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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

SOBRE OS ANJOS GUARDIÃES

Terezinha Colle

Segundo a doutrina espírita, os anjos não são seres à parte, de
uma natureza especial: são Espíritos da primeira ordem, isto é,aqueles que chegaram ao estado de puros Espíritos, depois de terem passado por todas as provas1

“Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos guardiães. Pensar que tendes sempre perto de vós seres que vos são superiores, que estão sempre aí para vos aconselhar, vos amparar, para vos ajudar a subir a áspera montanha do bem, que são amigos mais fiéis e mais devotados que as mais íntimas ligações que se pode contrair nesta Terra, não é uma ideia bem consoladora? Esses seres estão ao vosso lado por ordem de Deus; foi ele que os colocou perto de vós, e eles aí estão por amor a Deus e cumprem junto de vós uma bela e penosa missão. Sim, onde quer que estejais ele estará convosco: os calabouços, os hospitais, os lugares de devassidão, a solidão, nada vos separa desse amigo que não podeis ver, mas cujo suave influxo vossa alma sente, e ouve seus sábios conselhos.”2

É intrigante constatar que uma verdade tão suave e consoladora, tão importante para o progresso moral, quase não encontre eco no coração do homem. A doutrina dos Anjos guardiães é muito antiga. Ela se encontra na filosofia grega, como se pode ler na Doutrina de Sócrates e Platão: Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio), que nos fora designado durante a vida, leva-nos a um lugar onde se reúnem todos os que têm de ser conduzidos ao Hades, para serem julgados. As almas, depois de haverem estado no Hades o tempo necessário, são reconduzidas a esta vida em múltiplos e longos períodos.3

Eis aí a ideia de um Espírito superior designado para acompanhar as almas durante a vida, após a morte e também reconduzi-las a uma nova encarnação.

Sócrates, um dos mais sábios filósofos de que se tem notícia, consultava constantemente seu daimon, seu bom gênio, seu anjo guardião. O grande filósofo não escondia sua estreita relação com um amigo invisível.

Santo Agostinho, filósofo cristão muito respeitados ainda nos dias de hoje,dialogava com uma voz que lhe falava na acústica da alma. Diz ele, em seu Solilóquios: “Desde muito tempo eu repassava mil pensamentos diversos; constantemente e comtodos os meus esforços eu procurava saber quem eu sou, qual é meu bem, qual mal eu devo evitar, quando, de repente escutei uma voz – se era eu mesmo ou uma voz estranha surgindo em mim, eu não sei, pois é precisamente o que ardentemente eu trabalho para saber.”4

Agostinho chamou aquela voz misteriosa de Razão; estabeleceu com ela diálogos profundos e publicou-os num livro que, por sugestão dessa mesma Razão, intitulou: Solilóquios.5

“Todos os homens são médiuns; todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando sabem escutá-lo. Pouco importa que alguns se comuniquem diretamente com ele por uma mediunidade particular e que outros não o ouçam senão pela voz do coração e da inteligência; nem por isso ele deixa de ser o seu Espírito familiar que os aconselha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, é sempre uma voz que responde à vossa alma e  

vos dita boas palavras. Só que nem sempre as compreendeis. Nem todos sabem agir segundo os conselhos dessa razão, não dessa razão que se avilta e se arrasta ao invés de marchar; dessa razão que se perde em meio aos interesses materiais e grosseiros, mas dessa razão que eleva o homem acima de si mesmo; que o transporta para regiões desconhecidas, chama sagrada que inspira o artista e o poeta; pensamento divino que eleva o filósofo; sopro que arrasta os indivíduos e os povos; razão que o vulgo não pode compreender, mas que aproxima o homem da divindade mais que qualquer outra criatura; entendimento que sabe conduzi-lo do conhecido para o desconhecido e o faz executar os atos mais sublimes. Escutai, pois, essa voz interior, esse bom gênio que vos fala sem cessar e chegareis, progressivamente, a ouvir o vosso anjo da guarda que do alto do Céu vos estende as mãos.”6

Essas palavras de Channing, repassadas de sabedoria, são mais que um incentivo para que busquemos comungar constantemente com o nosso Anjo guardião. Não buscá-lo é grande ingratidão para com esse amigo solícito e para com o Criador que o colocou ao nosso lado para nos conduzir ao bem e à felicidade suprema.

