"Caro Senhor Kardec.
"Venho, na qualidade de Espírita, recorrer à vossa cortesia, e vos
rogar consentir em dar-me alguns conselhos relativamente à prática da
mediunidade curadora pela imposição das mãos. Um simples artigo a este respeito
na Revista Espírita, contendo alguns desenvolvimentos, seria acolhido,
disto estou seguro, com um grande interesse, não só por aqueles que, como eu,
se ocupam desta questão com ardor, mas ainda por muitos outros a quem essa
leitura poderia inspirar o desejo de dela se ocupar também. Lembro-me sempre
dessas palavras de uma sonâmbula que eu havia formado. Eu a enviei, durante seu sono magnético, para visitar uma doente à distância, e a meu pedido como se poderia curá-la,
ela disse: "Há alguém em sua aldeia que o poderia, é um tal; é médium
curador, mas sobre isto nada sabe."
"Não sei até que ponto essa faculdade é especial, cabe-vos mais do
que a qualquer outro apreciá-la, mas se ela o é realmente, como seria de
desejar, que atraísseis sobre este ponto a atenção dos Espíritas. Mesmo todos
aqueles que, fora de nossas opiniões, vos lessem, não poderiam ter nenhuma
repugnância em tentar uma faculdade que não pede senão a fé em Deus e a prece.
Que de mais geral, de mais universal? Não é mais questão de Espiritismo, e cada um, nesse
terreno, pode conservar suas convicções. Quantas irmãs de caridade, quantos
bons curas do campo, quantos milhares de pessoas piedosas, ardentes pela
caridade, poderiam ser médiuns curadores? É o que sonho em todas as religiões,
em todas as seitas. Aceita por toda a parte, essa faculdade, esse presente
divino da bondade do Criador, em lugar de ficar como apanágio de alguns,
cairia, se assim posso me expressar, no domínio público. Este seria um belo dia
para aqueles que sofrem, e há tantos deles!
"Mas, para exercer essa faculdade, independentemente de uma fé viva
e da prece, podem existir condições a reunir, procedimento a seguir para agir o
mais eficazmente possível. Qual é a parte do médium na imposição das mãos? Qual
é a dos Espíritos? É preciso empregar a vontade, como nas operações magnéticas,
ou se limitar a pedir, deixando agir à sua vontade a influência oculta? Essa
faculdade é realmente especial ou acessível a todos? O organismo nela
desempenha um papel, e que papel? Essa faculdade pode ser desenvolvida, e em
que sentido?
"Eis aqui onde vossa longa experiência, vossos estudos sobre as influências
fluídicas, o ensino dos Espíritos elevados que vos assistem, e, enfim, os
documentos que recolheis de todos os cantos do globo, podem vos permitir nos
esclarecer e nos instruir; ninguém, como vós, está colocado nessa situação
única. Todos aqueles que se ocupam da questão desejam vossos conselhos tanto
quanto eu, disto estou seguro, e creio me fazer o intérprete de todos. Que mina
fecunda é a mediunidade curadora! Aliviar-se-á ou se curará o corpo, e pelo
alívio ou pela cura encontrar-se-á o caminho do coração, lá onde freqüentemente
a lógica havia fracassado. Quantos recursos possui o Espiritismo! Quanto é rico
dos meios dos quais é chamado a se servir! Não deixando nenhum deles
improdutivo; quanto tudo concorre a elevá-lo e a difundi-lo. Nisto nada poupais,
caro senhor Kardec, e depois de Deus e dos bons Espíritos, o Espiritismo vos
deve o que é. Já tendes uma recompensa disto neste mundo pela simpatia e
afeição de milhões de corações que oram por vós, sem contar a verdadeira
recompensa que vos espera num mundo melhor.
“Tenho a honra, etc.
“A. D.”
