Com Mesmer,
tudo muda: Mesmer foi o iniciador do magnetismo animal, que, sem poder ser
confundido com o metapsiquismo, está com ele estreitamente unido.
(1) -
Acerca da obra de Mesmer e as origens do magnetismo, deve-se consultar
sobretudo o notável artigo de J. Ochorowicz, Hypnotisme, no Dict. De Physiologie de Ch. Richet, Paris, 1909, VIII, 709, 777 - K.
Kiesewetter, Geschichte des neueren Occultismus; geheimwissenschftfiche Systeme
von Agrippa, por Karl du Prel, 2º edição, Leipzig, 1907. Quanto à
bibliografia do magnetismo animal e do hipnotismo, consulte-se o livro do
Senhor Dessoir.
Em 1776, Antoine Frédéric Mesmer (1733-1815) apresentou em Viena, como tese inaugural de doutoramento em medicina, um estudo sobre a influência fisiológica dos planetas.(2)
(2) -
Diss. physico-medica de planeatrum influxu, 48 págs., 16º, Vindobonae, Ghelen,
1766.
Durante dez
anos, de 1766 a 1776, estudou, refletiu, analisou, tentando combinar a astronomia
com a medicina e procurando sem rodeios o espalhafato da publicidade. Em 1778,
chega a Paris e no ano seguinte publica a sua primeira obra dogmática.(1)
(1) - Mémoire sur la découverte du magnétisme animal, 85, 12°, Genève et Paris, P.F. Didot, 1779 - Ochorowicz prestou inteira justiça a Mesmer, que indiscutivelmente foi um precursor.
Compreendeu-se
desde logo que se tratava de fatos novos e extraordinários. Acendeu-se a
discussão. A Sociedade Real de Medicina, a Academia das Ciências e a Faculdade
- intervieram. Ficou provado que pelos métodos de Mesmer um certo estado
psicofisiológico era provocado e algumas vezes podia ser eficaz nas curas das
doenças.
A nova
doutrina conquistou imediatamente numerosos adeptos, tais como médicos,
magistrados, gentis-homens, sábios. Em breve o magnetismo foi abertamente
praticado. E isto graças sobretudo a Puységur, que, modificando os métodos de
Mesmer, criou na verdade, em companhia de D'Elon e o naturalista Deleuze,
bibliotecário da Biblioteca do Jardim das Plantas, o magnetismo animal
(sonambulismo provocado) tal qual o conhecemos nos dias de hoje. (2)
(2) - Máxime de Puységur, Rapport des cures opérées à Bayonne par lê magnétisme animal, adresse à M. I'abbé de Poutouzat, conseiller clerc au Parlamente de Bordeaux, Bayonne, 1784. Mémoires pour servir à I'établissement du magnétisme animal, Paris, 8°-, 1820 - Deleuze, Histoire critique du magnétisme animal, 1º edition, 1813 - Pététin, Electricité animale, mémoires sur la catalepsie - Foissac. Rapport et discussions sur le magnétisme animal, Paris, 1825 - Deleuze, Instruction pratique sur le magnétisme animal, dern. éd., Paris, 1853.
Mesmer,
adotando a palavra magnetismo, queria somente significar ação a distância, como
outrora Paracelso ou Goclênio, quando falavam da ação magnética dos astros ou
das substâncias. É nesse sentido que Mesmer é mais metapsíquico do que o foram
os seus sucessores imediatos.
Com Puységur, D'Elon, Deleuze, a magnetização veio a ser sobretudo um processo terapêutico. Seja lá como for, já naqueles tempos, como nos de hoje, os fatos metapsíquicos, a ação à distância, a visão através dos corpos opacos, a clarividência (ou lucidez) foram observados. Mas - e isto é digno de nota - quase todo o esforço dos magnetizadores se limitou à diagnose e à terapêutica das doenças.(1)
(1) - Há uma obra póstuma de Deleuze, Mémoire sur la faculté de prévision, anotada por M. Mielle, Paris, 1834. Pététin, médico em Lyon, citou diversos fatos de criptestesia, que ele explica ingenuamente por uma sensibilidade especial do epigastro. Um dos seus doentes, cataléptico, quando lhe metiam uma carta no estômago, a reconhecia. Pététin foi um dos magnetizadores de antanho que, com maior cuidado estudou os fenômenos psicológicos, ou por melhor dizer, metapsíquicos, os quais geralmente acompanham o estado de hipnose.
