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sábado, 1 de agosto de 2015

A SALVAÇÃO SEGUNDO O ESPIRITISMO


Apesar do conceito de “Filosofia” ser um dos mais controversos da história do pensamento, uma das definições que reputamos seja uma das mais úteis e felizes é aquela dada pelo filósofo francês Luc Ferry, para quem a filosofia seria a busca de caminhos para vencer nossas angústias e medos relacionados à vida e à morte, utilizando para isso as nossas próprias forças e a razão1.

Ao seguirmos essa linha, estudando o Espiritismo através do prisma filosófico da salvação, vemos que os aspectos passíveis de serem explorados são números. Neste artigo, porém, ficaremos adstritos a apenas um deles, embora, em nosso entender, o principal. Isto porque, quando se trata de falar de salvação segundo a Doutrina Espírita, a mais importante ideia relacionada ao tema é aquela sintetizada por Allan Kardec na frase: “fora da caridade não há salvação”2. Vamos, então, tentar brevemente entender, interpretar e contextualizar um pouco desta afirmativa do Codificador.

O estudo sistemático do Espiritismo nos leva a compreender que a verdadeira caridade nos impele a praticá-la em suas três formas: benevolência,
indulgência e perdão3. A explicação da abrangência deste conceito, em seu tríplice modo de se manifestar, não será objeto deste artigo, dada a profundidade das sequências que cada um desses aspectos tem nas nossas vidas. Por agora, o que cabe ressaltar é que a prática da caridade não se restringe a servir ao próximo (benevolência), pois em pé de igualdade com ela também se encontram duas outras virtudes: a indulgência e o perdão4.

Partindo-se desta premissa, qual seria considerada a melhor e mais proveitosa caridade a ser feita, para nós e para o próximo? Seria participar da preparação de um “sopão” para os que passam fome? A visita a asilos de idosos ou a orfanatos? A doação de tempo e/ou dinheiro para instituições beneficentes? O auxílio e a visita a doentes? A divulgação da Doutrina Espírita e do bem de uma maneira geral? Compreender e tolerar as imperfeições e limitações do próximo? Perdoar aqueles que nos fizeram o mal? Não importa! Isto porque o fundamental, segundo a filosofia espírita, não é o gesto em si, porém os sentimentos e o (des) interesse que nos impelem a faz ê-lo. É claro que aqueles de nós que já conseguem se doar ao próximo com dedicação e carinho, esmo que não tenham sequer refletido a respeito da razão pela qual fazem isto – se por interesse pessoal ou não –, e assim aprendem a ser felizes, já deram um significativo salto evolutivo, de maneira que agir deste modo será sempre melhor do que não fazer nada ou do que fazer o mal. Isso não nos impede, contudo, de tentar ir um pouco mais além e de buscar entender a essência da caridade ensinada pela doutrina espírita.

Lembremos que a definição do nosso bem estar no plano espiritual não depende da quantidade de gestos bons que fizemos quando encarnados, mas sim da qualidade dos fluidos que envolvem e formam nosso perispírito. Por sua vez, este é determinado pela nossa evolução moral, que não é, segundo a Ciência Espírita, determinada por nossos gestos exteriores, mas sim pela verdadeira vivência das virtudes no nosso íntimo. Vejamos algumas passagens da obra “A Gênese” que bem ilustram isto:

A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do Espírito. (...).



Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio. (...).
(...). Ora, do mesmo modo que os peixes não podem viver no ar; que os animais terrestres não podem viver numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões, os Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos fluidos mais etéreos. Não morreriam no meio desses fluidos, porque o Espírito não morre, mas uma força instintiva  os mantêm afastados dali, como a criatura terrena se afasta de um fogo muito ardente ou de uma luz muito deslumbrante. Eis aí por que não podem sair do meio que lhes é apropriado à natureza; para
mudarem de meio, precisam antes mudar de natureza, despojar-se dos instintos materiais que os retêm nos meios materiais; numa palavra, que se depurem e moralmente se transformem.5

Portanto, o “céu”, ou seja, a salvação, para aqueles que bem compreendem o Espiritismo, é um estado da alma, como bem ensinaram Kardec e os espíritos em diversas passagens da codificação, dentre elas a seguinte:

“A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto outro,  unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima
impressão. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. (...). Nessa imensidade ilimitada, onde está o Céu? Em toda parte. Nenhum contorno lhe traça limites.”6

A mesma coisa disse Jesus no Evangelho de Lucas:

“Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está dentro de vós.”7

A parábola denominada de “O Óbolo da Viúva”, contada por Jesus, também ilustra esta ideia. Ali se narra que:

Estando Jesus sentado defronte do gazofilácio, a observar de que modo o povo lançava ali o dinheiro, viu que muitas pessoas ricas o deitavam em abundância. – Nisso, veio também uma pobre viúva que apenas deitou duas pequenas moedas do valor de dez centavos cada uma. – Chamando então seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu muito mais do que todos os que antes puseram suas dádivas no gazofilácio; – que todos os outros deram do que lhes abunda, ao passo que ela deu do que lhe faz falta, deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento.8

Por que a viúva, que pouco deu comparado às pessoas ricas, tinha mais mérito? Porque o sentimento que a movia para ajudar era sincero e verdadeiro, capaz de sacrificar até mesmo suas próprias necessidades e interesses. Portanto, pouco importa, ao final, que a quantidade doada seja grande, se o sentimento por trás do gesto é pequeno.

Aliás, vivêssemos nós sujeitos a uma “contabilidade moral” – precisa, atemática e absoluta
–, como explicaríamos a salvação de Paulo de Tarso, um exemplo de vida em que se pode ver o salto de um Espírito ainda cheio de más paixões para se transformar em Espírito bom em uma mesma encarnação9? Fosse implacável a lógica ensinada por Jesus em advertência a Pedro10, Paulo ainda teria tido de reencarnar inúmeras vezes a fim de expiar todas as injustiças e mortes pelas quais foi responsável em relação ao cristianismo e seus adeptos. Contudo, muito mais importante do que a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente) é o princípio segundo o qual “o amor cobre a multidão de pecados”. Foi justamente o que Paulo entendeu e viveu.

Nós, porém, muitas vezes entendemos estes conceitos equivocadamente, achando – e, pior, divulgando – que todo mal que sofremos é consequência de um erro que cometemos no passado, ou que todo mal/erro que praticarmos hoje terá que ser necessariamente sofrido de volta no futuro. E não percebemos que esta ideia nos joga dentro de uma lógica perversa e insolúvel, que só poderia ser legitimada por um Deus sádico e malvado.

Aliás, a parábola dos “Trabalhadores da Última Hora” também nos ensina muito a este respeito. Dentre as várias lições que podem ser extraídas desta passagem, uma delas, que por agora vai nos interessar, diz respeito ao fato de que para ser “salvo” não é preciso “trabalhar” no bem a mesma e precisa quantidade daqueles que começaram primeiro, mas sim integrar-se ao trabalho com o mesmo amor e piedade11.

Sobre o assunto também é importante lembrar a questão 919 de O Livro dos Espíritos, que trata do autoconhecimento. Ali, Santo Agostinho pede que nos perguntemos, ao nos questionarmos sobre nossa conduta diária, se teríamos vergonha de nós mesmos, caso fossemos chamados de volta ao mundo dos espíritos, “onde nada pode ser ocultado, notadamente nossos pensamentos”.

