uma
natureza especial: são Espíritos da primeira ordem, isto é,aqueles
que chegaram ao estado de puros Espíritos, depois de terem
passado por todas as provas1
“Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a
dos anjos guardiães. Pensar que tendes sempre perto de vós seres que vos são
superiores, que estão sempre aí para vos aconselhar, vos amparar, para vos ajudar
a subir a áspera montanha do bem, que são amigos mais fiéis e mais devotados que
as mais íntimas ligações que se pode contrair nesta Terra, não é uma ideia bem consoladora?
Esses seres estão ao vosso lado por ordem de Deus; foi ele que os colocou perto
de vós, e eles aí estão por amor a Deus e cumprem junto de vós uma bela e
penosa missão. Sim, onde quer que estejais ele estará convosco: os calabouços,
os hospitais, os lugares de devassidão, a solidão, nada vos separa desse amigo
que não podeis ver, mas cujo suave influxo vossa alma sente, e ouve seus sábios
conselhos.”2
É intrigante constatar que uma
verdade tão suave e consoladora, tão importante para o progresso moral, quase
não encontre eco no coração do homem. A doutrina dos Anjos guardiães é muito
antiga. Ela se encontra na filosofia grega, como se pode ler na Doutrina de
Sócrates e Platão: Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio), que nos fora
designado durante a vida, leva-nos a um lugar onde se reúnem todos os que têm
de ser conduzidos ao Hades, para serem julgados. As almas, depois de haverem
estado no Hades o tempo necessário, são reconduzidas a esta vida em múltiplos e
longos períodos.3
Eis
aí a ideia de um Espírito superior designado para acompanhar as almas durante a
vida, após a morte e também reconduzi-las a uma nova encarnação.
Sócrates,
um dos mais sábios filósofos de que se tem notícia, consultava constantemente
seu daimon, seu bom gênio, seu anjo guardião. O grande filósofo não escondia
sua estreita relação com um amigo invisível.
Santo
Agostinho, filósofo cristão muito respeitados ainda nos dias de hoje,dialogava
com uma voz que lhe falava na acústica da alma. Diz ele, em seu Solilóquios: “Desde
muito tempo eu repassava mil pensamentos diversos; constantemente e comtodos os
meus esforços eu procurava saber quem eu sou, qual é meu bem, qual mal eu devo
evitar, quando, de repente escutei uma voz – se era eu mesmo ou uma voz
estranha surgindo em mim, eu não sei, pois é precisamente o que ardentemente eu
trabalho para saber.”4
Agostinho
chamou aquela voz misteriosa de Razão; estabeleceu com ela diálogos profundos e
publicou-os num livro que, por sugestão dessa mesma Razão, intitulou: Solilóquios.5
“Todos
os homens são médiuns; todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando
sabem escutá-lo. Pouco importa que alguns se comuniquem diretamente com ele por
uma mediunidade particular e que outros não o ouçam senão pela voz do coração e
da inteligência; nem por isso ele deixa de ser o seu Espírito familiar que os
aconselha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, é sempre uma voz que
responde à vossa alma e
vos dita boas palavras. Só que nem sempre as compreendeis. Nem todos
sabem agir segundo os conselhos dessa razão, não dessa razão que se avilta e se
arrasta ao invés de
marchar; dessa razão que se perde em meio aos interesses materiais e
grosseiros, mas dessa razão que eleva o homem acima de si mesmo; que o
transporta para regiões desconhecidas, chama sagrada que inspira o artista e o
poeta; pensamento divino que eleva o filósofo; sopro que arrasta os indivíduos
e os povos; razão que o vulgo não pode compreender, mas que aproxima o homem da
divindade mais que qualquer outra criatura; entendimento
que sabe conduzi-lo do conhecido para o desconhecido e o faz executar os atos
mais sublimes. Escutai, pois, essa voz interior, esse bom gênio que vos fala
sem cessar e chegareis, progressivamente, a ouvir o vosso anjo da guarda que do
alto do Céu vos
estende as mãos.”6
Essas
palavras de Channing, repassadas de sabedoria, são mais que um incentivo para
que busquemos comungar constantemente com o nosso Anjo guardião. Não buscá-lo é
grande ingratidão para com esse amigo solícito e para com o Criador que o
colocou ao nosso lado para nos conduzir ao bem e à felicidade suprema.
Quantos
tropeços não evitaríamos se buscássemos ouvir sempre os conselhos desse amigo
invisível, sempre atento e disposto a nos ajudar!
Allan
Kardec, mesmo com toda sua capacidade intelecto-moral, não deixou de se aconselhar
sempre com seu Guia, seu Anjo guardião.
