Adilson
Mota
Dois
obreiros de uma instituição espírita, ambos participantes da área de
tratamento, encontraram-se casualmente num dos corredores da instituição.
Conversa vai, conversa vem, acabaram falando sobre passes. Mais ou menos assim
foi o diálogo entre um passista e um magnetizador:
Passista
– Eu soube que você está iniciando um novo trabalho aqui na Casa. Disseram-me que
é uma novidade que vem para revolucionar o Centro Espírita.
Magnetizador
– Na verdade, não se trata de novidade, montamos um grupo de tratamento magnético.
O grupo passou um tempo estudando e se preparando e agora vai iniciar os atendimentos
ao público.
Passista
– Magnetismo... para mim é uma novidade. Novas técnicas, novos procedimentos...
Magnetizador
– Allan Kardec fala muito, e muito claramente sobre Magnetismo em quase todas
as suas obras. O Magnetismo constitui-se naquilo que hoje se convencionou
chamar de passes.
Passista
– Então o trabalho que você vai iniciar é mais um grupo de passes?!
Magnetizador
– Não é bem assim. Este grupo resgata as experiências dos antigos
magnetizadores, aliando o seu conhecimento ao que sabemos através do
Espiritismo.
O
Magnetismo é uma ciência que, entre outras coisas, estuda como a energia humana
influencia na saúde e na doença.
Passista
– Para mim parece mais um grupo de passes.
Magnetizador
– Buscamos utilizar as nossas energias não de forma empírica, mas raciocinada.
Estudamos, observamos, testamos, buscando entender como funcionam essas
energias, a fim de melhor utilizá-las em benefício dos doentes.
Passista
– Eu sou passista há muitos anos e nunca ouvi falar que para aplicar passes
precisa de tanta coisa. Basta ter boa vontade e os Espíritos fazem o resto.
Magnetizador
– Kardec não especificou nas suas obras a respeito dos procedimentos
magnéticos, pois existiam na época vários organismos ligados ao Magnetismo que
davam conta disso. No entanto, ele citou vários requisitos necessários ao bom
magnetizador...
Passista
– Espere um pouquinho aí. Por que você fala magnetizador e não passista? Você
está querendo criar moda, é?
Magnetizador
– Allan Kardec faz mais de quatrocentas referências aos termos magnetismo e
magnetizador, e nenhuma ao termo passista. Como eu disse, o Magnetismo é toda
uma ciência que vai além do conhecimento referente à cura das doenças. Estuda
todos os fenômenos anímicos, como sonambulismo, dupla vista, êxtase e todos os
demais.
Passista
– Nossa! A coisa está ficando complicada, eu nunca ouvi falar disso.
Magnetizador
– São temas muito pouco estudados pela maioria de nós espíritas, mas foi alvo
da atenção do Codificador que, tendo sido magnetizador por cerca de trinta e cinco
anos1, possuía um amplo conhecimento do assunto. Voltando ao que eu estava
falando anteriormente, Kardec citou várias condições a serem observadas e não
apenas a boa vontade. Ele escreveu sobre a importância da vontade, da
confiança, do conhecimento apropriado, da qualificação do fluido através da
prática moral e ainda, como atrair os Bons Espíritos para nos ajudar
potencializando os recursos do magnetizador.2
Passista
– Eu estou vendo que não é tão simples ser magnetizador e pensei que com todo
esse estudo, esse conhecimento, vocês não precisassem ou quisessem a
participação dos Espíritos.
Magnetizador
– É claro que queremos e precisamos. Mais uma vez, podemos buscar a informação
segura fornecida por Allan Kardec e os Espíritos Superiores que o guiaram.
Afirmou o Codificador que quando evocamos um Espírito que se interessa por nós
e pelo doente, ele aumenta a nossa força e a nossa vontade e melhora as nossas
energias para um resultado mais eficaz3.
Passista
– No trabalho que eu participo valorizamos o passe espiritual, não trabalhamos
com passe magnético. Acho que Magnetismo é coisa do passado, não existe mais.
Magnetizador
– Olha só, meu amigo, você já deve ter lido em A Gênese, escrita por Allan
Kardec, a definição de cada tipo de passe. O passe espiritual é aquele que é aplicado
pelos Espíritos diretamente sobre o doente, sem intermediários. Ou seja, não
exige a participação
direta
de encarnados4. O desconhecimento do Magnetismo pela maioria dos espíritas da
atualidade não significa que esteja ultrapassado. Seria dizer que Kardec também
está ultrapassado, já que ele ressaltou a importância de se estudar o
Magnetismo que, juntamente
com
o Espiritismo formam duas ciências irmãs, gêmeas, e que para não estacionarem,
cada uma delas deve se apoiar na outra5.