Quantos tropeços não evitaríamos se buscássemos ouvir sempre os conselhos desse amigo invisível, sempre atento e disposto a nos ajudar!

Allan Kardec, mesmo com toda sua capacidade intelecto-moral, não deixou de se aconselhar sempre com seu Guia, seu Anjo guardião.

Após sua morte, seus amigos publicaram, em obras póstumas, alguns diálogos que o Mestre teve com seu Guia espiritual, já em 1856, quando Kardec iniciava suas pesquisas sobre os Espíritos. Consta que numa noite em que ele escrevia sobre a ciência espírita, sozinho em sua casa, ouviu pancadas insistentes que não sabia de onde vinham. A Sra. Allan Kardec chegou em casa e também ouviu as pancadas; ambos procuram de onde vinham, mas sem êxito. No dia seguinte, em casa do Sr. Baudin, Kardec contou o fato e pediu explicações. Um Espírito lhe disse, pela mediunidade da Sra. Baudin, que era seu Espírito familiar que desejava se comunicar com ele. Kardec então perguntou se ele poderia dizer quem era, ao que o Espírito respondeu: Ele está aqui, pergunta tu mesmo.
Eis algumas poucas passagens desses diálogos:

P. - Meu Espírito familiar, quem quer que sejais, agradeço-vos por terdes vindo me visitar. Consentiríeis em dizer-me quem sois?
R. - Para ti, eu me chamarei A Verdade, e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.
P. - Ontem, quando batestes, enquanto eu trabalhava, tínheis alguma coisa de particular a me dizer?
R. - O que eu tinha a te dizer era sobre o trabalho que tu fazias; o que tu escrevias me desagradava, e eu queira te fazer cessar.Observação - O que eu escrevia era precisamente relativo aos estudos que estava fazendo sobre os Espíritos, e suas manifestações.
P. - A vossa desaprovação era precisamente relativa ao capítulo que eu escrevia, ou sobre o conjunto do trabalho? R. – Sobre o capítulo de ontem; submeto-o ao teu juízo; relê-o esta noite; tu reconhecerás tuas faltas e as corrigirás.
P - Eu mesmo não estava satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje. Está melhor?
R. -Está melhor, mas não bastante bom. Lê da 3ª à 30ª linha e reconhecerás um grave erro.
P. – Eu rasguei o que havia feito ontem.
R. - Não importa! O fato de teres rasgado não impede que a falta persista; relê e tu verás.
P. - O nome de Verdade que tomastes é uma alusão à verdade que eu busco?
R. - Talvez; pelo menos é um guia que te protegerá e te ajudará.
P. - Poderei evocar-vos em minha casa?
R. - Sim, para te assistir pelo pensamento; mas, para respostas escritas, em tua casa, só
daqui a muito tempo poderás obtê-las.

Observação - Com efeito, durante cerca de um ano não pude obter, em minha casa, nenhuma comunicação escrita, e cada vez que ali se encontrava um médium, do qual eu esperava obter alguma coisa, uma circunstância imprevista a isso se opunha. Eu não obtinha comunicações senão fora de minha casa.

No dia 9 de abril de 1856, novamente em casa do Sr. Baudin, Kardec teve mais um diálogo com seu Guia:

Pergunta (à Verdade) - Criticastes o trabalho que eu havia feito outro dia, e tínheis razão. Eu o reli e encontrei na 30ª linha um erro contra o qual protestastes por meio de pancadas. Isso me levou a descobrir outras faltas e a refazer o trabalho. Estais agora mais satisfeito?
R. - Acho-o melhor, mas aconselho-te que esperes um mês para divulgá-lo.
P. - Que entendeis por divulgá-lo? Não tenho, certamente, a intenção de publicá-lo ainda,
se por ventura deverei fazê-lo.
R. - Eu quis dizer mostrá-lo a estranhos. Busca um pretexto para recusá-lo aos que te
pedirem para vê-lo. Daqui até lá melhorarás o trabalho. Faço-te esta recomendação para
evitar a crítica; é de teu amor-próprio que cuido.
P. - Dissestes que sereis para mim um guia, que me ajudareis e protegereis. Compreendo essa proteção e seu objetivo, numa certa ordem de coisas, mas poderíeis me dizer se essa proteção também se estende às coisas materiais da vida?
R. - Nesse mundo, a vida material é para ser levada em conta; não te ajudar a viver seria
não te amar.7
Não se encontra aí a terna e amorosa proteção de um Anjo solícito a velar por seu protegido, até mesmo nas questões relativas à vida material?
Imaginemos como seria se Kardec não tivesse dado ouvidos ao seu Guia, que era o próprio Espírito de Verdade...