A provocação feita por Santo Agostinho é bastante válida e nos faz lembrar uma alegoria contada por Platão no livro “A República”. Nela um pastor, chamado Giges, encontra por acaso um anel que lhe dá poderes para ficar invisível às outras pessoas. Aproveitando-se desta sua nova e inesperada faculdade, Giges muda seu caráter e passa a praticar uma série de más ações: mata o rei, seduz a rainha e assume o poder12. E então, como será que nos comportaríamos se encontrássemos o anel de Giges, de Platão, e nos tornássemos invisíveis? Será que continuaríamos nos preocupando com nossa conduta ética? Será que resistiríamos à tentação e aos prazeres do mal se soubéssemos que nossos atos não seriam testemunhados pelos olhos dos outros?

Outra alegoria interessante pode ser extraída de uma conhecida obra de ficção. No filme “Drácula”, dirigido por Francis Ford Coppola, são exibidas diversas passagens em que o vampiro conversava de um modo educado e cavalheiresco com as pessoas, porém sua sombra, que seprojetava atrás da cena, movia-se de modo independente, denunciando e refletindo assim o seu real pensamento e vontade.

Pois bem. Deixando de lado o fantasioso destas alegorias, poderíamos comparar nossas faculdades, na erraticidade, às de Giges quando usa o anel, e nosso perispírito à “sombra do Drácula”, pois nosso Espírito ali, além de invisível a muitos, não possuirá mais a máscara do corpo físico, que possibilita a contenção dos nossos pensamentos dentro de limites bem mais estreitos, o
que nos permite assim ser até mesmo hipócrita diante do outro, sem que queles que convivem conosco necessariamente percebam essa falsidade de sentimentos. Tal como Kardec nos ensinou:

“Criando imagens fluídicas, o  pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a ideia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico;
que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo.”13

Assim, por maior que seja a quantidade de tempo que tenhamos dedicado em nossa encarnação praticando a beneficência, se não tivermos melhorado ossos sentimentos e promovido verdadeiramente nossa moralização íntima, domando assim nossas paixões, de nada esse bem exterior terá adiantado. Talvez isto penas nos faça sentir mais culpados.

Portanto, a caridade que salva, aquela preconizada por Kardec, não é um gesto, mas um estado de espírito, que deve estar presente em nós permanentemente, pois a qualquer momento poderemos ser chamados a praticá-la – p. ex., numa simples conversa, diante da dificuldade de pessoas que não conhecemos, em horas e lugares inesperados, etc. –, e não apenas em momentos pré- determinados e reservados por nós para fazer o bem, como aqueles em que estamos no grupo espírita. Logo, conclui-se que fora dos verdadeiros sentimentos que nos impelem à caridade, ou seja, fora da vivência legítima e sincera das virtudes em nosso íntimo, é que não há salvação.

Vemos, portanto, que é um equívoco interpretar a prática da caridade segundo um entendimento de “troca”, de uma “contabilidade das boas ações”. Contudo, parece-nos que, apesar da compra e venda de indulgências como meio de garantir um lugar no “céu” ter deixado de existir faz muitos séculos, nós talvez ainda tragamos em nosso subconsciente – o que em boa parte se explica pela reencarnação – a mesma lógica de troca e barganha com Deus, por meio da qual eu obtenho a salvação bastando para isso apenas fazer algum gesto exterior de natureza caritativa. Daí porque ainda hoje muitos de nós continuamos pretendendo “comprar o céu”, não mais com dinheiro, porém acumulando o bem apenas pela prática de tais gestos, sem se importar intimamente em reformar o caráter réprobo que ainda carregamos.

Mas o Espiritismo é muito exigente, pois não basta viver e praticar a beneficência. Essa vivência, além de ser sincera e verdadeira, tem que se assentar no mais puro desinteresse14. E este desinteresse abrange inclusive as consequências que daí possam advir à nossa condição na vida futura. Vejamos o que os Espíritos dizem a este respeito, na questão 897 de O Livro dos Espíritos:

897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem sem visar a qualquer recompensa na Terra, mas esperando que lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha a ser melhor a sua situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso?

“O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com desinteresse.”

a) – Contudo, todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para forrar-se à penosa condição desta vida. Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse objetivo.
Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos esperar coisa melhor do que temos na Terra?