Passista
– Eu acho que temos que dar mais atenção à orientação moral. As pessoas ficam
buscando o Centro Espírita para curas miraculosas, para se livrar dos seus problemas
sem nenhum interesse em se melhorarem. E nós sabemos que se ela não se
reformar, a doença
volta.
Magnetizador
– A orientação moral é imprescindível. Muitos magnetizadores clássicos sabiam
disso, outros não. O Espiritismo reforça que pensamentos, sentimentos e emoções,
além dos hábitos físicos, fazem parte do contexto causador de muitas doenças.
Não significa dizer que não devamos pôr em prática o auxílio aos doentes
buscando aliviar as suas provações, pois se Deus
colocou ao nosso alcance meios de cura é por que quer que em certos casos as
nossas aflições sejam dissipadas ou abrandadas6.
Passista – E como é que você vai conciliar numa Casa Espírita a orientação moral com o tratamento do corpo?
Magnetizador
– Primeiramente é preciso saber que o passe magnético não serve apenas para o
tratamento das doenças orgânicas, mas também para problemas psíquicos,
emocionais e espirituais. Segundo, podemos fazer como Jesus fez: ele ensinava a
moral às pessoas e ao mesmo tempo exemplificava a prática da caridade aliviando
os seus sofrimentos. Convenhamos que a explanação dos princípios morais é muito
importante, mas a prática é o meio mais convincente de se ensinar o amor e a
humildade.
Passista
– Olha, meu amigo, o que mais me intriga é: por
que curar as doenças, se elas podem retornar caso o doente não se modifique
intimamente?
Magnetizador
– Se observarmos ao nosso redor e se pararmos para pensar um pouco, vamos
encontrar diversos fatores no meio físico que podem arruinar o organismo. A
bebida e o cigarro, por exemplo. Temos ainda a falta de higiene, a desnutrição
e o excesso de comida, entre outros. E mesmo admitindo que todas as doenças sejam
geradas pelas falhas do Espírito, o que devemos fazer com os médicos,
psicólogos e toda a classe de profissionais que tratam das doenças na Terra?
Devemos acabar com todas estas profissões? E quanto aos outros tipos de
dificuldades materiais existentes no planeta? Devemos dar as costas para elas?
Não devemos auxiliar os famintos e os desnudos? Devemos entregar à própria
sorte os desempregados, com a justificativa de que a provação deles retornará se
não fizerem a transformação moral? Você não acha que este tipo de pensamento
seria o fim das iniciativas caritativas beneficentes? Ademais, não podemos
garantir que uma doença retornará depois que for curada. Não haverá casos em
que o momento da busca de uma forma de tratamento pode representar o momento do
término da expiação?7
Passista
– Eu só sei que ser magnetizador é muito complicado. A gente precisa é aplicar
os passes com amor.
Magnetizador
– O importante não é que uma coisa seja simples ou complexa, mas que seja
eficiente. Quando amamos nos esforçamos para fazer o melhor pelos outros.
Passista – Bom, eu vou indo, pois preciso chegar em casa. Até outro dia.
Magnetizador
– Até mais. Assim terminou o diálogo entre os dois amigos que, apesar de terem
uma origem comum de conhecimentos, que é o Espiritismo, e serem espíritas há
bastante tempo, possuem formas tão díspares de pensar. A diferença talvez
esteja em que o passista se esqueceu de compulsar e refletir com mais
profundidade no que escreveu Allan Kardec.
Referências;
1. Revista Espírita, junho de 1858
2. O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.
XIX; O Livro dos Médiuns, cap. VIII, item 131 e cap. XIV, item 176; Revista
Espírita, setembro de 1865
3. O Livro dos Médiuns, cap. XIV, item 176
4. A Gênese, cap. XIV, item 33
5. O Livro dos Espíritos, questão 555;
Revista Espírita, março de 1858 e janeiro de 1869.
6. O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.
XXVIII, item V.
7. Vale a pena ler toda a mensagem do
Espírito Bernardino, publicada n’O Evangelho Segundo o
Espiritismo, cap. V, item 27, intitulada “Dever-se-á pôr termo às provas
do próximo?”
JORNAL VORTICE - ANO VII, Nº 02 - Julho - 2014
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