quinta-feira, 23 de junho de 2016

História da Era Apostólica - Novas perguntas


“A diversidade de imagens de Jesus levanta a suspeita de que os retratos de Jesus sejam na verdade auto-retratos de seus autores.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

O reinado de Guilherme II (1859-1941) assistiu, na Alemanha, ao florescimento do liberalismo teológico e da pesquisa “clássica” sobre a história do Cristianismo, cuja característica marcante foi a exploração histórico-crítica das fontes literárias, visando a reconstrução da personalidade e da vida de Jesus, ao menos na concepção dos seus expositores mais destacados.

Inaugurava-se a Terceira Fase da pesquisa histórica do Cristianismo sob a influência de desmedido otimismo. F. Baur defendia a primazia dos sinóticos sobre o Evangelho de João. H. Holzmann propunha a teoria das duas fontes,
segundo a qual Marcos e “Q”2 representavam as mais antigas e confiáveis fontes para a reconstrução do quadro biográfico do Cristo.

O colapso do liberalismo teológico, porém, veio mais cedo do que se imaginava, em virtude de três fatores: a constatação do caráter fragmentário dos evangelhos, que impediria qualquer esforço de extrair um “desenvolvimento” da personalidade de Jesus a partir da seqüência narrativa do evangelho de Marcos; o caráter tendencioso das fontes antigas, visto que o evangelista privilegiava determinada mensagem, ainda que em detrimento de uma suposta “precisão histórica”; o elemento projetivo das biografias sobre Jesus, uma vez que os biógrafos retratavam a personalidade do Mestre ao sabor das suas preferências e conveniências pessoais.

O ocaso da Teologia Liberal contribuiu para o surgimento da chamada “Teologia Dialética”, herdeira da filosofia existencialista de Heidegger, segundo a qual “o ser humano conquista sua ‘autenticidade’ apenas na decisão, a qual não pode ser assegurada mediante argumentos objetiváveis (como o conhecimento histórico).
Para um existencialismo cristão a decisão é a resposta ao chamado de Deus no querigma3 da cruz e da ressurreição de Cristo, que  o ser humano compreende por meio de um morrer e viver existencial em Cristo”.4

O trabalho de R. Bultmann (1884-1976), o mais destacado exegeta da Teologia Dialética, reflete o ceticismo histórico que tomou conta dos pesquisadores, após o colapso da pesquisa tradicional. Na sua concepção, o Cristianismo começa apenas com a Páscoa, razão pela qual conclui que o ensino de Jesus não é relevante para uma Teologia Cristã. Nessa abordagem, o Jesus histórico não é objeto nem fundamento da pregação neotestamentária, que se baseia exclusivamente no “Cristo” percebido e divulgado após o Pentecostes (Cristo Querigmático).5

A Quarta Fase da pesquisa, desenvolvida no círculo dos discípulos de Bultmann, propõe uma “nova pergunta” pelo Jesus histórico, buscando o elo entre a pregação
pós-pascal dos apóstolos e a pregação do próprio Jesus. Enquanto a “antiga pergunta” (Teologia Liberal) contrapunha Jesus à pregação da Igreja, a “nova pergunta” procura harmonizar esses dois elementos.

No lugar da reconstrução crítico-literária das fontes, a metodologia da Teologia Dialética se concentra na comparação entre a história das religiões e a história da tradição evangélica.Nesse contexto, assume papel relevante o intitulado “critério da diferença”, segundo o qual, para se reconstruir um mínimo de tradição autêntica sobre Jesus, torna-se necessário excluir tudo que possa ser derivado tanto do Judaísmo quanto da pregação apostólica, nabusca da voz “original” do Cristo.

Na opinião dos estudiosos do tema:

[...] com o fim da escola bultmaniana ficaram cada vez mais evidentes as arbitrariedades da “nova pergunta” pelo Jesus histórico. Ela era basicamente determinada pelo interesse teológico de fundamentar a identidade cristã ao distingui-la do judaísmo e de garanti-la ao separá-la de heresias cristãs primitivas (como a gnose e o entusiasmo carismático).Por isso ela deu preferência a fontes ortodoxas e canônicas.6

Assim, o esforço para minimizar os contornos judaicos da mensagem cristã constitui o aspecto problemático dessa abordagem, já que favoreceu o anti-semitismo, desfigurando o pano de fundo histórico dos evangelhos para torná-lo mais palatável aos existencialistas.

