Nossa ternura espontânea por certos seres deste mundo explica-se facilmente. Já
os havíamos conhecido, em outros tempos, já os encontráramos. Quantos esposos,
quantos amantes não têm sido unidos por inúmeras existências, percorridas dois
a dois! Seu amor é indestrutível, porque o amor é a força das forças, o vínculo
supremo que nada pode destruir.
As condições da reencarnação não permitem que nossas situações recíprocas se
invertam; quase sempre se conservam os graus respectivos de parentesco. Algumas
vezes, em caso de impossibilidade, um filho poderá vir a ser o irmão mais novo
do seu pai de outros tempos, a mãe poderá renascer irmã mais velha do filho. Em
casos excepcionais, e somente a pedido dos interessados, podem inverter-se as
situações. Os sentimentos de delicadeza, de dignidade, de mútuo respeito que
sentimos na Terra não podem ser desconhecidos no mundo espiritual. Para
supô-lo, é preciso ignorar a natureza das leis que regem a evolução das almas!
O Espírito adiantado, cuja liberdade aumenta na razão direta da sua elevação,
escolhe o meio onde quer renascer, ao passo que o Espírito inferior é impelido
por uma força misteriosa a que obedece instintivamente; mas todos são
protegidos, aconselhados, amparados na passagem da vida do espaço para a
existência terrestre, mais penosa, mais temível que a morte.
A união da alma com o corpo efetua-se por meio do invólucro fluídico, o
perispírito, de que muitas vezes temos falado. Sutil por sua natureza, vai ele
servir de laço entre o Espírito e a matéria. A alma está presa ao gérmen por
esse “mediador plástico”, que vai retrair-se, condensar-se cada vez mais,
através das fases progressivas da gestação, e formar o corpo físico. Desde a
concepção até o nascimento, a fusão opera-se lentamente, fibra por fibra,
molécula por molécula. Pelo afluxo crescente dos elementos materiais e da força
vital fornecidos pelos genitores, os movimentos vibratórios do perispírito da
criança vão diminuir e restringirem-se, ao mesmo tempo em que as faculdades da
alma, a memória, a consciência esvaem-se e aniquilam-se. É a essa redução das
vibrações fluídicas do perispírito, à sua oclusão na carne que se deve atribuir
a perda da memória das vidas passadas. Um véu cada vez mais espesso envolve a
alma e apaga-lhe as radiações interiores. Todas as impressões da sua vida
celeste e do seu longo passado volvem às profundezas do inconsciente e a
emersão só se realiza nas horas de exteriorização ou por ocasião da morte,
quando o Espírito, recuperando a plenitude dos seus movimentos vibratórios,
evoca o mundo adormecido das suas recordações.
O papel do duplo fluídico é considerável; explica, desde o nascimento até a
morte, todos os fenômenos vitais. Possuindo em si os vestígios indeléveis de
todos os estados do ser, desde a sua origem, comunica-lhe a impressão, as
linhas essenciais ao gérmen material. Eis aí a chave dos fenômenos
embriogênicos.
O perispírito, durante o período de gestação, impregna-se de fluido vital e
materializa-se o bastante para tornar-se o regulador da energia e o suporte dos
elementos fornecidos pelos genitores; constitui, assim, uma espécie de esboço,
de rede fluídica permanente, através da qual passará a corrente de matéria que
destrói e reconstitui sem cessar, durante a vida, o organismo terrestre; será a
armação invisível que sustenta interiormente a estátua humana.
Graças a ele, a individualidade e a memória conservar-se-ão no
plano físico, apesar das vicissitudes da parte mutável e móvel do ser, e assegurarão,
do mesmo modo, a lembrança dos fatos da existência presente, recordações cujo
encadeamento, do berço à cova, fornece-nos a certeza íntima da nossa
identidade.
A incorporação da alma não é, pois, subitânea, como o afirmam certas doutrinas;
é gradual e só se completa e se torna definitiva à saída da vida uterina. Nesse
momento, a matéria encerra completamente o Espírito, que deverá vivificá-la
pela ação das faculdades adquiridas. Longo será o período de desenvolvimento
durante o qual a alma se ocupará em pôr à sua feição o novo invólucro, em
acomodá-lo às suas necessidades, em fazer dele um instrumento capaz de
manifestar-lhe as potências íntimas; mas, nessa obra, será coadjuvada por um
Espírito preposto à sua guarda, que cuida dela, a inspira e guia em todo o
percurso da sua peregrinação terrestre. Todas as noites, durante o sono, muitas
vezes até de dia, o Espírito, no período infantil, desprende-se da forma
carnal, volve ao espaço, a haurir forças e alentos para, em seguida, tornar a
descer ao invólucro e prosseguir o penoso curso da existência.
Antes de novamente entrar em contacto com a matéria e começar nova carreira, o
Espírito tem, dissemos, de escolher o meio onde vai renascer para a vida
terrestre; mas essa escolha é limitada, circunscrita, determinada por causas
múltiplas. Os antecedentes do ser, suas dívidas morais, suas afeições, seus
méritos e deméritos, o papel que está apto para desempenhar, todos esses
elementos intervêm na orientação da vida em preparo; daí a preferência por uma
raça, tal nação, tal família. As almas terrestres que havemos amado atraem-nos;
os laços do passado reatam-se em filiações, alianças, amizades novas. Os
próprios lugares exercem sobre nós a sua misteriosa sedução e é raro que o
destino não nos reconduza muitas vezes às regiões onde já vivemos, amamos,
sofremos. Os ódios são forças também que nos aproximam dos nossos inimigos de
outrora para apagarmos, com melhores relações, inimizades antigas. Assim,
tornamos a encontrar em nosso caminho a maior parte daqueles que constituíram
nossa alegria ou fizeram nossos tormentos. Sucede o mesmo com a adoção de uma
classe social, com as condições de ambiente e educação, com os privilégios da
fortuna ou da saúde, com as misérias da pobreza. Todas essas causas tão
variadas, tão complexas, vão combinar-se para assegurar ao novo encarnado as
satisfações, as vantagens ou as provações que convêm ao seu grau de evolução,
aos seus méritos ou às suas faltas e às dívidas contraídas por ele.