Em sua sábia humildade, o Mestre recorria sempre ao Amigo invisível, sempre presente e solícito, e assim nos legou o exemplo de como deve ser nossa relação com os nossos Anjos guardiães. Vejamos um pequeno trecho em que Kardec, em um de seus discursos aos Espíritas de Bordeaux, se refere ao seu Guia espiritual com muita naturalidade:

(...)“Sim, senhores, o fato não só é característico, mas providencial. Eis, acerca deste assunto, o que ainda ontem, antes da sessão, dizia meu guia espiritual, o Espírito de Verdade:”

“Deus marcou com o cunho de sua vontade imutável a hora da regeneração dos filhos desta grande cidade. À obra, pois, com confiança e coragem. Esta noite os destinos de seus habitantes vão começar a sair da rotina das paixões que sua riqueza e seu luxo faziam germinar como joio junto ao bom grão, para atingir, pelo progresso moral que lhe vai imprimir o Espiritismo, a altura dos destinos eternos. Tu vês que Bordeaux é uma cidade amada pelos Espíritos, pois vê multiplicar-se em seus muros os mais sublimes devotamentos da caridade, sob todas as formas. Assim, eles estavam aflitos por vê-la na retaguarda do movimento progressivo que o Espiritismo acaba de impor à Humanidade.
Mas os progressos vão ser tão rápidos, que os Espíritos bendirão o Senhor por ter-te inspirado o desejo de vir ajudá-los a entrar nesta via sagrada”8

A Doutrina Espírita é repleta de textos que nos convidam a nos aproximar de nossos Anjos guardiães. Ah, se pais e mães evocassem sempre seus Anjos, e também os Anjos aos quais Deus confiou a guarda dos Espíritos encarnados como seus filhos, para pedir-lhes conselhos sobre a melhor condução desses Espíritos, a quantos enganos e  dores não se poupariam! Certamente a missão dos Anjos guardiães seria mais amena e lograria mais êxito. Se todos os homens, não importando a classe social a que pertençam, ouvissem sempre esses Espíritos superiores, a humanidade estaria melhor, mais justa e mais feliz. E aqueles que desejam orar aos seus Anjos, e não sabem o que lhes dizer, encontrarão um modelo de prece deixado pelos Guias da humanidade, em o Evangelho segundo o Espiritismo.9

Finalizando, reproduzimos aqui um conselho de dois Anjos, amigos sempre solícitos:

“Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos, instruí os vossos semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber, senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à bem-aventurança, à felicidade eterna?”10
  
São Luís, Santo Agostinho. TC, 18/04/2012
  
1 Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas - Vocabulário Espírita – ANJO.
2 O Livro dos Espíritos, item 495, e Revista Espírita, janeiro de 1859.
3 O Evangelho segundo o Espiritismo - Introdução - Resumo da doutrina de Sócrates e de Platão
4 Soliloques de Saint Augustin, traduite par M. Pellissier, Paris, 1853.
5 Como ela [a conversação] se passa somente entre nós, tenho intenção de a chamar e intitular: Solilóquios; a palavra é nova, e talvez bábara, mas é bem própria para mostrar o que eu quero dizer. (Soliloques de Saint Augustin, Livre II)
6 Revista Espírita, janeiro de 1861 - Ensino espontâneo dos Espíritos - A voz do anjo da guarda, e O Livro dos Médiuns - Segunda parte - Das manifestações espíritas, cap. XXXI - Dissertações espíritas - Sobre os médiuns, X.
7 Œuvres posthumes, Mon guide spirituel. Librairie des Sciences Spirites et Psychiques. Paris, 1912
8 Revista Espírita, novembro de 1861 - Banquete oferecido a Allan Kardec - Discurso e brinde do Sr. Allan Kardec.

