentemente espirituais, descritos nos Evangelhos, serão vistos como decorrentes de leis imutáveis. Vencida essa resistência tola, imposta pela ciência materialista pós-iluminista, o aprendiz do Mestre estará em condições de extrair o espírito da letra, recolhendo as lições imorredouras que fluem dos fatos extraordinários da Vida de Jesus.


Fonte; Revista de Espiritismo Cristão Ano 125 / Novembro/2007  N o 2.144

Referencias:


1KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB,2007. Cap. I, item 8, p. 61.
2“O que acontece na natureza, mas não decorre das forças ou dos procedimentos da natureza e não pode ser explicado com base neles. É um conceito próprio da Teologia Cristã, que atribui à fé a crença no sobrenatural, assim entendido.” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.5. ed. revista e ampliada. Martins Fontes. p. 1080.
3Corrente filosófica para a qual toda ideia é proveniente de uma percepção sensorial (cinco sentidos), logo a experiência é critério ou norma da verdade. Nesse sentido, toda verdade pode e deve ser posta à prova, e, em conseqüência, modificada, corrigida ou abandonada. Entre seus representantes podemos citar Francis Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume
4Posição filosófica dos séculos XVII e XVIII, na Europa, supostamente em oposição à escola que predominava nas ilhas britânicas, o Empirismo, tendo como expoentes Descartes,Malebranche, Spinoza, Leibniz,Wolff.
5ABBAGNANO,Nicola.Dicionário de filosofia. 5. ed. revista e ampliada. Martins Fontes. p. 618.
6A maior parte dos estudiosos do tema prefere chamar o período inaugurado por H. S. Reimarus de Primeira Fase, já que desconsideram toda a produção do Supranaturalismo. Em certo sentido, estão corretos já que não se pode falar em “busca do Jesus histórico”, antes do trabalho daquele autor. Todavia, como pretendemos traçar um esboço do estudo da figura de Jesus, em sentido amplo, preferimos incluir o período anterior ao Iluminismo. Baruch Spinoza: leitura e interpretação dos livros bíblicos à luz do Racionalismo Immanuel Kant
7Nome dado aos sete fragmentos escritos por H. S. Reimarus, publicados por Gothold Ephraim Lessing, em 1778, na Alemanha. Novembro
8XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.
9Texto utilizado como epígrafe deste artigo (Referência 1). 38 444 Reformador • Novembro 2007


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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

História da Era Apostólica (Século I) – Parte II


“Do Jesus revolucionário e violento ao Jesus mago e folgazão, do fanático apocalíptico ao mestre de sabedoria ou filósofo cínico e indiferente à escatologia, qualquer situação que se possa conceber, qualquer teoria extrema que se possa imaginar já foram há muito propostas, com as posições antagônicas anulando-se mutuamente e com os erros do passado sendo repetidos por novos escritores afoitos. Num certo sentido, existem tantos ‘livros sobre Jesus’ que dariam para três vidas, e um budista pecador poderia muito bem ser condenado a passar as próximas três encarnações lendo-os todos.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

Prosseguindo em nossa jornada pelas estradas do Cristianismo do primeiro século, torna-se necessário esclarecer o estado atual da pesquisa acadêmica, fazendo um balanço dos seus avanços e retrocessos nos últimos três séculos, antes de relacioná-la com as revelações da Espiritualidade Superior.

Duas razões justificam esse procedimento. De um lado, a constatação de que foram ropostas, ao longo do tempo, as maiores extravagâncias com relação à pesquisa da vida de Jesus, “com os erros do passado sendo repetidos por novos escritores afoitos”, na feliz expressão de John Meier, exigindo do leitor alta dose de senso crítico, antes de defender essa ou aquela idéia. De outro lado, o reconhecimento de que as obras mediúnicas, igualmente, reclamam exame acurado, para que não se adote postura mística incompatível com a fé raciocinada.
Corroborando nossas assertivas, a advertência de Emmanuel é providencial.

Além do túmulo, o Espírito desencarnado não encontra os milagres da sabedoria, e as novas realidades do plano imortalista transcendem aos quadros do conhecimento contemporâneo, conservando-se numa esfera quase inacessível às cogitações humanas, escapando, pois, às nossas possibilidades de exposição, em face da ausência de comparações analógicas, único meio de impressão na tábua de valores restritos da mente humana.2 (Destaque do autor)


Assim, ao combinar revelação mediúnica e pesquisa histórica, torna-se essencial definir quais autores serão consultados, tanto no plano físico quanto no plano espiritual.