A Quinta Fase da pesquisa, também conhecida como terceira busca (Third Quest), que se desenvolveu, sobretudo, nos países de fala inglesa, procura superar essas
idiossincrasias. Nela, o interesse histórico-social substitui o interesse teológico, ao passo que a inserção de Jesus no Judaísmo substituiu o interesse de separá-lo das
suas bases históricas e sociais. Há, também, maior abertura a fontes não-canônicas (em parte heréticas), tais como os apócrifos.

Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa hodierna, tais como história antiga, crítica literária, crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia, religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época.

Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos, premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente às expectativas dos crentes atuais.
No entanto, ao montar o quebra-cabeça da história do Cristianismo Primitivo com as escassas peças disponíveis, nem sempre é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose de imaginação.

Na avaliação de Gerd Theisen:

[...] todas as descrições de Jesus contêm um elemento construtivo que vai além dos dados contidos nas fontes. A imaginação histórica cria com suas hipóteses uma “aura de ficcionalidade” em torno da figura de Jesus, assim como a imaginação religiosa do Cristianismo primitivo. Pois tanto aqui como lá atua uma grande força imaginativa, acesa pela mesma figura histórica. Em ambos os casos, ela opera de forma aberta: símbolos religiosos, imagens e mitos permitem sempre nova interpretação, hipóteses históricas permitem sempre nova correção.Neste processo, nem a construção religiosa, nem a reconstrução histórica da história de Jesus procede com arbitrariedade, mas com base em convicções axiomáticas. A imaginação religiosa do cristianismo primitivo é conduzida pela sólida crença de que por meio de Jesus é possível fazer contato com Deus, a realidade última. A imaginação histórica é determinada pelas convicções básicas da consciência histórica: todas as fontes se originam de seres humanos falíveis e devem, portanto, ser submetidas à crítica histórica.7

O espírita-cristão, abençoado pela revelação dos Espíritos superiores, especialmente na produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, conta com um elemento precioso, muitas vezes negligenciado. Os romances do Benfeitor Emmanuel constituem detalhado processo de reconstrução dos três primeiros séculos do Cristianismo.

Nesses romances, alguns dados da pesquisa histórica puramente humana são confirmados, todavia, muitas retificações são feitas, de forma sutil. Exige-se do leitor exame cuidadoso, sob pena de serem divulgadas informações espiritualmente incorretas, apenas porque determinado pesquisador encarnado as defenda em suas obras.

Nesse sentido, é valiosa a advertência de Emmanuel:

[...] Hipóteses incontáveis foram aventadas, mas os sábios materialistas, no estudo das idéias religiosas, não puderam sentir que a intuição está acima da razão e, ainda uma vez, falharam, em sua maioria, na exposição dos princípios e na apresentação das grandes figuras do Cristianismo.

[...] É que, portas a dentro do coração, só a essência deve prevalecer para as almas e, em se tratando das conquistas sublimadas da fé, a intuição tem de marchar à frente da razão, preludiando generosos e definitivos conhecimentos.8

Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, razão pela qual, antes de iniciarmos nosso estudo da “História Apostólica”, à
luz da obra Paulo e Estêvão, decidimos fazer um histórico da pesquisa acadêmica, a fim de evitar, ou pelo menos conhecer, as extravagâncias e equívocos de seus expositores.

Referência:

1THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
2Termo alemão que significa “fonte”. Schleiermacher foi o primeiro a propor a existência de uma coletânea de declarações de Jesus como uma das fontes dos evangelhos. Alguns críticos acreditam que Papias faz referência a esse documento quando
3No grego, essa palavra (querigma) significa “a coisa pregada”, a pregação dos primeiros cristãos, ou melhor, o conjunto de crenças básicas por eles defendidas e
divulgadas.  menciona a existência das “Logias” de Levi. Todavia, cumpre salientar que não há comprovação histórica da existência do referido documento. O trabalho dos estudiosos tem sido selecionar ditos de Jesus, nos evangelhos de Mateus e Lucas, ausentes no evangelho de Marcos, propondo que essa seleção aponte para a suposta fonte “Q”. Em resumo, estamos diante de uma hipótese que deve ser analisada com cautela.
4THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
5O Cristo retratado na pregação dos apóstolos e dos primeiros cristãos do Século I.
6THEISEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 28.
7THEISEN, Gerd; MERZ,Annette. O Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
8XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIV, item “A redação dos textos definitivos”, p. 124-125.