9 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVIII - Coletânea de preces espíritas - II - Preces por aquele mesmo que ora - Aos Anjos guardiães e aos Espíritos protetores, 11 a 14. 10 O Livro dos Espíritos, item 495, e Revista Espírita, janeiro de 1859

Fonte; Ipeak – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec


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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

EXPOENTE DA CODIFICAÇÃO SÓCRATES

Seu nome em grego é Sokrátes. Sua cidade natal foi Atenas, no ano de 469 a . C., tendo nascido filho de um escultor, de nome Sofronisco e de uma parteira, Fenarete.

Fisicamente, era considerado feio, com seu nariz achatado, olhos esbugalhados, uma calva enorme, rosto pequeno, estômago saliente e uma longa barba crespa.

Casou-se com Xantipa e teve três filhos mas dizem que trabalhava apenas o necessário para que a família não viesse a perecer à fome.

Tendo sido proclamado pelo oráculo de Delfos, como o mais sábio dos homens, Sócrates passou a se incumbir de converter os seus concidadãos à sabedoria e à virtude. Considerava-se protegido por um "daimon" , gênio, demônio, espírito, cuja voz, afirmava, desde a infância, o aconselhava a se afastar do mal.

Não tinha propriamente uma escola, mas um círculo de familiares, discípulos com os quais se encontrava, de preferência , no ginásio do Liceu. Em verdade, onde quer que se encontrasse, na casa de amigos, no ginásio, na praça pública, interrogava os seus interlocutores a respeito das coisas que, por hipótese, deveriam saber, fossem eles um adolescente, um escravo, um futuro político, um militar, uma cortesã ou sofistas.

Desta forma, conclue que eles não sabem o que julgam saber e, o que é mais grave, não sabem que não sabem. Por sua vez, ele, Sócrates, não sabe mas sabe que não sabe.

Era considerado um homem corajoso e de muita resistência física. Todos se recordavam de como ele, sozinho, enfrentara a histeria coletiva que se seguira à batalha naval de Arginusas, quando dez generais foram condenados à morte por não terem salvo soldados que estavam a se afogar.

Ele ensinava que a boa conduta era aquela controlada pelo espírito e que as virtudes consistiam na predominância da razão sobre os sentimentos. Introduziu a idéia de definir os termos, pois, "antes de se começar a falar, era preciso saber sobre o que é que se estava falando."

Para Sócrates, a virtude supõe o conhecimento racional do bem. Para fazer o bem, basta, portanto, conhecê-lo. Todos os homens procuram a felicidade, quer dizer, o bem, e o vício não passa de ignorância, pois ninguém pode fazer o mal voluntariamente.

Foi denunciado como subversivo , por não acreditar nos deuses da cidade, e também corruptor da mocidade. Não se sabe exatamente o que os seus acusadores pretendiam dizer, mas o certo é que os moços o amavam e o seguiam. O convite a pensar por si mesmos atraía os jovens e talvez fosse isso que temessem pais e políticos. Ocorreu também que um dos seus discípulos, de nome Alcibíades, durante a guerra com Esparta tinha se passado para o lado do inimigo. Embora a culpa não fosse de Sócrates, pois a decisão fora pessoal, Atenas buscava culpados.

Foi julgado por um tribunal popular de 501 cidadãos e condenado à morte. Poderia ter recorrido da sentença e, com certeza, receber uma pena mais branda. Entretanto, racional como era, afirmou aos discípulos que o visitaram na prisão:

"Uma das coisas em que acredito é no reinado da lei. Bom cidadão, como eu tantas vezes vos tenho dito, é aquele que obedece às leis de sua cidade. As leis de Atenas condenaram-me à morte, e a inferência lógica é que, como bom cidadão, eu deva morrer."

É Platão quem descreve a morte do seu mestre, no diálogo Fédon. Sócrates passou esta noite a discutir filosofia com seus jovens amigos. O tema, "Haverá uma outra vida depois da morte?"

Embora fosse morrer em poucas horas, discutiu sem paixão sobre as probabilidades de uma vida futura, ouvindo mesmo as objeções dos discípulos que eram contrários à sua própria opinião.

Quando o carcereiro lhe apresentou a taça de veneno, em tom calmo e prático, Sócrates lhe disse:

"Agora, você que entende dessas coisas, diga-me o que fazer."

"Beba a cicuta, depois levante-se e passeie até sentir as pernas pesadas, respondeu o carcereiro. Então, deite-se, e o torpor subirá para o coração."
Sócrates a tudo obedeceu. Como os amigos chorassem e soluçassem muito, ele os censurou. Seu último pensamento foi de uma pequena dívida que havia esquecido. Afastou a coberta que lhe haviam colocado sobre o rosto e pediu:

"Crito, devo um galo a Esculápio...Providencie para que a dívida seja paga."