Dito isso, compreender-se-á quão difícil é a escolha. Por isso, na maioria das
vezes ela nos é inspirada pelas Inteligências diretoras, ou, então, em proveito
nosso, hão de elas próprias fazê-lo, se não possuirmos o discernimento
necessário para adotar com toda a sabedoria e previdência os meios mais
eficazes para ativarem a nossa evolução e expurgarem o nosso passado.
Todavia, o interessado tem sempre a liberdade de aceitar ou procrastinar a hora
das reparações inelutáveis. No momento de se ligar a um gérmen humano, quando a
alma possui ainda toda a sua lucidez, o seu Guia desenrola diante dela o
panorama da existência que a espera; mostra-lhe os obstáculos e os males de que
será eriçada, faz-lhe compreender a utilidade desses obstáculos e desses males
para desenvolver-lhe as virtudes ou libertá-la dos seus vícios. Se a prova lhe
parecer demasiado rude, se não se sentir suficientemente armado para
afrontá-la, é lícito ao Espírito diferir-lhe a data e procurar uma vida
transitória que lhe aumente as forças morais e a vontade.
Na hora das resoluções supremas, antes de tornar a descer à carne, o Espírito
percebe, atinge o sentido geral da vida que vai começar, ela lhe aparece nas
suas linhas principais, nos seus fatos culminantes, modificáveis sempre,
entretanto, por sua ação pessoal e pelo uso do seu livre-arbítrio; porque a
alma é senhora dos seus atos; mas, desde que ela se decidiu, desde que o laço
se dá e a incorporação se debuxa, tudo se apaga, esvai-se tudo. A existência
vai desenrolar-se com todas as suas conseqüências previstas, aceitas, desejadas,
sem que nenhuma intuição do futuro subsista na consciência normal do ser
encarnado. O
Temíveis são certas atrações para as almas que procuram as condições de um
renascimento, por exemplo, as famílias de alcoólicos, de devassos, de dementes.
Como conciliar a noção de justiça com a encarnação dos seres em tais meios? Não
há aí, em jogo, razões psíquicas profundas e latentes e não são as causa
físicas apenas uma aparência? Vimos que a lei de afinidade aproxima os seres
similares. Um passado de culpas arrasta a alma atrasada para grupos que
apresentam analogias com o seu próprio estado fluídico e mental, estado que ela
criou com os seus pensamentos e ações.
Não há, nesses problemas, nenhum lugar para a arbitrariedade ou para o acaso. É
o mau uso prolongado de seu livre-arbítrio, a procura constante de resultados
egoístas ou maléficos que atrai a alma para genitores semelhantes a si. Eles
fornecer-lhe-ão materiais em harmonia com o seu organismo fluídico, impregnados
das mesmas tendências grosseiras, próprios para a manifestação dos mesmos
apetites, dos mesmos desejos. Abrir- se-á nova existência, novo degrau de queda
para o vício e para a criminalidade. E a descida para o abismo.
Senhora do seu destino, a alma tem de sujeitar-se ao estado de coisas que preparou,
que escolheu. Todavia, depois de haver feito de sua consciência um antro
tenebroso, um covil do mal, terá de transformá-lo em templo de luz. As faltas
acumuladas farão nascer sofrimentos mais vivos; suceder-se-ão mais penosas,
mais dolorosas as encarnações; o círculo de ferro apertar-se-á até que a alma,
triturada pela engrenagem das causas e dos efeitos que houver criado,
compreenderá a necessidade de reagir contra suas tendências, de vencer suas
ruins paixões e de mudar de caminho. Desde esse momento, por pouco que o
arrependimento a sensibilize, sentirá nascer em si forças, impulsões novas que
a levarão para meios mais adequados à sua obra de reparação, de renovação, e
passo a passo irá fazendo progressos. Raios e eflúvios penetrarão na alma arrependida
e enternecida, aspirações desconhecidas, necessidades de ação útil e de
dedicação hão de despertar nela. A lei de atração, que a impelia pa ra as
últimas camadas sociais, reverterá em seu benefício e tornar-se-á o instrumento
da sua regeneração.
Entretanto, não será sem custo que ela se levantará; a ascensão não prosseguirá
sem dificuldades. As faltas e os erros cometidos repercutem como causas de
obstrução nas vias futuras e o esforço terá de ser tanto mais enérgico e
prolongado quanto mais pesadas forem as responsabilidades, quanto mais extenso
tiver sido o período de resistência e obstinação no mal. Na escabrosa e íngreme
subida, o passado dominará por muito tempo o presente e o seu peso fará vergar
mais de uma vez os ombros do caminhante; mas, do Alto, mãos piedosas
estender-se- ão para ele e ajudá-lo-ão a transpor as passagens mais escarpadas.
“Há mais alegria no Céu por um pecador que se arrepende do que por cem justos
que perseveram.” O nosso futuro está em nossas mãos e as nossas facilidades para
o bem aumentam na razão direta dos nossos esforços para o praticarmos".