“Não, certamente; mas aquele que faz o bem sem ideia preconcebida, pelo só prazer de ser agradável a Deus e ao seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso, que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais depressa do que seu irmão que, mais positivo, faz
o bem por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.” (894)

b) – Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos? Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a ideia de que nos seja levado em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade  emendarmo-nos, vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos aproximarmos dos Espíritos bons e de nos elevarmos?

“Não, não. Quando dizemos fazer o bem queremos significar ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual devem todos tender.”
 Importante lembrar, por fim, que essa salvação pela caridade independe de sermos adeptos do Espiritismo, bem como do fato de sermos frequentadores ou trabalhadores de qualquer grupo espírita15. De fato, pouco importa quantas vezes alguém foi para o estudo ou quantas aulas ou palestras  ministrou, ou quantos artigos sobre Espiritismo escreveu, se isto não ocasionou uma melhoria verdadeira no íntimo do indivíduo. Porém, parece que às vezes preocupamo-nos mais em “converter” as pessoas ao Espiritismo do que em tentar ser um exemplo de homem de bem.
Preocupamo-nos demasiadamente em salvar o mundo e os outros, quando deveríamos primeiramente trabalhar para nos salvar de nós mesmos, dos  nossos vícios, de nossos defeitos e de nossos apegos aos bens materiais. Façamos isto e já estaremos fazendo muita coisa, por nós, pelos outros e pelo
mundo também.

E apesar de nossa meta ser um dia conseguirmos agir por desinteresse, devemos ter consciência de que não o conseguiremos imediatamente. Então comecemos a agir no bem, ainda que de início isto ocorra por interesse “na nossa salvação”, e aí aos poucos o desinteresse irá ganhando lugar. Isto nos faz recordar mais uma belíssima frase de Kardec que, ao comentar os efeitos do pensamento no homem, lembra que “se o egoísmo o levava a desconhecer as consequências, para outrem, de um pensamento perverso, pessoalmente seu, por esse mesmo egoísmo ele se verá induzido a ter bons pensamentos, para elevar o nível moral da generalidade das criaturas, atentando nas consequências que sobre si mesmo produziria um mau pensamento de outrem16.

Desta forma, se alguém quiser saber se, após a morte, será “salvo”, se terá um “bom lugar” no mundo espiritual, que pergunte a si mesmo: as virtudes, o bem e o amor já fazem parte indissociável do meu ser e do meu íntimo? Estou pronto para expor aos outros – porque, na erraticidade, não terei mesmo como esconder – tudo aquilo que penso, já que, mesmo invisível (espírito) para os encarnados, eu só pensarei nas virtudes, no bem e no amor? Minha vida passou a girar fundamentalmente em torno da caridade desinteressada? Independentemente de onde, como ou a quem fiz o bem, eu o fiz e continuaria a fazer, desinteressadamente, sem esperar nada em troca, mesmo que eu me tornasse invisível e soubesse que ninguém estaria fiscalizando meus atos? Eu já estou habituado em tentar me tornar uma pessoa de bem, independentemente da minha condição financeira ou social? Enfim, se essa pessoa conseguir responder sim a estas perguntas, então não deve se preocupar com sua sorte futura, se conseguirá se salvar ou se irá para “o céu”, pois na verdade ela já estará salva e habitando-o aqui mesmo!

Daniel A. Lima - 10 de Novembro de 2011

Referência;