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 146 • Janeiro  2008


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História da Era Apostólica - A fé transporta montanhas


HAROLDO DUTRA DIAS
  
“Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém
adorareis o Pai [...] Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade.”1

A passagem acima citada diz respeito ao encontro da mulher de Samaria com Jesus. A samaritana indaga quanto ao verdadeiro local de adoração a Deus, se no monte Gerazim (Samaria) ou, ao contrário, no monte Sião (Jerusalém). O Mestre lhe responde, todavia, que os verdadeiros adoradores adoram a Deus em espírito e verdade, não em pontos geográficos fixos.

Com o Cristo, transportam- se as montanhas sagradas, da tradição bíblica, para o interior da alma. Assim, haverá um santuário espiritual erguido ao Criador em todos os lugares da Terra onde estiver presente um espírito sincero e fervoroso, visto que a adoração terá lugar portas adentro do coração.

A fé transporta montanhas. Mudando o enfoque, urge reconhecer que a edificação do “Reino de  Deus” representa verdadeira obra divina a desdobrar- -se, também, no coração dos seres. No entanto, não raro, exige trabalhos ingentes, inúmeros sacrifícios e lutas acerbas, decorrentes do esforço de superação das nossas deficiências íntimas.

Desse modo, com o propósito de debelar o pessimismo, o desânimo, a incerteza, a hesitação, Jesus nos ensina que: “[...] se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará, e nada vos será impossível”.2

 A fé “é força que nasce com a própria alma, certeza instintiva na Sabedoria de Deus que é a sabedoria da própria vida [...]”,3 não obstante as adversidades de cada dia. Consoante o ensino de Emmanuel:

Ter fé é guardar no coração a luminosa certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo o coração repousar numa energia constante de realização divina da personalidade.

Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. Essa fé não pode estagnar em nenhuma circunstância da vida e sabe trabalhar sempre, intensificando a amplitude  de sua iluminação, pela dor ou pela responsabilidade, pelo esforço e pelo dever cumprido.

Traduzindo a certeza na assistência de Deus, ela exprime a confiança que sabe  enfrentar todas as lutas e problemas, com a luz divina no coração, e significa a humildade redentora que edifica no íntimo do espírito a disposição sincera do discípulo, relativamente ao “faça- se no escravo a vontade do Senhor”.4

Sensível aos desafios que o progresso espiritual apresenta, Allan Kardec asseverou:

 [...] As montanhas que a fé desloca são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em  suma, com que se depara da parte dos homens, ainda quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha pelo progresso da Humanidade.[...]5

A fé transporta montanhas. Noutro giro, consultando o dicionário constata-se que o vocábulo “fé” cobre um amplo espectro de significados, tais como: “[...] confiança absoluta (em alguém ou algo); [...] crédito, [credibilidade] (um homem digno de fé); [...] asseveração, afirmação, comprovação de algum fato; [...] compromisso assumido de ser fiel à palavra dada, de cumprir exatamente o que se prometeu”.
6 (Destaque do autor.)

A palavra “fé” é utilizada para  traduzir, na Bíblia hebraica (Velho Testamento), o radical “aman” (confirmar, sustentar; estabelecer- se; ser fiel; estar certo, crer em), bem como os seus derivados, em especial, os termos “omen” (verdade, fidelidade) e “emuna” (firmeza, fidelidade).

Vê-se que, no âmago dos significados dessa raiz, está a idéia de certeza, mas também o sentido de “ser fiel” (2 Crônicas 19:9).

Por sua vez, no Novo Testamento, utiliza-se o vocábulo “fé” para traduzir a expressão grega7 “pistis” (fé, confiança depositada nas pessoas ou nos deuses), e especialmente seu derivado “to piston” (confiabilidade ou fidelidade daqueles que se obrigam por um contrato).