Do ponto de vista espiritual, privilegiamos a Codificação e a produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, sem que isso represente qualquer menosprezo de nossa parte a outros médiuns confiáveis e honrados. O motivo da escolha se deve à especificidade do tema em estudo, mais amplamente desenvolvido neste conjunto de obras.

Com relação aos trabalhos acadêmicos, a questão se torna mais tormentosa. A investigação histórica sobre Jesus e sobre o Cristianismo do primeiro século, como todo trabalho científico, apresenta fases de desenvolvimento, refletindo o progresso da pesquisa. Nesse sentido, é imperioso saber a que fase pertence determinado autor, sob pena de se tomar como verdade conclusões que já foram amplamente rechaçadas pela geração posterior de estudiosos.

Vê-se que o desafio será, a cada passo, conjugar revelação espiritual segura com pesquisa histórica atualizada, séria, embasada. 

Feitas essas considerações, faremos um breve resumo das fases da pesquisa sobre o Cristianismo Primitivo, apontando os autores mais representativos de cada etapa, suas propostas, conclusões, erros e acertos. Mãos a obra!

Primeira Fase: Nos domínios da Oralidade

Nos três primeiros séculos do Cristianismo, a busca pelo “Jesus histórico” era realizada junto às testemunhas oculares, que haviam presenciado seus feitos, suas prédicas, seu sacrifício extremo. Todos queriam beber na fonte da tradição apostólica. O material de consulta disponível era fruto da narrativa dos apóstolos e dos demais seguidores do Mestre, bem como do testemunho dos beneficiários das curas, dos milagres, enfim, das confidências de todas as pessoas simples e anônimas que tiveram o privilégio do contato direto com o Cristo.

Nessa época, a história do Cristianismo Primitivo estava sendo construída, ao preço do sacrifício e da renúncia.Muitas vidas foram ceifadas para que a luz da Boa Nova pudesse atravessar os séculos. Com o sangue do martírio foram traçadas as mais belas páginas desta epopéia.

Neste quadro de perseguição, é compreensível o pouco interesse pela sistematização da história do Cristianismo. Coube a Lucas, sob a orientação de Paulo de Tarso, dar os primeiros passos, compondo dois livros: O Evangelho e Atos dos Apóstolos. Todavia, o objetivo deste autor, com a redação destas obras, é mais de um evangelizador do que de um historiador. Nem poderia ser diferente.

Com a conversão do imperador  Constantino (ano 312 d.C.), o Cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano. No entanto, as autoridades da época enfrentam um problema crucial para a sobrevivência dessa aliança. Como conciliar a simplicidade e pureza daquele movimento, cujo fundador fora um galileu humilde, que vivera nas margens do Tiberíades, com a pompa do Império? Como harmonizar os aspectos essencialmente judaicos da Boa Nova, resultado de mais de dois mil anos de história do povo hebreu, com a cultura greco-romana?

Por fim, como estabelecer o monoteísmo onde vigorava o culto aos deuses tutelares da família, da agricultura, da raça? A Igreja Romana foi a resposta, historicamente bem--sucedida, para essas indagações.

A institucionalização das igrejas, o estabelecimento do papado, a pompa emprestada ao culto, a proliferação de imagens e rituais aplacou a sede greco-romana dos cidadãos do Império, convertidos ao movimento do Profeta de Nazaré, não obstante sua doutrina tenha sido completamente descaracterizada, sobretudo em razão do rompimento total com as suas origens.

No período compreendido entre o ano 400-1700 d.C., o profeta galileu, simples e austero, bondoso e justo, considerado pelos seus contemporâneos como o Messias de Israel, foi transformado em uma das pessoas da Trindade, ao mesmo tempo Filho e Pai, feito da mesma substância do Criador.Um verdadeiro Deus, à moda dos deuses gregos Zeus, Apolo, Hermes.

Esse “endeusamento” da figura do Cristo estancou a busca pelas suas origens, sua cultura, seus ensinos. Nessa época, vigorava a mais absoluta confusão entre o “Jesus histórico” e o “Jesus da fé”.
Adorado como o Deus encarnado, nenhum estudioso tinha tamanha autonomia intelectual para transformar esse personagem em objeto de pesquisa histórica, nem coragem para enfrentar as fogueiras da Inquisição.

Num mundo de escassos pergaminhos e reduzidos leitores, de hegemonia da tradição oral, de confusão entre Religião e Estado, não seria de se admirar que a abordagem objetiva, imparcial, criteriosa da vida de Jesus fosse uma utopia.