Fechou os olhos e cobriu novamente o rosto. Quando Crito tornou a lhe indagar se tinha outras recomendações a fazer, ele não mais respondeu. Havia penetrado o mundo dos espíritos. Era o ano 399 a .C.

Sócrates nada escreveu e sua doutrina somente nos chegou pelos escritos de seu discípulo Platão. Ambos, mestre e discípulo, são considerados precursores da idéia cristã e do espiritismo, tendo o Codificador dedicado as páginas da introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo para esse detalhamento.

O nome de Sócrates se encontra especialmente em Prolegômenos de O livro dos espíritos, logo após o de O espírito da verdade, seguido de Platão. Ainda encontramos seus comentários aos itens 197 e 198 de O livro dos médiuns, no capítulo que trata dos médiuns especiais, demonstrando que o trabalhador verdadeiro não cessa suas atividades, embora a morte do corpo fisico e de que, afinal, somos verdadeiramente uma só e única família universal: espíritos e homens , envidando esforços para o atingimento da Perfeição.

Fonte: Enciclopédia Mirador Internacional, vol. 19.
Grandes vidas, grandes obras , Seleções do Reader's Digest, 1968.
Jornal Mundo Espírita - Dezembro de 2000


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sábado, 7 de junho de 2014

O SEGREDO DE ALLAN KARDEC

Homenagem ao sesquicentenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1864-2014).

Adilton Pugliese

Relata o escritor Richard Simonetti, que “no livro A República, Platão, filósofo grego que viveu entre 428 e 348 a.C., coloca nos lábios do também filósofo grego Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), interessante metáfora, ou seja, um sentido figurado, relacionada com nossa visão da realidade: numa caverna vivem seres humanos. Ali nasceram. Dali nunca saem. Estão acorrentados, em tal disposição, que só podem observar o que está à sua frente. Por trás deles arde uma fogueira. A luz do fogo projeta sombras na parede. É tudo o que veem. Seu mundo é feito de sombras”.

O que pode ser deduzido dessa imagem, dessa metáfora que ficou conhecida como o mito da caverna? “A caverna simboliza as limitações impostas pelos sentidos e pela ignorância. Impedem as pessoas de ver o mundo real, que Platão chama universo das ideias. A fogueira é a experiência sensorial que pouco ilumina, projetando sombras de ilusão nas paredes existenciais”.

“Alguém desenvolve a sensibilidade, supera a ignorância, conquista o saber, e então, deixa a caverna. Num primeiro momento, deslumbra-se com a luz solar, a visão gloriosa da Natureza. Lamenta o tempo perdido, o comprometimento com as sombras... Decide ajudar os companheiros com sua experiência. Não é bem recebido. Não acreditam nele. Julgam que está delirando. Hostilizam-no”.(1)

Muitas criaturas na humanidade terrestre estão prisioneiras em suas cavernas íntimas. Como libertar-se do esconderijo, das prisões invisíveis ou visíveis que as prendem? Idealistas consideram que somente subvertendo a ordem, por meio de uma revolução, de conquistas, de um motim, de movimentos guerreiros e libertários.
Destacam historiadores que “nos séculos XI ao XIII oito expedições foram empreendidas pela Europa cristã da época, num movimento que ficou conhecido como Cruzadas, para libertar o chamado Santo Sepulcro das mãos dos muçulmanos, fato que aconteceu a partir de um Concílio realizado na cidade de Clermont em 1095 e que durou até 1291. Aos gritos de Deus o quer! foram quase duzentos anos de operação militar, sem que o objetivo fosse alcançado. É como se o mundo espiritual quisesse dizer aos homens: o importante não é onde o corpo de Cristo foi sepultado, mas seguir os Seus ensinamentos, pois são eles que conduzem a criatura na direção do seu progresso espiritual. São eles que libertam”.

Jesus sabia dessas lutas que os homens empreenderiam para libertar coisas e objetos, lugares e povos; para nos libertarmos dos vícios, das paixões e da violência e sintetizou, há mais de dois mil anos, o meio de conseguirmos a liberdade: “Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.(2) O que seria essa verdade? Onde e como encontrá-la?