Nesse ponto, Humberto de Campos vem em nosso socorro, reproduzindo belíssimo diálogo de Jesus com os discípulos:

– Na causa de Deus, a fidelidade deve ser uma das primeiras virtudes. Onde o filho e o pai que não desejam estabelecer, como ideal de união, a confiança integral e recíproca? Nós não podemos duvidar da fidelidade do nosso Pai para conosco. Sua dedicação nos cerca os espíritos, desde o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e já Ele nos amava. E, acaso, poderemos desdenhar a possibilidade de retribuição? Não seria repudiarmos o título de filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver no afastamento, favorecendo a negação?

 [...] É certo que as forças destruidoras reclamarão a indiferença e a submissão do filho de Deus; mas, o filho de coração fiel a seu Pai se lança ao trabalho com perseverança e boa vontade. Entrará  em luta silenciosa com o meio, sofrer-lhe-á os tormentos com heroísmo espiritual, por amor do Reino que traz no coração plantará uma flor onde haja um espinho; abrirá uma senda, embora  estreita, onde estejam em confusão os parasitos da Terra; cavará pacientemente, buscando as entranhas do solo, para que surja uma gota d’água onde queime um deserto. Do íntimo desse trabalhador brotará sempre um cântico de alegria, porque Deus o ama e segue com atenção.8

Munidos de fé sincera estaremos em condições de atravessar esses difíceis momentos de transição do orbe terrestre, bem como triunfar nas provas e expiações, rumo à iluminação espiritual.

É preciso procurar “[...] as águas vivas da prece para lenir o coração, mas não nos esqueçamos de acionar os nossos sentimentos, raciocínios e braços, no progresso e aperfeiçoamento de nós mesmos, de todos e de tudo, compreendendo que Jesus reclama obreiros diligentes para a edificação de seu Reino em toda a Terra”.9

A fé transporta montanhas.

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 149 • Abr i l 2008

Referência:

1Bíblia de Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 4: 21-24, p. 1851.
2Idem, ibidem. Mateus, 17: 20, p. 1735.
3XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. 6, p. 32.
4XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 354.
5KARDEC, Allan. O Evangelho  segundo o Espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIX, item 2.
6HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco M. M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2007. p. 1317.
 7Todos os manuscritos do Novo Testamento, encontrados e catalogados até o presente momento, estão redigidos na língua grega, excetuando-se os manuscritos referentes às diversas traduções desse mesmo texto. 32 150 Reformador • Abr i l 2008
8XAVIER, Francisco C. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 3. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 6, p. 49-50 e 53-54.
9XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2007. Cap. 69, p. 180-181.


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História da Era Apostólica Jesus – Governador Espiritual do Orbe


HAROLDO DUTRA DIAS

“Não podemos conhecer o Jesus ‘real’ através da pesquisa histórica, quer isto signifique sua realidade total ou apenas um quadro biográfico razoavelmente completo. No entanto podemos conhecer o ‘Jesus histórico’. Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.”


Um longo itinerário foi percorrido para que pudéssemos resumir as fases da pesquisa histórica sobre o Cristianismo, antes de compará-la com o material revelado pela Espiritualidade superior.

Novamente, utilizamos como epígrafe a citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais
eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração. Ao estabelecer os limites da ciência e da investigação humanas, ele adverte:

Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos “resgatar” e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.

A atitude de prudência e humildade esboçada por esse autor, favorece o diálogo com a Doutrina Espírita que, por sua vez, oferece subsídios valiosos, inacessíveis aos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”. Não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suas conclusões, numa atitude mística incompatível com a fé raciocinada. O desafio é “complementar”, “unir”, “dialogar”, onde ambas as partes estão dispostas a ouvir e a falar, sem submissão ou subserviência.

Doravante, destacaremos a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de  graves problemas relativos à história de Jesus, dos seus seguidores diretos, e do Cristianismo, de modo geral, visando à apropriação, com maior segurança e legitimidade, da essência da Boa Nova, alicerce de todas as propostas de renovação veiculadas pela Doutrina dos Espíritos.

 Nessa linha de raciocínio, somos inevitavelmente levados a indagar: Quem é Jesus na visão da Espiritualidade superior? A resposta, em O Livro dos Espíritos, é sobejamente conhecida, mas ainda nos convida a profundas reflexões:

625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo? “Jesus.”

Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque, sendo Jesus o ser mais puro que já apareceu na Terra, o Espírito Divino o animava. Se alguns dos que pretenderam instruir o homem na lei de Deus, algumas vezes o desencaminharam, ensinando-lhe falsos princípios, foi porque se deixaram dominar por sentimentos demasiado terrenos e porque confundiram as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo.Muitos deles apresentaram como leis divinas o que eram simples leis humanas, criadas para servir às paixões e para dominar os homens. (Comentário de Kardec.)2

O Benfeitor Emmanuel, por sua vez, enriqueceu nossos estudos com surpreendentes informações sobre o papel desempenhado por Jesus na condução dos destinos humanos:

Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas  as coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos  e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução de problemas decisivos da organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso dos milênios conhecidos.

A primeira, verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção.3

Diante do assombro dessas revelações de Emmanuel, resta-nos indagar o que são Espíritos puros.A  informação é encontrada em O Livro dos Espíritos, nas respostas dadas pelos benfeitores espirituais a Allan Kardec, nas seguintes questões:

112. CARACTERÍSTICAS GERAIS – Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens.

113. Primeira classe. Classe única. Percorreram todos os graus da escala [ver questões 100 e seguintes] e se despojaram de todas as impurezas da matéria.
Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm que sofrer mais provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.
.....................................................
128. Os seres que chamamos anjos, arcanjos, serafins, formam uma categoria especial, de natureza diferente da dos outros Espíritos?
“Não; são os Espíritos puros: os que se acham no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições.”
....................................................
170. Em que se transforma o  Espírito depois da sua última encarnação?

“Em Espírito bem-aventurado; em Espírito puro.”4

É forçoso concluir, com o professor John P. Meier, que os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica não são capazes de nos mostrar o “Jesus real”. Talvez seja essa a razão pela qual os historiadores, como demonstrado nos artigos anteriores, acabam por apresentar uma imagem distorcida de Jesus.

Jesus é o Governador Espiritual do Planeta, em cujas mãos repousam os destinos de toda a humanidade terrena.

A tentativa de reduzir o Mestre aos parâmetros estritamente humanos decorre da visão materialista da maioria dos pesquisadores. É nesse ponto que a revelação espiritual pode contribuir para a reconstituição do “Jesus real”, restabelecendo a legítima compreensão do Cristianismo.

Emmanuel destaca a relevância da atuação do Mestre, a pujança da sua influência, no que diz respeito aos rumos do progresso terrestre.

Encerramos este artigo com mais uma notável citação desse Espírito, que descortina detalhes do Governo espiritual do Cristo:

Vê-se, então, o fio inquebrantável que sustenta os séculos das experiências terrestres, reunindo- as, harmoniosamente, umas às outras, a fim de que constituam
o tesouro imortal da alma humana em sua gloriosa ascensão para o Infinito.
....................................................
Na tela mágica dos nossos estudos, destacam-se esses missionários que o mundo muitas vezes crucificou na incompreensão das almas vulgares, mas, em tudo e sobre todos, irradia-se a luz desse fio de espiritualidade que diviniza a matéria, encadeando o trabalho das civilizações, e, mais acima, ofuscando o “écran” das nossas observações e dos nossos estudos, vemos a fonte de extraordinária luz, de
onde parte o primeiro ponto geométrico desse fio de vida e de harmonia, que equilibra e satura toda a Terra numa apoteose de movimento e divinas claridades.

Nossos pobres olhos não podem divisar particularidades nesse deslumbramento, mas sabemos que o fio da luz e da vida está nas suas mãos. É Ele quem sustenta
todos os elementos ativos e passivos da existência planetária.No seu coração augusto e misericordioso está o Verbo do princípio. Um sopro de sua vontade pode
renovar todas as coisas, e um gesto seu pode transformar a fisionomia de todos os horizontes terrestres.5

Referência:

1MEIER, John P. Um judeu marginal:  repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p. 35.
2 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Edição Comemorativa do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: FEB, 2007. 3XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. I, item A Comunidade dos Espíritos Puros, p. 17.
3XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. I, item A Comunidade dos Espíritos Puros, p. 17.
4KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Edição Comemorativa do Sesquicentenário.
Rio de Janeiro: FEB, 2007.
5 XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Introdução”, p. 14-15. reformador março 2008 - b.qxp 3/4/2008 10:48 Page 33

Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 148 • Março  2008

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domingo, 5 de junho de 2016

Diálogo entre Espírito e Alma


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Allan Kardec, como bom cientista e homem experiente, compreendia a importância de que cada conceito seja expresso através do termo apropriado a fim de facilitar o entendimento. Depreende-se esse cuidado do codificador na escrita dos itens I e II da Introdução de O Livro dos Espíritos. Mais adiante, na questão 134, os Espíritos estabeleceram uma diferen-ciação entre espírito e alma, definindo esta última como "Um Espírito encarnado".