Essa primeira fase, cuja duração atingiu a marca dos dezessete séculos, pode muito bem ser compreendida como a etapa da abordagem puramente religiosa e teológica. Não havia Ciência, tal como é hoje compreendida, razão pela qual crença e preconceito, opinião e certeza, freqüentemente, se misturam, exigindo prudência.

Fonte: Reformador Ano 125 / Julho, 2007 / N o 2.140

Referências:

1MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 13.
2XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Definição”, p. 20.

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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

História da Era Apostólica (SÉCULO I) – PARTE I


“Não podemos conhecer o Jesus ‘real’ através da pesquisa histórica, quer isto  signifique sua realidade total ou apenas um quadro biográfico razoavelmente completo. No entanto podemos conhecer o ‘Jesus histórico’. Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

No Dallas Theological Seminary (Texas, USA), no mês de maio de 1965, Harold W. Hoehner defendeu sua tese de doutorado sobre a cronologia da Era Apostólica. Seu trabalho contrariava a tradicional e respeitada posição dos eruditos do seu tempo, propondo uma completa releitura das fontes históricas sobre o tema. Ao estabelecer uma nova cronologia para o primeiro século do Cristianismo, o autor apontava a necessidade de revisar todas as conclusões dos estudiosos que o antecederam.

A tese de Hoehner foi timidamente acolhida nos meios acadêmicos, a ponto de receber o nome de “cronologia alternativa”. Atualmente, porém, vários pesquisadores têm confirmado as proposições do professor norte-americano, incorporando muitas de suas idéias.

Surpreendentemente, a leitura meticulosa dos romances psicografados por Francisco Cândido Xavier revelou um fato inusitado as datas estabelecidas pelo Espírito Emmanuel, nessas obras, eram freqüentemente idênticas àquelas defendidas por Harold Hoehner. À guisa de exemplo, podemos citar três episódios da vida do Cristo: o seu nascimento (ano 5 a.C.), o início do seu ministério (ano 30 d.C.) e a crucificação (ano 33 d.C.), todos ocorridos, segundo estes dois autores, nas datas acima especificadas. Vê-se que Jesus foi crucificado com trinta e oito anos!2

No romance Paulo e Estêvão, o Espírito Emmanuel desenvolveu um quadro cronológico das atividades apostólicas que se assemelha àquele elaborado pelo professor do Texas. Um detalhe, porém, salta aos olhos: o romance foi psicografado no primeiro semestre de 1941, na provinciana cidade de Pedro Leopoldo (MG), ao passo que a tese foi defendida 24 anos mais tarde, na famosa universidade de teologia norte-americana.

A constatação desses fatos nos conduz a profundas reflexões sobre o caráter da Revelação dos Espíritos, e, mais especificamente, sobre o tríplice aspecto da Doutrina Espírita. O Espiritismo é uma Ciência com identidade própria, já que possui objeto de estudo próprio (o mundo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo) e método de pesquisa próprio (mediunidade).

Nesse sentido, são valiosas as considerações do Codificador a respeito do assunto:

Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da Natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, segue-se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente [...].3

Essa relação de complementação entre a Ciência e o Espiritismo pode ser vista como união de esforços com vistas ao aprimoramento do saber humano, já que possibilita uma abordagem integral dos problemas, levando em conta seus aspectos materiais e espirituais concomitantemente.

No prólogo deste artigo há uma citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração.

Ao estabelecer os limites da Ciência e da investigação humanas, ele adverte: “Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.

A atitude de cautela e humildade, esboçada por inúmeros cientistas, como John Meier, tem sido o traço da Ciência pós-moderna, favorecendo o diálogo com a Doutrina Espírita, que, por sua vez, oferece subsídios valiosos, inacessíveis aos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.

Não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suas conclusões, numa atitude ística incompatível com a fé raciocinada. O desafio é “complementar”, “unir”, “dialogar”, onde as duas partes estão dispostas a ouvir e falar.

As palavras do Codificador, mais uma vez, lançam inestimáveis luzes sobre a questão em debate.

A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem. [...]4

Seguindo as pegadas de Allan Kardec,Emmanuel e outros Benfeitores do mundo espiritual, o presente artigo inaugura uma nova coluna na revista Reformador, intitulada “Cristianismo Redivivo”.Nossa proposta é salientar a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de graves problemas relativos à história de Jesus, dos seus seguidores diretos e do Cristianismo, de modo geral, visando a apropriação, com maior segurança e legitimidade, da essência da Boa Nova, alicerce de todas as pro-postas de renovação veiculadas pela Doutrina dos Espíritos.