Permita-me o leitor um depoimento pessoal. Estive, um dia, preso na caverna das ilusões, da insegurança e da incerteza, numa cruzada em busca de quimeras, até que num sábado à noite, há quase 40 anos, meu pai colocou em minhas mãos um livro extraordinário, de conteúdo libertador. Esse livro tem uma história e podemos dizer que ela começa no mesmo dia em que Allan Kardec publicou em Paris O Livro dos Espíritos.

Após os acontecimentos que envolveram a sua iniciação no Espiritismo, entre os anos de 1854 e 1855, o professor H.L.D. Rivail entra em contato, em fins de 1856, com o livreiro Dentu, na Rue Montpensier, no Palais Royal, em Paris, apresentando-lhe os manuscritos de O Livro dos Espíritos, em cuja capa grafara o pseudônimo que adotara para caracterizar o autor: Allan Kardec, seu antigo nome quando da reencarnação na personalidade de um sacerdote druida, conforme lhe fora revelado pelo Espírito Z..., ou Zéfiro.(3)

Cerca de quatro meses depois, exatamente em 18 de abril de 1857, pela manhã, retornavam da tipografia 1.200 volumes da primeira edição de O Livro dos Espíritos, de capa cor cinza, com 501 perguntas.(4) O livreiro conversava com seu amigo, o jornalista Du Chalard, do jornal Courier de Paris, a quem presenteara com um exemplar do livro, dizendo-lhe: “Este é o trabalho mais sério até hoje publicado na França, sobre os Espíritos; é uma obra edificante e serena”, e pede-lhe que dê, depois de ler o livro, o seu parecer aos leitores do jornal.(5)

E, efetivamente, mais tarde, na edição de 11 de junho de 1857, Du Chalard publica extenso artigo de sua autoria: “O Livro dos Espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do infinito, e estamos convencidos de que esta página será assinalada (...). Não conhecemos o autor, mas confessamos, abertamente, que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Quem escreveu a introdução de O Livro dos Espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres”. “A todos os deserdados da Terra, a todos quantos avançam ou caem, regando com as lágrimas o pó da estrada, diremos: lede O Livro dos Espíritos; ele vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que em seu caminho só encontram as aclamações da multidão e os sorrisos da fortuna, diremos: estudai-o e ele vos tornará melhores”.(6)

Um abade francês, de nome Leçanu, autor de um livro chamado História de Satanás, assim diz no seu livro: “Observando-se as máximas de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tornar santo na Terra”. O escritor francês Victorien Sardou (1831-1908), leu a obra e antes mesmo de haver chegado ao fim da leitura, escreveu a Kardec elogiosa carta, destacando que O Livro dos Espíritos é o livro da vida, é o guia da humanidade.(7)

É com esses e outros depoimentos que Allan Kardec iniciaria a fase de Elaboração da Codificação. Declara Hermínio Miranda (1920-2013), ao analisar “A Obra de Kardec e Kardec diante da Obra”(8): “Concluindo o trabalho que lhe competia junto aos Espíritos ainda lhe resta muito a fazer, e o tempo urge. Incumbe-lhe agora inserir a nova doutrina no contexto do pensamento de seu tempo. É preciso estudar e expor aos homens os aspectos experimentais implícitos na Doutrina dos Espíritos. Desses aspectos, o mais importante, sem dúvida, é a prática da mediunidade, instrumento de comunicação entre os dois mundos. Sem um conhecimento metodizado da faculdade mediúnica, seria impossível estabelecer as bases experimentais da doutrina. Daí, ele prepara e lança, em Paris, em janeiro de 1861, O Livro dos Médiuns. Em seguida, é preciso dotar o Espiritismo de uma estrutura ética. Não seria preciso criar uma nova moral, já existia a do Cristo”.