1 Para uma abordagem ampla do conceito de filosofia enquanto soteriologia, ou seja, enquanto estudo da salvação através da razão,
ver o excelente livro de Luc Ferry, “Aprender a Viver”.
2 Capítulo XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
3 Ver a questão 886 de O Livro dos Espíritos: Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? “Benevolência
4 Para uma análise mais ampla do tema, ver o artigo “Caridade e Amor”, de Silvio Seno Chibeni, em
http://www.geak.com.br/site/upload/midia/pdf/caridade_e_amor_-_silvio_chibeni.pdf
5 As três passagens foram extraídas, respectivamente, dos itens 9, 10 e 11, Cap. XIV, da obra “A Gênese”.
6 O Céu e o Inferno, Primeira Parte, Doutrina, Capítulo III - O Céu, item 06.
7 Lucas 17: 20 e 21.
8 Marcos, 12: 41 a 44; e Lucas, 21: 1 a 4.
9 Para um melhor entendimento da vida de Paulo de Tarso, conferir a obra “Paulo e Estevão”, psicografada por Francisco Cândido
Xavier.
10 “Pedro, embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão.” (Mateus 26: 52)
11 Para uma correta compreensão da palavra “Piedade”, ver o artigo de Terezinha Colle, “Sobre a Palavra Piedade”, em
http://www.geak.com.br/site/upload/midia/pdf/sobre_a_palavra_piedade.pdf
12 A República, Livro II.
13 A Gênese, Cap. XIV, item 15.
14 Ver a questão 893 de O Livro dos Espíritos.
15 982. Será necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas para termos assegurada a nossa sorte
na vida futura?
“Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não crêem, ou que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria
absurdo. Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.” (165-799)
A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos atinentes ao futuro. Apressa o
adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que
nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam retardar-lhe a
felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.
- Ver também a parábola do bom samaritano, no ESE, cap. XV, e ainda o item 9 deste mesmo capítulo.
16 Obras Póstumas, Capítulo “Fotografia e Telegrafia do Pensamento”. A frase de Kardec se se assemelha a esta outra, de Sócrates: “Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade.”

sábado, 7 de junho de 2014

O SEGREDO DE ALLAN KARDEC

Homenagem ao sesquicentenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1864-2014).

Adilton Pugliese

Relata o escritor Richard Simonetti, que “no livro A República, Platão, filósofo grego que viveu entre 428 e 348 a.C., coloca nos lábios do também filósofo grego Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), interessante metáfora, ou seja, um sentido figurado, relacionada com nossa visão da realidade: numa caverna vivem seres humanos. Ali nasceram. Dali nunca saem. Estão acorrentados, em tal disposição, que só podem observar o que está à sua frente. Por trás deles arde uma fogueira. A luz do fogo projeta sombras na parede. É tudo o que veem. Seu mundo é feito de sombras”.

O que pode ser deduzido dessa imagem, dessa metáfora que ficou conhecida como o mito da caverna? “A caverna simboliza as limitações impostas pelos sentidos e pela ignorância. Impedem as pessoas de ver o mundo real, que Platão chama universo das ideias. A fogueira é a experiência sensorial que pouco ilumina, projetando sombras de ilusão nas paredes existenciais”.

“Alguém desenvolve a sensibilidade, supera a ignorância, conquista o saber, e então, deixa a caverna. Num primeiro momento, deslumbra-se com a luz solar, a visão gloriosa da Natureza. Lamenta o tempo perdido, o comprometimento com as sombras... Decide ajudar os companheiros com sua experiência. Não é bem recebido. Não acreditam nele. Julgam que está delirando. Hostilizam-no”.(1)

Muitas criaturas na humanidade terrestre estão prisioneiras em suas cavernas íntimas. Como libertar-se do esconderijo, das prisões invisíveis ou visíveis que as prendem? Idealistas consideram que somente subvertendo a ordem, por meio de uma revolução, de conquistas, de um motim, de movimentos guerreiros e libertários.
Destacam historiadores que “nos séculos XI ao XIII oito expedições foram empreendidas pela Europa cristã da época, num movimento que ficou conhecido como Cruzadas, para libertar o chamado Santo Sepulcro das mãos dos muçulmanos, fato que aconteceu a partir de um Concílio realizado na cidade de Clermont em 1095 e que durou até 1291. Aos gritos de Deus o quer! foram quase duzentos anos de operação militar, sem que o objetivo fosse alcançado. É como se o mundo espiritual quisesse dizer aos homens: o importante não é onde o corpo de Cristo foi sepultado, mas seguir os Seus ensinamentos, pois são eles que conduzem a criatura na direção do seu progresso espiritual. São eles que libertam”.