Após
sua morte, seus amigos publicaram, em obras póstumas, alguns diálogos que o
Mestre teve com seu Guia espiritual, já em 1856, quando Kardec iniciava suas pesquisas
sobre os Espíritos. Consta que numa noite em que ele escrevia sobre a ciência espírita,
sozinho em sua casa, ouviu pancadas insistentes que não sabia de onde vinham. A
Sra. Allan Kardec chegou em casa e também ouviu as pancadas; ambos procuram de onde
vinham, mas sem êxito. No dia seguinte, em casa do Sr. Baudin, Kardec contou o fato
e pediu explicações. Um Espírito lhe disse, pela mediunidade da Sra. Baudin,
que era seu Espírito familiar que desejava se comunicar com ele. Kardec então
perguntou se ele poderia dizer quem era, ao que o Espírito respondeu: Ele está
aqui, pergunta tu mesmo.
Eis
algumas poucas passagens desses diálogos:
P.
- Meu Espírito familiar, quem quer que sejais, agradeço-vos por terdes vindo me
visitar. Consentiríeis em dizer-me quem sois?
R.
- Para ti, eu me chamarei A Verdade, e todos os meses, aqui, durante um quarto
de hora, estarei à tua disposição.
P.
- Ontem, quando batestes, enquanto eu trabalhava, tínheis alguma coisa de
particular a me dizer?
R.
- O que eu tinha a te dizer era sobre o trabalho que tu fazias; o que tu escrevias
me desagradava, e eu queira te fazer cessar.Observação - O que eu escrevia era
precisamente relativo aos estudos que estava fazendo sobre os Espíritos, e suas
manifestações.
P.
- A vossa desaprovação era precisamente relativa ao capítulo que eu escrevia,
ou sobre o conjunto do trabalho? R. – Sobre o capítulo de ontem; submeto-o ao
teu juízo; relê-o esta noite; tu reconhecerás tuas faltas e as corrigirás.
P
- Eu mesmo não estava satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje. Está melhor?
R.
-Está melhor, mas não bastante bom. Lê da 3ª à 30ª linha e reconhecerás um
grave erro.
P.
– Eu rasguei o que havia feito ontem.
R.
- Não importa! O fato de teres rasgado não impede que a falta persista; relê e
tu verás.
P.
- O nome de Verdade que tomastes é uma alusão à verdade que eu busco?
R.
- Talvez; pelo menos é um guia que te protegerá e te ajudará.
P.
- Poderei evocar-vos em minha casa?
R.
- Sim, para te assistir pelo pensamento; mas, para respostas escritas, em tua
casa, só
daqui
a muito tempo poderás obtê-las.
Observação - Com efeito, durante cerca de um ano não pude obter, em
minha casa, nenhuma
comunicação escrita, e cada vez que ali se encontrava um médium, do qual eu esperava
obter alguma coisa, uma circunstância imprevista a isso se opunha. Eu não obtinha
comunicações senão fora de minha casa.
No
dia 9 de abril de 1856, novamente em casa do Sr. Baudin, Kardec teve mais um diálogo
com seu Guia:
Pergunta
(à Verdade) - Criticastes o trabalho que eu havia feito outro dia, e tínheis
razão. Eu o reli e encontrei na 30ª linha um erro contra o qual protestastes
por meio de pancadas. Isso me levou a descobrir outras faltas e a refazer o
trabalho. Estais agora mais satisfeito?
R.
- Acho-o melhor, mas aconselho-te que esperes um mês para divulgá-lo.
P.
- Que entendeis por divulgá-lo? Não tenho, certamente, a intenção de publicá-lo
ainda,
se
por ventura deverei fazê-lo.
R.
- Eu quis dizer mostrá-lo a estranhos. Busca um pretexto para recusá-lo aos que
te
pedirem
para vê-lo. Daqui até lá melhorarás o trabalho. Faço-te esta recomendação para
evitar
a crítica; é de teu amor-próprio que cuido.
P.
- Dissestes que sereis para mim um guia, que me ajudareis e protegereis.
Compreendo essa proteção e seu objetivo, numa certa ordem de coisas, mas
poderíeis me dizer se essa proteção também se estende às coisas materiais da
vida?
R.
- Nesse mundo, a vida material é para ser levada em conta; não te ajudar a
viver seria
não
te amar.7
Não
se encontra aí a terna e amorosa proteção de um Anjo solícito a velar por seu protegido,
até mesmo nas questões relativas à vida material?