Então, durante uma parte do ano de 1863, Allan Kardec guardou um segredo: ele estava escrevendo uma nova obra e a ninguém dera ciência do assunto; até o Sr. Didier, o seu Editor, somente tomou conhecimento da existência da obra quando do envio para impressão.
Em 9 de agosto resolve ouvir os Espíritos acerca do seu segredo, sobre o que eles pensavam a respeito, e obtém como resposta, para surpresa do Codificador, que “O novo livro teria considerável influência, pois que abordava questões capitais, e que não só o mundo religioso encontraria nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes”. E os Espíritos elogiam Kardec por ter abordado, no livro, as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses gerais, sociais e religiosos. Os Espíritos preveem que com esse livro Kardec teria grandes dificuldades e que seria violentamente atacado pelo clero da época (que se sentiria muito mais ferido do que com a publicação de O Livro dos Espíritos), mas declaram que confiam nele, na sua resistência, e dizem: “Ao te escolherem, os Espíritos conheciam a solidez das tuas convicções e sabiam que a tua fé, qual muro de bronze, resistiria a todos os ataques”.(9) (grifamos)

A esse novo livro Allan Kardec dera, preliminarmente, o título de Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Porém, mudou-o para O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO (a partir da segunda edição, em 1865), publicado como a terceira obra da Codificação Espírita, em abril de 1864. A reação foi a Sagrada Congregação do Index, em 1o de maio de 1864, incluir no seu catálogo todas as obras de Kardec sobre o Espiritismo(10)! Causou estranheza a medida extemporânea, mas logo foi compreendido que O Evangelho Segundo o Espiritismo provocara a decisão.

Foi esse livro que meu pai colocou em minhas mãos e eu coloquei no meu coração, e que mudaria a minha vida, certamente, para sempre. Na Introdução do livro, Allan Kardec explica o objetivo da obra: cada pessoa poder tirar dela os meios de conformar sua conduta moral à do Cristo. Enfatiza o Codificador que os espíritas nela encontrarão as aplicações que lhes concernem mais especialmente. O ensino moral, portanto, é a tônica fundamental de O Evangelho Segundo o Espiritismo e Kardec explica por que se fixou nessa parte das matérias contidas nos Evangelhos:(11)
– A parte moral exige a reforma de cada um.
– É uma regra de conduta, que abrange todas as circunstâncias da vida.
– É o caminho infalível da felicidade futura.
– É o princípio de todas as relações sociais fundadas na mais rigorosa justiça.
Realmente, a montagem da estrutura didática de O Evangelho Segundo o Espiritismo teve duas finalidades: (1) A explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e (2) Aplicações às diversas circunstâncias da vida, como Kardec exarou no frontispício da obra. Por que este livro, O Evangelho Segundo o Espiritismo, se tornou a obra espírita mais lida e aceita pelos brasileiros, com milhões de exemplares impressos em suas edições, sobretudo por parte da FEB Editora?

Pode-se afirmar que uma questão de fundamental importância da moral do Cristo, em nossas existências, é quanto às consequências de sermos espíritas. Conforme declara Deolindo Amorim (1906-1984), ao estudarmos a Doutrina, conhecemos a sua origem, sua constituição e sua natureza, mas, se depois de tudo isso, não resultasse daí alguma consequência, a Doutrina seria apenas indagação pura, ou, quando muito, simples “devaneio filosófico”. O coroamento de tudo quanto estudamos no Espiritismo está justamente na influência que os seus princípios devem ter nos atos de nossa vida.(12)

Saudamo-lo, então, Livro Luz¸ nos seus 150 anos de existência, e que as suas páginas, que expressam o amor de Jesus pela humanidade, possam continuar a iluminar as nossas vidas, para sempre, libertando os que se encontram nos redutos da ilusão e nas cruzadas das conquistas efêmeras.

Texto revisado pelo prof. Luciano Urpia.

1. SIMONETTI, Richard. Luzes no Caminho. 1ed.CEAC Editora, p.59.
2. JOÃO 8:32.
3. WANTUIL, Zeus. THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Volume II, 1ed.FEB, p.74.
4. ABREU, Canuto. O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, 1ed. Edições LFU, p.42.
5. IDEM, Ibidem, p.43 e 44.
6. WANTUIL, Zeus. THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Volume II, 1ed.FEB, p.83.
7.. IDEM, Ibidem.
8. MIRANDA, Hermínio. Nas Fronteiras do Além. 1ed. FEB, p.16.
9. KARDEC, Allan. Obras Póstumas, 1ed. FEB, tradução de Evandro Noleto Bezerra, p.399.
10. WANTUIL, Zeus. THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Volume II, 1ed.FEB, p.289.
11. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, 131ed. FEB, edição histórica, tradução de Guillon Ribeiro, Introdução.
12. DEOLINDO, Amorim. Doutrina Espírita. 1ed. Círculo Espírita da Oração, p.77.

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