Jesus sabia dessas lutas que os homens empreenderiam para libertar coisas e objetos, lugares e povos; para nos libertarmos dos vícios, das paixões e da violência e sintetizou, há mais de dois mil anos, o meio de conseguirmos a liberdade: “Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.(2) O que seria essa verdade? Onde e como encontrá-la?

Permita-me o leitor um depoimento pessoal. Estive, um dia, preso na caverna das ilusões, da insegurança e da incerteza, numa cruzada em busca de quimeras, até que num sábado à noite, há quase 40 anos, meu pai colocou em minhas mãos um livro extraordinário, de conteúdo libertador. Esse livro tem uma história e podemos dizer que ela começa no mesmo dia em que Allan Kardec publicou em Paris O Livro dos Espíritos.

Após os acontecimentos que envolveram a sua iniciação no Espiritismo, entre os anos de 1854 e 1855, o professor H.L.D. Rivail entra em contato, em fins de 1856, com o livreiro Dentu, na Rue Montpensier, no Palais Royal, em Paris, apresentando-lhe os manuscritos de O Livro dos Espíritos, em cuja capa grafara o pseudônimo que adotara para caracterizar o autor: Allan Kardec, seu antigo nome quando da reencarnação na personalidade de um sacerdote druida, conforme lhe fora revelado pelo Espírito Z..., ou Zéfiro.(3)

Cerca de quatro meses depois, exatamente em 18 de abril de 1857, pela manhã, retornavam da tipografia 1.200 volumes da primeira edição de O Livro dos Espíritos, de capa cor cinza, com 501 perguntas.(4) O livreiro conversava com seu amigo, o jornalista Du Chalard, do jornal Courier de Paris, a quem presenteara com um exemplar do livro, dizendo-lhe: “Este é o trabalho mais sério até hoje publicado na França, sobre os Espíritos; é uma obra edificante e serena”, e pede-lhe que dê, depois de ler o livro, o seu parecer aos leitores do jornal.(5)

E, efetivamente, mais tarde, na edição de 11 de junho de 1857, Du Chalard publica extenso artigo de sua autoria: “O Livro dos Espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do infinito, e estamos convencidos de que esta página será assinalada (...). Não conhecemos o autor, mas confessamos, abertamente, que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Quem escreveu a introdução de O Livro dos Espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres”. “A todos os deserdados da Terra, a todos quantos avançam ou caem, regando com as lágrimas o pó da estrada, diremos: lede O Livro dos Espíritos; ele vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que em seu caminho só encontram as aclamações da multidão e os sorrisos da fortuna, diremos: estudai-o e ele vos tornará melhores”.(6)

Um abade francês, de nome Leçanu, autor de um livro chamado História de Satanás, assim diz no seu livro: “Observando-se as máximas de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tornar santo na Terra”. O escritor francês Victorien Sardou (1831-1908), leu a obra e antes mesmo de haver chegado ao fim da leitura, escreveu a Kardec elogiosa carta, destacando que O Livro dos Espíritos é o livro da vida, é o guia da humanidade.(7)

É com esses e outros depoimentos que Allan Kardec iniciaria a fase de Elaboração da Codificação. Declara Hermínio Miranda (1920-2013), ao analisar “A Obra de Kardec e Kardec diante da Obra”(8): “Concluindo o trabalho que lhe competia junto aos Espíritos ainda lhe resta muito a fazer, e o tempo urge. Incumbe-lhe agora inserir a nova doutrina no contexto do pensamento de seu tempo. É preciso estudar e expor aos homens os aspectos experimentais implícitos na Doutrina dos Espíritos. Desses aspectos, o mais importante, sem dúvida, é a prática da mediunidade, instrumento de comunicação entre os dois mundos. Sem um conhecimento metodizado da faculdade mediúnica, seria impossível estabelecer as bases experimentais da doutrina. Daí, ele prepara e lança, em Paris, em janeiro de 1861, O Livro dos Médiuns. Em seguida, é preciso dotar o Espiritismo de uma estrutura ética. Não seria preciso criar uma nova moral, já existia a do Cristo”.