O esforço não é novo. A tarefa de unir pesquisa histórica e revelação espiritual pode ser encontrada na obra A Caminho da Luz. Desse livro monumental, destacamos dois trechos que servem de baliza à nossa iniciativa, ao mesmo tempo em que definem os rumos da nossa busca.

Não deverá ser este um trabalho histórico. A história do mundo está compilada e feita. Nossa contribuição será à tese religiosa, elucidando a influência sagrada da fé e o ascendente espiritual, no curso de todas as civilizações terrestres. [...]5

Esse esforço de síntese será o da fé reclamando a sua posição em face da ciência dos homens, e ante as religiões da separatividade, como a bússola da verdadeira sabedoria.6

O Espírito Emmanuel esclarece que não tem a função de repetir o trabalho dos historiadores, competindo-lhe, essencialmente, revelar o ascendente espiritual da evolução humana. Com isto, depreende-se que a leitura dos historiadores, a conjugação das informações por eles oferecidas com a revelação dos Espíritos, enfim, a pesquisa puramente humana, representa a parcela de trabalho que nos compete nessa empreitada. Feitas estas considerações, convidamos o leitor a iniciar uma longa jornada pelos trilhos da história do Cristianismo, conjugando fé e razão, revelação mediúnica e pesquisa histórica. Dedicaremos inúmeros artigos à construção da cronologia do primeiro século do Cristianismo, utilizando, basicamente, a tese de Harold W. Hoehner e a obra Paulo e Estêvão. Paralelamente, aproveitaremos o ensejo para abordar questões históricas, geográficas, culturais e lingüísticas necessárias ao aprofundamento da análise. Nesse caso, será indispensável recorrer à literatura especializada, relacionando-a com o acervo mediúnico de Francisco Cândido Xavier, como um todo.

Como nossa proposta é fomentar o diálogo entre Espiritismo e Ciência, por vezes será necessário esclarecer o estado atual da pesquisa acadêmica antes de cotejar os dados oferecidos pela Espiritualidade Superior. Todavia, uma advertência se impõe. Não se trata de oferecer todas as respostas, nem de resolver todos os enigmas. Por vezes, teremos de nos contentar com o aprimoramento de nossas indagações.Afinal de contas, saber perguntar é o primeiro passo para encontrar a verdade. Mais uma vez, é Emmanuel que vem em nosso socorro.

Além do túmulo, o Espírito desencarnado não encontra os milagres da sabedoria, e as novas realidades do plano imortalista transcendem aos quadros do conhecimento contemporâneo, conservando-se numa esfera quase inacessível às cogitações humanas, escapando, pois, às nossas possibilidades de exposição, em face da ausência de comparações analógicas, único meio de impressão na tábua de valores restritos da mente humana.

Além do mais, ainda nos encontramos num plano evolutivo, sem que possamos trazer ao vosso círculo de aprendizado as últimas equações, nesse ou naquele setor de investigação e de análise. É por essa razão que somente poderemos cooperar convosco sem a presunção da palavra derradeira. Considerada a nossa contribuição nesse conceito indispensável de relatividade, buscaremos concorrer com a nossa modesta parcela de experiência, sem nos determos no exame técnico das questões científicas, ou no objeto das polêmicas da Filosofia e das religiões, sobejamente movimentados nos bastidores da opinião, para considerarmos tão-somente a luz espiritual que se irradia de todas as coisas e o ascendente místico de todas as atividades do espírito humano dentro de sua abençoada escola terrestre, sob a proteção misericordiosa de Deus.7

Assim, está dado o primeiro passo da nossa jornada de muitas milhas. Que Deus nos abençoe os propósitos.

Fonte; Revista de Espiritismo Cristão Ano 125 / Junho, 2007 / N o 2.139

Referências:


1MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 35.
2XAVIER, Francisco Cândido. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 15, p. 90 (a data de nascimento de Jesus será abordada com maiores detalhes em futuros artigos desta coluna).
3KARDEC, Allan. O espiritismo na sua expressão mais simples. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. III, item 16, p. 100.
4KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 126. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. I, item 8, p. 61.
5XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 34. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. “Antelóquio”, p. 11.
6Idem, ibidem. “Introdução”, p. 13.
7XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Definição”, p. 20.



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