O que nos pede nosso honorável correspondente não é nada menos do que um
tratado sobre a matéria. A questão foi esboçada em O Livro dos Médiuns e
em muitos artigos da Revista, a propósito de fatos de curas e de
obsessões; ela está resumida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, a
propósito das preces para os doentes e os médiuns curadores. Se um tratado
regular e completo não pode ainda ser feito, isto se prende a duas causas: a
primeira que, apesar de toda a atividade que desdobramos em nossos trabalhos,
nos é impossível fazer tudo ao mesmo tempo; a segunda, que é mais grave, está
na insuficiência das noções que se possuem ainda a esse respeito. O
conhecimento da mediunidade curadora é uma das conquistas que devemos ao
Espiritismo; mas o Espiritismo, que começa, não pode ainda haver dito tudo; não
pode, de um só golpe, nos mostrar todos os fatos que ele abarca; cada dia deles
desenvolve novos, de onde decorre novos princípios que vêm corroborar ou
completar aqueles que já se conheciam, mas é preciso o tempo material para
tudo; qualquer parte integrante do Espiritismo é, por si mesma, toda uma
ciência, porque se liga ao magnetismo, e abarca não só as doenças propriamente
ditas, mas todas as variedades, tão numerosas e tão complicadas de obsessões
que, elas mesmas, influem sobre o organismo. Não é, pois, em algumas palavras
que se pode desenvolver um assunto tão vasto. Nele trabalhamos, como em todas
as outras partes do Espiritismo, mas como não queremos nele nada pôr de nossa
autoridade e que seja hipotético, não procedemos senão pelo caminho da
experiência e da observação. Os limites deste artigo não nos permitindo dar-lhe
os desenvolvimentos que comporta, resumimos alguns dos princípios fundamentais
que a experiência consagrou.
1. Os médiuns que obtêm as indicações de remédios da parte dos Espíritos
não são o que se chama médiuns curadores, porque não curam por si mesmos; são
simples médiuns escreventes que têm uma aptidão mais especial do que outros
para esse gênero de comunicações, e que, por essa razão, podem se chamar médiuns
consultantes (consultores), como outros são médiuns poetas ou desenhistas.
A mediunidade curadora se exerce pela ação direta do médium sobre o doente, com
a ajuda de uma espécie de magnetização de fato ou de pensamento.
2. Quem diz médium diz intermediário. Há esta diferença
entre o magnetizador e o médium curador, que o primeiro magnetiza com o seu
fluido pessoal, e o segundo com o fluido dos Espíritos, ao qual serve de
condutor. O magnetismo produzido pelo fluido do homem é o magnetismo humano;
aquele que provém do fluido dos Espíritos é o magnetismo espiritual.
3. O fluido magnético tem, pois, duas fontes muito distintas: os
Espíritos encarnados e os Espíritos desencarnados. Essa diferença de origem
produz uma diferença muito grande na qualidade do fluido e em seus efeitos.
O fluido humano é sempre mais ou menos impregnado das impurezas físicas
e morais do encarnado; o dos bons Espíritos é necessariamente mais puro
e, por isto mesmo, tem propriedades mais ativas que levam a uma cura mais
rápida. Mas, passando por intermédio do encarnado, pode-se alterar como uma
água límpida passando por um vaso impuro, como todo remédio se altera se
permanece em um vaso impróprio, e perde em parte suas propriedades benfazejas.
Daí, para todo verdadeiro médium curador, a necessidade absoluta de
trabalhar em sua depuração, quer dizer, em sua melhoria moral, segundo este
princípio vulgar: limpai o vaso antes de vos servir dele, se quereis ter alguma
coisa de bom. Só isto basta para mostrar que o primeiro que chega não poderia
ser médium curador, na verdadeira acepção da palavra.
4. O fluido espiritual é tanto mais depurado e benfazejo quanto o
Espírito que o fornece é, ele mesmo, mais puro e mais desligado da matéria.
Concebe-se que o dos Espíritos inferiores deve se aproximar do homem e pode ter
propriedades malfazejas, se o Espírito for impuro e animado de más
intenções.
Pela mesma razão, as qualidades do fluido humano apresenta nuanças
infinitas segundo as qualidades físicas e morais do indivíduo; é evidente que o
fluido saindo de um corpo malsão pode inocular princípios mórbidos no
magnetizado. As qualidades morais do magnetizador, quer dizer, a pureza de
intenção e de sentimento, o desejo ardente e desinteressado de aliviar seu
semelhante, unido à saúde do corpo, dão ao fluido um poder reparador que pode,
em certos indivíduos se aproximar das qualidades do fluido espiritual.
Seria, pois, um erro considerar o magnetizador como uma simples máquina
na transmissão fluídica. Nisto como em todas as coisas, o produto está em razão
do instrumento e do agente produtor. Por estes motivos, haveria imprudência em
se submeter à ação magnética do primeiro desconhecido; abstração feita dos conhecimentos
práticos indispensáveis, o fluido do magnetizador é como o leite de uma nutriz:
salutar ou insalubre.
