“Abrigo a íntima convicção de que
jamais se farão verdadeiros progressos na ciência do magnetismo enquanto
fundamentem seus princípios em outras ciências. (…) O magnetismo considerado
como um agente da natureza tem suas leis que não são as mesmas que as da
matéria.”
Ao ler o trecho acima, contido na obra
Instruções Práticas do Magnetismo, de François Deleuze, minha atenção
foi suscitada para uma questão que há tempos faz parte das
minhas reflexões: em que ideias se
baseia a ciência magnética para desenvolver a sua terapêutica? Ou seja, qual a
filosofia do Magnetismo?
O surgimento da ciência magnética,
como todas as grandes verdades, fez surgirem defensores corajosos e também
detratores encarniçados. Dentre aqueles que carregavam em si a convicção de ser
o Magnetismo uma verdade, muitos buscaram explicá-lo através dos conhecimentos
já existentes e desenvolvidos pelas ciências da época. Deleuze, como estudioso
perspicaz, intuitivamente descarta esta possibilidade, visto se tratar de algo
novo que se sustentava em leis naturais, mas ainda desconhecidas.
O Espiritismo fornece muitas
informações a respeito dos fluidos e da sua ação. Faltam, porém, orientações
acerca dos procedimentos do magnetizador nos processos de tratamento. Isto teremos que buscar diretamente no Magnetismo.
A ciência espírita explica muito bem os fundamentos da mediunidade curadora. Com relação ao
Magnetismo, Kardec optou por falar dele em linhas gerais, justificando-se com a
existência, na época, de diversos órgãos especializados no assunto.
Creio ser de essencial importância
entendermos os princípios que orientam o Magnetismo a fim de descobrirmos e
promovermos a evolução dos procedimentos que devam ser adotados no tratamento
das diversas doenças.
Particularmente, concordo com o grande
magnetizador Deleuze quanto à impossibilidade de interpretarmos o Magnetismo
através do conhecimento de outras ciências, com exceção do Espiritismo, por
serem ciências irmãs, o qual ele não conheceu.
Tomarei para uma análise mais
detalhada do tema três grandes ramos das terapias existentes na atualidade:
Medicina (alopatia), Homeopatia e Medicina Chinesa. Antes, porém, lembremos que
cada uma destas correntes terapêuticas, se assim podemos nos exprimir, possui
seus próprios conceitos e princípios e é dentro dos limites destes que as
soluções terapêuticas são aplicadas. Cada uma delas tem o seu modo de pensar e
o modelo de tratamento decorre da forma de interpretar o significado de saúde e
doença.
Começando pela Medicina, o termo é
derivado do latim ars medicina, que significa a arte da cura (Wikipedia).
Hipócrates é considerado o pai da Medicina, que deve ter vivido entre 460 e 377
a.C.. Para ele, o primeiro princípio da Terapêutica é “Natura medicatrix
quae lucere oportet, quae maxime vergunt, eo ducenda per loca convenientia”,
ou seja, a Natureza cura, mas com a condição de que seus efeitos sejam
sustentados, auxiliados, dirigidos convenientemente. (Magnetismo Curativo, de
Alphonse Bué)
A Medicina faz uso, hoje, de
conhecimentos obtidos por diversos ramos da ciência como biologia, química,
física, anatomia, fisiologia, epidemiologia, antropologia. Seus conceitos
procedem do mecanicismo, o homem como uma máquina, pensamento
desenvolvido a partir da filosofia de Descartes no século XVI. Defende a ideia
do homem-matéria e direciona sua terapêutica na supressão dos sintomas. O
tratamento médico funciona à base de substâncias químicas que alcançam as
estruturas físicas doentes, e sua filosofia é a do tratamento pelos opostos,
ou contraria contrariis curantur . Os medicamentos empregados tendem a
produzir no doente sintomas diferentes dos provocados pela doença, para o
desaparecimento dos sintomas.
A Homeopatia, a segunda terapia em
análise, surgiu com Samuel Hahnemann em 1796, ano em que publicou o seu
primeiro trabalho.