Então, durante uma parte do ano de 1863, Allan Kardec guardou um segredo: ele estava escrevendo uma nova obra e a ninguém dera ciência do assunto; até o Sr. Didier, o seu Editor, somente tomou conhecimento da existência da obra quando do envio para impressão.
Em 9 de agosto resolve ouvir os Espíritos acerca do seu segredo, sobre o que eles pensavam a respeito, e obtém como resposta, para surpresa do Codificador, que “O novo livro teria considerável influência, pois que abordava questões capitais, e que não só o mundo religioso encontraria nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes”. E os Espíritos elogiam Kardec por ter abordado, no livro, as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses gerais, sociais e religiosos. Os Espíritos preveem que com esse livro Kardec teria grandes dificuldades e que seria violentamente atacado pelo clero da época (que se sentiria muito mais ferido do que com a publicação de O Livro dos Espíritos), mas declaram que confiam nele, na sua resistência, e dizem: “Ao te escolherem, os Espíritos conheciam a solidez das tuas convicções e sabiam que a tua fé, qual muro de bronze, resistiria a todos os ataques”.(9) (grifamos)

A esse novo livro Allan Kardec dera, preliminarmente, o título de Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Porém, mudou-o para O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO (a partir da segunda edição, em 1865), publicado como a terceira obra da Codificação Espírita, em abril de 1864. A reação foi a Sagrada Congregação do Index, em 1o de maio de 1864, incluir no seu catálogo todas as obras de Kardec sobre o Espiritismo(10)! Causou estranheza a medida extemporânea, mas logo foi compreendido que O Evangelho Segundo o Espiritismo provocara a decisão.

Foi esse livro que meu pai colocou em minhas mãos e eu coloquei no meu coração, e que mudaria a minha vida, certamente, para sempre. Na Introdução do livro, Allan Kardec explica o objetivo da obra: cada pessoa poder tirar dela os meios de conformar sua conduta moral à do Cristo. Enfatiza o Codificador que os espíritas nela encontrarão as aplicações que lhes concernem mais especialmente. O ensino moral, portanto, é a tônica fundamental de O Evangelho Segundo o Espiritismo e Kardec explica por que se fixou nessa parte das matérias contidas nos Evangelhos:(11)
– A parte moral exige a reforma de cada um.
– É uma regra de conduta, que abrange todas as circunstâncias da vida.
– É o caminho infalível da felicidade futura.
– É o princípio de todas as relações sociais fundadas na mais rigorosa justiça.
Realmente, a montagem da estrutura didática de O Evangelho Segundo o Espiritismo teve duas finalidades: (1) A explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e (2) Aplicações às diversas circunstâncias da vida, como Kardec exarou no frontispício da obra. Por que este livro, O Evangelho Segundo o Espiritismo, se tornou a obra espírita mais lida e aceita pelos brasileiros, com milhões de exemplares impressos em suas edições, sobretudo por parte da FEB Editora?

Pode-se afirmar que uma questão de fundamental importância da moral do Cristo, em nossas existências, é quanto às consequências de sermos espíritas. Conforme declara Deolindo Amorim (1906-1984), ao estudarmos a Doutrina, conhecemos a sua origem, sua constituição e sua natureza, mas, se depois de tudo isso, não resultasse daí alguma consequência, a Doutrina seria apenas indagação pura, ou, quando muito, simples “devaneio filosófico”. O coroamento de tudo quanto estudamos no Espiritismo está justamente na influência que os seus princípios devem ter nos atos de nossa vida.(12)

Saudamo-lo, então, Livro Luz¸ nos seus 150 anos de existência, e que as suas páginas, que expressam o amor de Jesus pela humanidade, possam continuar a iluminar as nossas vidas, para sempre, libertando os que se encontram nos redutos da ilusão e nas cruzadas das conquistas efêmeras.