5. O fluido humano sendo menos ativo, exige uma magnetização prolongada e
um verdadeiro tratamento, às vezes, muito longo; o magnetizador, dispensando
seu próprio fluido, se esgota e se fatiga, porque é de seu próprio elemento
vital que ele dá; é porque deve, de tempos em tempos recuperar suas forças. O
fluido espiritual, mais poderoso em razão de sua pureza, produz efeitos mais
rápidos e, freqüentemente, quase instantâneos. Esse fluido não sendo o do
magnetizador, disto resulta que a fadiga é quase nula.
6. O Espírito pode agir diretamente, sem intermediário, sobre um
indivíduo, assim como se pôde constatar em muitas ocasiões, seja para aliviá-lo,
curá-lo se isto se pode, ou para produzir o sono sonambúlico. Quando se age por
intermediário, é o caso da mediunidade curadora.
7. O médium curador recebe o influxo fluídico do Espírito, ao passo que o
magnetizador haure tudo em si mesmo. Mas os médiuns curadores, na estrita
acepção da palavra, quer dizer, aqueles cuja personalidade se apaga
completamente diante da ação espiritual, são extremamente raros, porque esta
faculdade, elevada ao seu mais alto grau, requer um conjunto de qualidades
morais que raramente se encontra sobre a Terra; somente eles podem obter, pela
imposição das mãos, essas curas instantâneas que nos parecem prodigiosas; muito
poucas pessoas podem pretender este favor. O orgulho e o egoísmo sendo as
principais fontes das imperfeições humanas, disso resulta que aqueles que se
gabam de possuir esse dom, que vão por toda a parte enaltecendo as curas
maravilhosas que fizeram, ou que dizem ter feito, que procuram a glória, a
reputação ou o proveito, estão nas piores condições para obtê-la, porque esta
faculdade é o privilégio exclusivo da modéstia, da humildade, do devotamento
e do desinteresse. Jesus dizia àqueles que tinha curado: Ide dar graças
a Deus, e não o digais a ninguém.
8. A mediunidade curadora pura sendo, pois, uma exceção neste mundo,
disso resulta que há quase sempre ação simultânea do fluido espiritual e do
fluido humano; quer dizer, que os médiuns curadores são todos mais ou menos
magnetizadores, é por isso que agem segundo os procedimentos magnéticos; a
diferença está na predominância de um ou de outro fluido, e na maior ou na
menor rapidez da cura. Todo magnetizador pode se tornar médium curador, se sabe
se fazer assistir pelos bons Espíritos; neste caso os Espíritos lhe vêm em
ajuda, derramando sobre ele seu próprio fluido que pode decuplicar ou
centuplicar a ação do fluido puramente humano.
9. Os Espíritos vão para onde querem; nenhuma vontade pode
constrangê-los; eles se rendem à prece se é fervorosa, sincera, mas jamais à
injunção. Disso resulta que a vontade não pode dar a mediunidade curadora, e
que ninguém pode ser médium curador de desejo premeditado. Reconhece-se o
médium curador pelos resultados que obtém, e não pela sua pretensão de sê-lo.
10. Mas se a vontade é ineficaz quanto ao concurso dos Espíritos, ela é
onipotente para imprimir ao fluido, espiritual ou humano, uma boa direção, e
uma energia maior. No homem débil e distraído, a corrente é débil, a
emissão fraca; o fluido espiritual se detém nele, mas sem proveito para ele; no
homem de uma vontade enérgica, a corrente produz o efeito de uma ducha.
É preciso não confundir a vontade enérgica com a teimosia, porque a teimosia é
sempre uma conseqüência do orgulho e do egoísmo, ao passo que o mais humilde
pode ter a vontade do devotamento.
A vontade é ainda onipotente para dar aos fluidos as qualidades especiais
apropria- das à natureza do mal. Este ponto, que é capital, se prende a um
princípio ainda pouco conhecido, mas que está em estudo, o das criações
fluídicas, e das modificações que o pensamento pode fazer a matéria suportar. O
pensamento, que provoca uma emissão fluídica, pode operar certas transformações
moleculares e atômicas, como se vê isto se produzir sob a influência da
eletricidade, da luz ou do calor.