Foi, no entanto, a partir da sua
principal obra intitulada Organon da Medicina Racional (modificada para Organon
da Arte de Curar a partir da 2.a edição), no ano de 1810, onde foram
expostos os princípios da nova medicina, o que podemos marcar como o verdadeiro
início da Homeopatia. Para Hahnemann, a Medicina tradicional (alopática) apenas
cura temporariamente por interpretar de maneira errada o funcionamento da
natureza. Ainda segundo ele, a verdadeira arte de curar está inscrita no
princípio da semelhança (similia similibus), antagônico ao contraria
contrariis curantur da alopatia. A doença desaparece através de
medicamentos que provocam sintomas semelhantes aos já existentes, porém um
pouco mais fortes. Estes sintomas artificiais combatem e fazem desaparecer os
sintomas originais da doença e dissipam-se, por sua vez, com a suspensão do
medicamento.
O segundo princípio homeopático está
no medicamento em si, cujas dissoluções são tão
grandes que matematicamente se torna impossível encontrar qualquer traço
da química original. Tornam-se medicamentos de grande sutileza. Seguindo o
princípio da cura pelos semelhantes, o criador da Homeopatia desenvolveu
medicamentos capazes de promoverem não somente o alívio dos sintomas, mas a
cura definitiva. Através do Espiritismo sabemos que as medicações homeopáticas
sutis interferem numa zona também sutil do ser, o perispírito, promovendo a sua
harmonização e o consequente desaparecimento da doença no âmbito orgânico. Os
procedimentos homeopáticos levam em consideração a individualidade de cada
doente, através da anamnese das suas características físicas, mentais,
emocionais e sociais.
“Acrescentemos sumariamente, e de
memória, já que não podemos aprofundar aqui o assunto, que a ação dos remédios
homeopáticos em doses infinitesimais, é baseada no mesmo princípio; a
substância medicamentosa, levada pela divisão ao estado atômico, até certo
ponto adquire as propriedades dos fluidos, menos, todavia, o princípio anímico,
que existe nos fluidos animalizados e lhes dá qualidades especiais.” (Allan
Kardec in Revista Espírita de março de 1868)
O pensamento de Hahnemann exposto no
prefácio da sexta edição do Organon concorda com o da Doutrina Espírita
“(…) de que as doenças humanas não são causadas por matéria alguma, nenhuma
acrimônia, i.e., por matéria morbífica alguma, mas que elas são unicamente
transtornos imateriais (dinâmicos) da força imaterial (o princípio vital, a
força vital), que anima o corpo humano”.
A mais antiga das três terapias, a
Medicina Chinesa, é uma arte milenar na cura das doenças, datando de aproximadamente
4.500 anos o seu surgimento. Ao interpretar os princípios fundamentais da
Medicina Chinesa para a mentalidade ocidental, muito acaba se perdendo do seu
entendimento, visto que as palavras de qualquer língua são insuficientes para
descrever a essência de uma outra cultura, mais ainda uma tão diversa da nossa
como é a chinesa. Sempre somos tentados a interpretar uma cultura diferente
utilizando a nossa como filtro.
Dentro das limitações normais impostas
pelas diferenças culturais, podemos dizer que a “Medicina Tradicional Chinesa é
uma medicina energética, ou seja, toma como base a existência de uma estrutura
energética para além do corpo físico, e afirma que no nosso corpo a energia circula
por canais que têm pontos específicos que, ao Serem puncturados, reorganizam a circulação energética de todo o
corpo. A doença, por sua vez, é sempre uma desorganização da energia funcional
que controla e dinamiza os órgãos” - http://www.medicinachinesa.net/). Estes canais são chamados no
ocidente de meridianos e além de ligarem os pontos entre si, também interligam
o corpo sutil a órgãos e regiões específicos do corpo físico.
A Medicina Chinesa aponta diversos
tipos e funções para os meridianos que não vamos aqui detalhar, para não fugirmos
do objetivo deste artigo.
Um dos princípios fundamentais da
Medicina Chinesa é o conceito de Yin e Yang que “representam
qualidades opostas, mas também complementares”, duas fases de um movimento
cíclico, como escreveu Giovanni Maciocia, em Os Fundamentos da Medicina
Chinesa. O equilíbrio entre os dois polos seria o conceito de saúde e o
oposto, o de doença. Esta teoria pode ser aplicada não somente nas questões de
saúde, mas em tudo que existe no Universo em termos macro e micro. Assim Yang
representa o imaterial, o Sol, a energia, o calor, o que está acima, etc.