À primeira vista não parece haver tanta diferença entre um e outro, pois a alma continua sendo um Espírito só que agora envolvido num corpo físico. Na prática, porém, há poucas semelhanças, pois o simples fato de participar de um meio material através do organismo biológico desenvolve mudanças graves na expressão, percepção, comunicação e locomoção do Espírito. Podemos imaginar um diálogo mais ou menos assim entre o espírito e a alma.

Espírito - Eu sou o ser essencial, o princípio inteligente, criado por Deus em um momento tal que não consigo decifrar, pois se perde na noite da minha infância como ser existente.

Alma - Eu carrego comigo essa essência, porém sou obrigado a carregar também um organismo pesado, como uma grossa vestimenta que mais parece um escafandro de carne. Existo a partir do instante em que penetro o mundo da matéria arrastado pelo corpo físico.

Espírito - O que eu penso, existe para mim. Meu pensamento é criador, cria a minha realidade íntima e também externa. Possuo a capacidade de exteriorização do pensamento que se concretiza como sendo o mundo objetivo em que vivo e que reflete o que carrego em mim, que pode ser um jogo de luz, de sombra ou os dois juntos.

Alma - Em mim, amigo Espírito, há uma desvantagem e uma vantagem. Desvantagem por que eu perdi esse potencial criador. Bom, pelo menos parte dele. Meu pensar já não consegue criar tanto, mas continua produzindo o mundo subjetivo dos meus sonhos, das minhas lembranças boas ou ruins. Não consigo manipular ao meu gosto os materiais ao meu redor. Pelo menos isso me traz uma vantagem: os desregramentos do pensamento não causam impacto ime-diato, pois que o material de que é feito o organismo físico serve de abafador do pensamento, de redutor, de isolante entre o pensamento e a realidade externa. Você é o grande ser abaixo de Deus, eu sou simplesmente uma alma.

Espírito - Você é que é feliz, minha amiga, pois as experiências que você produz é que me fizeram ser o que sou. Minhas capacidades desenvolvi graças a você ter se sacrificado bravamente nos recônditos da materialidade, des-de as longínquas eras em que o homem ainda perambulava de lugar em lugar à cata dos alimentos das árvores, lutando ferozmente pela sobrevivência de mais um dia junto com a sua prole e o seu bando, passando pelas lutas acerbas de todas as épocas enfrentando variadas experiências para dar desenvolvimento aos germes de inteligência que o Pai plantou.

Alma - Realmente eu vivo em um mundo difícil, buscando arar o solo ingrato do meu ser, à custa de sacrifícios e às vezes de sofrimentos.

Espírito - Você é apontada pelos versos dos poetas, embeleza as letras das músicas, é procurada pelos estudiosos da psique humana, pois que você assim o é, produz o calor humano, ameniza o furor dos descontrolados, pacifica o coração da mãe aflita, alivia o calor das paixões, arrebata o crente mais crente no testemunho da sua fé.

Alma - Isso ocorre, caro irmão Espírito, mas eu só consigo deixar aparecer um laivo daquilo que você é, eu só consigo manifestar uma réstia daquilo que é o princípio inteligente do Universo. A minha comunicação com os outros é lenta, difícil, entremeada de interpretações. Os meios de que me utilizo são limitados, uma boca, dois ouvidos, mãos e todo um arcabouço que para você deve ser muito desengonçado e simplório.


Alma - Você é mais sensível que eu. Em mim, tanto as impressões boas quanto ruins são abrandadas pelo meu instrumento grosseiro de aprendizado. Isolada aqui na matéria, eu me sinto às vezes numa corda bamba prestes a cair nas tentações e nos arrastamentos a que o corpo me submete. Feliz-mente, de vez em quando eu me comunico com você, Espírito, nos momentos de reflexão, de intros-pecção, de emancipação. Assim eu posso beber da sua sensatez. Você me faz lembrar dos meus compromissos, você que é muito mais antigo que eu, de uma vastidão muito maior que a minha. Desses contatos eu sempre volto pensativa. Às vezes esses encontros me fazem sofrer, quando eu percebo que não estou fazendo como deveria. Você alerta a minha consciência e isso às vezes dói, quando eu não estou seguindo o caminho que você traçou para mim.