11. A prece, que é um pensamento, quando é fervorosa, ardente, feita com
fé, produz o efeito de uma magnetização, não só chamando o concurso dos bons
Espíritos, mas em dirigindo sobre o doente uma corrente fluídica salutar.
Chamamos a esse respeito a atenção sobre as preces contidas em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, para os doentes ou os obsidiados.
12. Se a mediunidade curadora pura é o privilégio das almas de elite, a
possibilidade de abrandar certos sofrimentos, de curar mesmo, embora de maneira
não instantânea, certas doenças, é dada a todo o mundo, sem que seja necessário
ser magnetizador. O conhecimento dos procedimentos magnéticos é útil em casos
complicados, mas não é indispensável. Como é dado a todo o mundo chamar os bons
Espíritos, orar e querer o bem, freqüentemente, basta impor as mãos sobre uma
dor para acalmá-la; é o que pode fazer todo indivíduo se nisso põe a fé, o
fervor, a vontade e a confiança em Deus. Há a se anotar que a maioria dos
médiuns curadores inconscientes, aqueles que não se dão nenhuma conta de sua
faculdade, e que se encontram, às vezes, nas condições mais humildes, e entre
pessoas privadas de toda instrução, recomendam a prece, e ajudam a si mesmos
orando. Somente sua ignorância faz crer na influência de tal ou tal fórmula;
algumas vezes mesmo ali misturam práticas evidentemente supersticiosas, das
quais é preciso dar o caso que elas merecem.
13. Mas do fato de que se tenha obtido uma vez, ou mesmo várias vezes,
resultados satisfatórios, seria temerário se dar como médium curador, e disso
concluir que se pode vencer toda espécie de mal. A experiência prova que, na
acepção restrita da palavra, entre os melhores dotados, não há médiuns
curadores universais. Tal terá devolvido a saúde a um doente, que não produzirá
nada sobre um outro; tal terá curado um mal num indivíduo, que não curará o
mesmo mal uma outra vez, sobre a mesma pessoa ou sobre uma outra; tal, enfim,
terá a faculdade hoje, que não terá mais amanhã, e poderá recobrá-la mais
tarde, segundo as afinidades ou as condições fluídicas em que se encontrem.
14. A mediunidade curadora é uma aptidão, como todos os gêneros de
mediunidade, inerente ao indivíduo, mas o resultado efetivo dessa aptidão é
independente de sua vontade. Ela se desenvolve, incontestavelmente, pelo
exercício, e sobretudo pela prática do bem e da caridade; mas como ela não
poderia ter a constância, nem a pontualidade de um talento adquirido pelo
estudo, e do qual se é sempre senhor, não poderia tornar-se uma profissão.
Seria, pois, abusivamente que uma pessoa se ostentasse diante do público como
médium curador. Estas reflexões não se aplicam aos magnetizadores, porque a
força está neles, e são livres para dela dispor.
15. E um erro crer que aqueles que não partilham nossas crenças, não
teriam nenhuma repugnância em tentar essa faculdade. A mediunidade curadora racional
é intimamente ligada ao Espiritismo, uma vez que repousa essencialmente sobre o
concurso dos Espíritos; ora, aqueles que não crêem nem nos Espíritos, nem em
sua alma, e ainda menos na eficácia da prece, não saberiam colocar-se nas
condições desejadas, porque isso não é uma coisa que se possa tentar
maquinalmente. Entre aqueles que crêem na alma e sua imortalidade, quantos há
ainda hoje que recuariam de medo diante de um chamado aos bons Espíritos, no
temor de atrair o demônio, e que crêem ainda de boa-fé que todas essas curas
são a obra do diabo? O fanatismo é cego; ele não raciocina. Isto não será
sempre assim, sem dúvida, mas se passará muito tempo antes que a luz penetre em
certos cérebros. À espera disto, façamos o maior bem possível com a ajuda do
Espiritismo; façamo-lo mesmo aos nossos inimigos, aceitemos ser pagos com a
ingratidão, é o melhor meio de vencer certas resistências, e de provar que o
Espiritismo não é tão negro quanto alguns o pretendem.
REVISTA ESPÍRITA
JORNAL DE
ESTUDOS PSICOLÓGICOS - PUBLICADA SOB A DIREÇÃO DE ALLAN KARDEC
ANO 8 -
SETEMBRO 1865 - Nº. 9
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