O Yin representa o oposto: o
material, a Lua, a substância, o frio, o que está abaixo.
O segundo princípio é a teoria dos
Cinco Elementos: água, fogo, madeira, metal e terra. De acordo com Acupuntura
Clássica Chinesa, de Tom Sintan Wen, “(…) todos os fenômenos dos tecidos e
órgãos, da fisiologia e da patologia do corpo humano, estão classificados e são
interpretados pelas inter-relações desses elementos”. Logicamente, estes
elementos representam simbolismos tomados da própria Natureza que servem para
explicar características e estados físicos ou psíquicos. Percebe-se claramente que
os sistemas fisiológicos e as patologias na Medicina Chinesa são entendidos de
forma bastante diferente da Medicina Ocidental, englobando numa mesma filosofia
tanto os aspectos orgânicos, como mentais, emocionais e espirituais do ser.
Não só a medicina, mas toda a cultura
e visão de mundo chineses, “nasce a partir destes dois princípios básicos. A
medicina chinesa, como legado cultural chinês, aplica estes princípios à
compreensão da natureza e do corpo humano, e a partir daí constrói o seu corpo
de saber científico tradicional”. (http://www.medicinachinesa.net/)
Por último, abordaremos sobre o
Magnetismo, utilizado desde eras remotas. No final do século XVIII, com Franz
Anton Mesmer, tornou-se uma ciência que trata dos meios de cura através das
energias magnéticas humanas*, bem como dá conta dos chamados fenômenos
magnéticos (letargia, catalepsia, telepatia, dupla vista, sonambulismo, êxtase)
que a Doutrina Espírita classificou como fenômenos de emancipação da alma –
leia-se O Livro dos Espíritos, segunda parte, capítulo VIII.
Para Alphonse Bué, em Magnetismo
Curativo, o Magnetismo, em certo aspecto, segue o mesmo princípio da
medicina de Hipócrates, o tendo como ponto fundamental: é a Natureza que cura,
com a condição de ser ajudada, sustentada e dirigida para os seus admiráveis fins.
Como fazer, no entanto, magneticamente falando, para sustentar e dirigir os
esforços da Natureza para a finalidade da cura?
A ciência magnética ampliada pelo
Espiritismo baseia-se na existência em todo ser vivo de um campo energético que
o circunda e o penetra. Esse campo, conhecido como duplo etérico localiza-se na
zona limítrofe entre o perispírito e o corpo físico, sendo o armazenador e distribuidor
das energias magnéticas necessárias à harmonia e à sobrevivência física, como
elo de ligação entre as zonas sutis perispirituais e a região mais densa,
orgânica. Como canais de ligação e distribuição energética entre os dois corpos
existem os chamados centros de força, verdadeiras usinas fluídicas, bombas
centrípetas e centrífugas de captação e de emissão energética, além de
distribuição, processamento, armazenamento e filtragem.
Interligando estes centros, bem como
dirigindo-se aos órgãos e regiões físicas há os nádis, canais de circulação fluídica.
Atuando sobre estas áreas sutis ou
diretamente sobre os órgãos doentes, regulariza-se a quantidade e o
funcionamento das energias que servem de base ao corpo físico.
Por essa sumária descrição de cada um
destes grandes métodos de tratamento, compreende-se que cada um deles possui a sua própria filosofia a respeito do
que seja saúde e doença. Desta filosofia é que decorre o método de tratamento.
Daí, reportando-me novamente às palavras de Deleuze, em epígrafe, o máximo que
podemos fazer ao estudar as outras ciências é aproveitar aquilo que possa ser
aplicado ao Magnetismo a fim de dar-lhe desenvolvimento.
Seria prejudicial, porém, tentarmos
moldar o seu método de tratamento fazendo uso dos conceitos fisiológicos e
patológicos das demais.
A Medicina alopática entende o ser
humano como um aglomerado de matérias orgânicas e segue, em termos de sistemas
anátomo-fisiológicos, aquilo que a forma racional de pensar do ocidente lhe
proporcionou a partir da influência de filósofos, pensadores e cientistas de
várias épocas.