Texto revisado pelo prof. Luciano Urpia.

1. SIMONETTI, Richard. Luzes no Caminho. 1ed.CEAC Editora, p.59.
2. JOÃO 8:32.
3. WANTUIL, Zeus. THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Volume II, 1ed.FEB, p.74.
4. ABREU, Canuto. O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, 1ed. Edições LFU, p.42.
5. IDEM, Ibidem, p.43 e 44.
6. WANTUIL, Zeus. THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Volume II, 1ed.FEB, p.83.
7.. IDEM, Ibidem.
8. MIRANDA, Hermínio. Nas Fronteiras do Além. 1ed. FEB, p.16.
9. KARDEC, Allan. Obras Póstumas, 1ed. FEB, tradução de Evandro Noleto Bezerra, p.399.
10. WANTUIL, Zeus. THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Volume II, 1ed.FEB, p.289.
11. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, 131ed. FEB, edição histórica, tradução de Guillon Ribeiro, Introdução.
12. DEOLINDO, Amorim. Doutrina Espírita. 1ed. Círculo Espírita da Oração, p.77.

Leitura Recomendada;

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CARTA DE ALLAN KARDEC AO PRÍNCIPE G.
A CIÊNCIA EM KARDEC
O QUE PENSA O ESPIRITISMO
ESPIRITISMO E FILOSOFIA
O PROBLEMA DO DESTINO
PIONEIRISMO E OPOSIÇÃO DA IGREJA
ESPIRITISMO Ou será científico ou não subsistirá
ESTUDO SEQUENCIAL OU SISTEMATIZADO?
CEM ANOS DE EVANGELIZAÇÃO ESPÍRITA
DIMENSÕES ESPIRITUAIS DO CENTRO ESPÍRITA
O ESPIRITISMO E A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
PRIMEIRO LIVRO DE ALLAN KARDEC TRADUZIDO PARA O BRASIL
A DIMENSÃO ESPIRITUAL E A SAÚDE DA ALMA
O ASPECTO FILOSÓFICO DA DOUTRINA ESPÍRITA
O SILÊNCIO DO SERVIDOR
TALISMÃS, FITINHAS DO “SENHOR DO BONFIM” E OUTROS AMULETOS NUM CONCISO COMENTÁRIO ESPÍRITA
“CURANDEIROS ENDEUSADOS”, CIRURGIÕES DO ALÉM – SOB OS NARCÓTICOS INSENSATOS DO COMÉRCIO
DILÚVIO DE LIVROS “ESPÍRITAS” DELIRANTES
TRATAR OU NÃO TRATAR: EIS A QUESTÃO
ATRAÇÃO SEXUAL, MAGNETISMO, HOMOSSESUALIDADE E PRECONCEITO
RECORDANDO A VIAGEM ESPÍRITA DE ALLAN KARDEC, EM 1862
OS FRUTOS DO ESPIRITISMO
FALTA DE MERECIMENTO OU DE ESTUDO?
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
EURÍPIDES E HÉCUBA
O HOMEM DA MÁSCARA DE FERRO
FONTE DE PERFEIÇÃO
MESMERISMO E ESPIRITISMO
VIVÊNCIAS EVOLUTIVAS DE ALLAN KARDEC
AS MESAS GIRANTES
RESGUARDEMOS KARDEC
REFLEXÃO SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO
AUTO DE FÉ DE BARCELONA
ACERCA DA AURA HUMANA
COMO PODEMOS INTERPRETAR A FRASE DE JESUS: "A tua fé te curou"?
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2012/12/como-podemos-interpretar-frase-de-jesus.html