Espírito - Este é o meu papel, pois é de meu inte-resse que você consiga realizar todo o planejamento. Só assim eu posso crescer, armazenar conheci-mentos e refinar os meus sentimentos. A você eu sou muito grato, alma amiga, pois é através das suas lutas e sacrifícios que eu me purifico.

Alma - Eu sou a sua projeção aqui na Terra, sou uma das suas faces moldada pelo meio em que habito e por tudo que eu vivo. Ao retornar em definitivo para o Mundo Espiritual me somarei aos milhares de experiências que você acumulou durante sua exis-tência. Sei que assim serei mais feliz, mas enquanto aqui estiver, valorizarei cada dia, cada instante até que eu aprenda a submeter esse corpo que por enquanto é mais forte que eu.

Espírito - Assim será, pois do teu esforço sairás límpida da Terra e serás mais um personagem por mim vivido, acumulando luz num progresso sem fim.
***
Se pudéssemos comparar, a alma representa a persona, a máscara, o personagem vivido no grande teatro da vida. O Espírito é o ator que se expressa de maneiras diferentes a cada peça em que atua. O autor é Deus que dispôs para nós os cenários, as vestimentas e tudo o mais que é necessário ao enredo da vida, deixando que atuemos com liberdade de expressão, mas respondendo sempre por aquilo que fizermos.


Fonte: Jornal Vortice ANO VIII, Nº 10 - Março– 2016

Emancipação da Alma – Morte Aparente


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Certos povos do oriente se dedicam milenarmente a certas práticas que para a mentalidade médica ocidental não passa de expressões de anormalidade, sendo passíveis de tratamento. A morte aparente é um desses fenômenos que impressionam pelo inusitado em que, como o termo diz, o indivíduo mostra-se com todas as aparências da morte. O que para os iniciados orientais é natural e controlável, para nós ocidentais ainda soa como algo extraordinário que assusta ou deslumbra.

Os estados letárgicos avançados podem levar ao fenômeno de quase morte onde o sensitivo voluntária ou involuntariamente atinge um grau elevado de transe fazendo mas vezes com que as batidas do coração e a respiração não sejam mais sentidas. O Espírito ainda permanece ligado ao corpo, mas a vida fica por um fio.

É do conhecimento popular os casos de pessoas que eram enterradas vivas, pois ao se abrir o caixão, encontrava-se o defunto ou o seu esqueleto em posição diversa daquela na qual foi enterrado. Isso se dava numa época e região em que os conhecimentos médicos ainda não tinham alcançado o desenvolvimento moderno.

No Evangelho de João encontramos um exemplo de quase morte no sepultamento de Lázaro.

Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta.

E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com unguento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo.

Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas.

E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela.

Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono.

Chegando, pois, Jesus, achou que já havia quatro dias que estava na sepultura.

(Ora Betânia distava de Jerusalém quase quinze estádios.)

E disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe: Senhor, vem e vê.

E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora.

E o defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus: Desligai-o, deixai-o ir.

(João, XI, 1-4, 11, 17, 18, 34, 43, 44)

Logicamente, Lázaro não estava morto, pois nesse caso os elementos orgânicos já se encontrariam esparsos pela natureza impossibilitando o retorno à vida. Jesus usou da sua autoridade moral e força magnética conclamando Lázaro a retomar ao corpo, o que ele obedece de pronto. Para a época, este feito de Jesus era um verdadeiro milagre de ressurreição. Os conhecimentos magnéticos esclarecem a questão mostrando que a vontade irresis-tível do Mestre restituiu as ligações vitais que haviam se afrouxado entre o Espírito e o corpo, não permitindo que o fenômeno se desenvolvesse em direção à morte.

O fenômeno de quase morte pode ser realizado voluntariamente por pessoas de grande experiência, treinadas para tal, que conseguem emancipar-se do corpo físico e voltar ao estado de vigília de maneira programada, revelando uma grande autodisciplina.

Fonte: Jornal Vortice ANO VIII, Nº 12 – Maio – 2016