Já a Homeopatia, ou medicina
homeopática, se serve da noção de que existe no ser humano algo que é sutil, o
fluido vital, e que este é o responsável pelas manifestações saudáveis ou
doentias. Este pensamento fez Hahnemann criar medicamentos sutis, que
fossem capazes de regularizar as manifestações desequilibradas deste agente
vital.
A Medicina Chinesa também enxerga a
doença no ser humano como sendo uma expressão de desarmonias ocorridas no nível
sutil-energético que podem ser regularizadas através de interferências em
campos também sutis.
Com o Magnetismo não poderia ser
diferente. Com o auxílio da ciência espírita e também com ajuda do Mundo
Espiritual, acredito que alcançamos o conhecimento mais abrangente de todos até
então. Sabemos que o homem é composto de Espírito, perispírito e corpo, onde
relacionamse pensamentos, sentimentos,
emoções e comportamentos ou reações físicas. Não somente o nosso corpo adoece,
mas também o perispírito e o Espírito. Sofremos interferências de diversas
formas em nossa saúde: da alimentação, do sono e de todos os hábitos físicos,
bem como das nossas emoções e pensamentos. Assim, o estresse pode adoecer tanto
ou até mais do que uma alimentação desequilibrada.
Sentimentos de raiva ou de desvalia
provocam consequências danosas ao Espírito, tanto quanto ao nosso perispírito e
corpo físico.
A Medicina, Homeopatia e Magnetismo,
“cada um desses meios poderá, pois, ser eficaz, se empregado a propósito e
adequado à especialidade do mal; mas, seja qual for, compreendese que a
substituição molecular, necessária ao restabelecimento do equilíbrio, não pode
operar-se senão gradualmente, e não por encanto e por um golpe de batuta; se
possível, a cura só pode ser o resultado de uma ação contínua e perseverante,
mais ou menos longa, conforme a gravidade dos casos”, escreveu o Codificador na
Revista Espírita já citada. A especialidade do mal a que se refere
Allan Kardec define-se pela origem do problema de saúde, seja físico (Medicina)
ou perispiritual (Homeopatia e Magnetismo), acrescentando-se ainda as
patologias cuja origem remonta ao Espírito devedor às leis divinas, cuja especialidade
pertence ao Espiritismo.
Esta é a filosofia do Magnetismo da
qual deve decorrer o seu método de tratamento. O Magnetismo, a rigor,
poderíamos dizer, não trata doenças, mas sim desarmonias energéticas que uma
vez saneadas proporcionarão o reajuste físico.
Escreveu o Barão du Potet, um dos
maiores magnetizadores da história:
“Dentro da prática, as coisas se
apresentam da maneira seguinte: de um lado está o magnetizador, que dispõe de grandes
reservas do fluido magnético concentrado; do outro lado está o doente: este tem
um organismo magneticamente desequilibrado, seja por um funcionamento
excessivamente desenvolvido, ou seja, ao contrário, por um funcionamento desacelerado.
Segundo o caso, o magnetizador deverá então, acalmar os órgãos superativados
facilitando o esvaziamento do excesso, ou estimulando os órgãos sem vitalidade,
“injetando” neles, fluidos novos. Para operar com o objetivo de restabelecer o
equilíbrio magnético rompido dentro do organismo doente, o magnetizador fará um
determinado número de técnicas práticas, às vezes conhecidas desde a mais
longínqua antiguidade.” (Manual do Estudante Magne-tizador)
O Magnetismo tem por regra encontrar o
desequilíbrio energético e tentar regularizá-lo. Estas desarmonias podem ser causadas por excesso ou carência de
fluidos, ou ainda deficiência na sua circulação. O hábil magnetizador saberá detectar
a anormalidade e saneá-la através da técnica adequada.
Espero que este texto seja útil de
alguma forma para colocarnos num caminho que nos leve à melhor compreensão e desenvolvimento
da prática magnética. Aguardo os comentários e as complementações de vocês
leitores para construirmos juntos esse conhecimento em prol da humanidade sofredora.□
* Apenas com o advento do Espiritismo pôde-se
explicar que as energias espirituais poderiam participar do processo de
magnetização.
JORNAL VORTICE - ANO VI, Nº 03 - Agosto – 2013
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