Imaginemos
como seria se Kardec não tivesse dado ouvidos ao seu Guia, que era o próprio
Espírito de Verdade...
Em
sua sábia humildade, o Mestre recorria sempre ao Amigo invisível, sempre presente
e solícito, e assim nos legou o exemplo de como deve ser nossa relação com os nossos
Anjos guardiães. Vejamos um pequeno trecho em que Kardec, em um de seus discursos
aos Espíritas de Bordeaux, se refere ao seu Guia espiritual com muita naturalidade:
(...)“Sim,
senhores, o fato não só é característico, mas providencial. Eis, acerca deste
assunto, o que ainda ontem, antes da sessão, dizia meu guia espiritual, o
Espírito de Verdade:”
“Deus
marcou com o cunho de sua vontade imutável a hora da regeneração dos filhos
desta grande cidade. À obra, pois, com confiança e coragem. Esta noite os
destinos de seus habitantes vão começar a sair da rotina das paixões que sua
riqueza e seu luxo faziam germinar como joio junto ao bom grão, para atingir,
pelo progresso moral que lhe vai imprimir o Espiritismo, a altura dos destinos
eternos. Tu vês que Bordeaux é uma cidade amada pelos Espíritos, pois vê
multiplicar-se em seus muros os mais sublimes devotamentos da caridade, sob
todas as formas. Assim, eles estavam aflitos por vê-la na retaguarda
do movimento progressivo que o Espiritismo acaba de impor à Humanidade.
Mas
os progressos vão ser tão rápidos, que os Espíritos bendirão o Senhor por ter-te
inspirado o desejo de vir ajudá-los a entrar nesta via sagrada”8
A
Doutrina Espírita é repleta de textos que nos convidam a nos aproximar de nossos
Anjos guardiães. Ah, se pais e mães evocassem sempre seus Anjos, e também os Anjos
aos quais Deus confiou a guarda dos Espíritos encarnados como seus filhos, para
pedir-lhes conselhos sobre a melhor condução desses Espíritos, a quantos
enganos e dores não se poupariam! Certamente a missão dos Anjos guardiães
seria mais amena e lograria mais êxito. Se todos os homens, não importando a classe social a que pertençam,
ouvissem sempre esses
Espíritos superiores, a humanidade estaria melhor, mais justa e mais feliz. E
aqueles que desejam orar aos seus Anjos, e não sabem o que lhes dizer, encontrarão
um modelo de prece deixado pelos Guias da humanidade, em o Evangelho segundo o
Espiritismo.9
Finalizando,
reproduzimos aqui um conselho de dois Anjos, amigos sempre solícitos:
“Não
receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar sempre
em relação conosco. Sereis assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações
de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens,
médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual
oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos,
instruí os vossos semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais
que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos impõe. Para que vos outorgou
Deus a inteligência e o saber, senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão
para fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à bem-aventurança, à felicidade
eterna?”10
São
Luís, Santo Agostinho. TC, 18/04/2012
1 Instruções Práticas sobre as Manifestações
Espíritas - Vocabulário Espírita – ANJO.
2 O Livro dos Espíritos, item 495, e Revista
Espírita, janeiro de 1859.
3 O Evangelho segundo o Espiritismo - Introdução
- Resumo da doutrina de Sócrates e de Platão
4 Soliloques de Saint Augustin, traduite par
M. Pellissier, Paris, 1853.
5 Como ela [a conversação] se passa somente
entre nós, tenho intenção de a chamar e intitular: Solilóquios; a palavra é nova,
e talvez bábara, mas é bem própria para mostrar o que eu quero dizer.
(Soliloques de Saint Augustin, Livre II)
6 Revista Espírita, janeiro de 1861 - Ensino
espontâneo dos Espíritos - A voz do anjo da guarda, e O Livro dos Médiuns -
Segunda parte - Das manifestações espíritas, cap. XXXI - Dissertações espíritas
- Sobre os médiuns, X.
7 Œuvres posthumes, Mon guide spirituel.
Librairie des Sciences Spirites et Psychiques. Paris, 1912
8 Revista Espírita, novembro de 1861 -
Banquete oferecido a Allan Kardec - Discurso e brinde do Sr. Allan Kardec.
9 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap.
XXVIII - Coletânea de preces espíritas - II - Preces por aquele mesmo que ora -
Aos Anjos guardiães e aos Espíritos protetores, 11 a 14. 10 O Livro dos
Espíritos, item 495, e Revista Espírita, janeiro de 1859
Fonte; Ipeak – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec
Fonte; Ipeak – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec
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