O barão de Du Potet e Husson, médico no Hospital Geral e membro da Academia de Medicina, fizeram, em 1825, famosas experiências acerca do sonambulismo provocado a distância.(2) Um relatório memorável, apresentado na Academia de Medicina de Paris, apareceu em 1833 (Husson, relator).
(2) - Die Sehrin von Prevorst, Eroffnungen uber das innere teben d. Menschen und uber das Hereinragen einer Geisterwelt in die unsere, Stuttgart, 1829, 5á edit., Stuttgart, 1877. Die Seherin von Prevors tund ihre Geschichte in der Geisterwelt, nach Just. Kerner, von Binem ihrer Zeitgenossen, Stuttgart, 1869 - A. Reinhard, Justinus Kerner un das werner haus, zu Weinberg, Tubingen, 1866 - J. Kerner, Blatter aus Prevorst Originalien und Lesefruchte fur
Freunde des innern Lebens, Stuttgart, 1831-1839.
Entre as
conclusões a que chegaram, assinalarei as seguintes, que poderão parecer
temerárias até nos dias de hoje:
"A vontade, a fixidez do olhar, são o suficiente para produzir os fenômenos magnéticos mesmo à revelia dos magnetizados."
"O
estado de sonambulismo pode dar azo ao desenvolvimento de faculdades
novas designadas com o nome de clarividência, intuição, previsão
interior."
"Pela
vontade, pode-se não somente agir sobre o magnetizado, mas também pô-lo
completamente em estado sonambúlico, obrigar o seu espírito, mesmo contra a
própria vontade, a deixar o recinto, indo para lugares de certa distância e
através de portas fechadas."
"Vimos
dois sonâmbulos distinguir, com os olhos fechados, objetos colocados diante
deles, e, sem lhes tocar, nomear a cor e o valor das cartas, ler palavras
escritas à mão ou algumas linhas de livros que se abriram ao acaso.
Processou-se esse fenômeno justamente no instante em que se colocavam os dedos
em suas pálpebras, impedindo-lhes a visão."
Não
obstante essas afirmações, o ceticismo dos sábios oficiais triunfou. O
relatório de Husson foi combatido, depois esquecido, e os fenômenos
metapsíquicos, dos quais se aproveitaram os romancistas, foram negados ou antes
menosprezados pelos homens de ciência.
Na Alemanha, houve uma observação notável, como aquela de Frederica Hauff, que Justinus Kerner, médico e poeta, estudou por muito tempo.
Ninguém
duvida que Frederica Hauff não tenha sido poderosa médium. Ela via espíritos e
era também médium de materialização. "Um dia, diz Kerner, enquanto eu
conversava com o seu irmão, disse-me: Silêncio! Eis aí um espírito que
atravessa o quarto e vai de encontro à minha mãe. Vi então perto do leito de
Frederica Hauff uma forma indecisa, uma como que coluna luminosa, tendo o talho
de um ser humano, o qual estava ao pé do leito da vidente e lhe falava em voz
baixa."
Ouviam-se ao derredor dela pancadas que se produziam espontaneamente: ouviam-se elas até nos objetos vizinhos, nas mesas, na madeira do leito. Os objetos podiam mover-se sem contato e é provável que ela falasse línguas estranhas.
Produziu
fenômenos de levitação. Foi somente por três anos, de 1826 a 1829, que produziu
esses notáveis fenômenos, durante os quais se achava doente e não podia quase
levantar-se da cama. Todos aqueles que, em vez de chasquear, estudaram
Frederica Hauff, ficaram convencidos não somente de sua boa-fé, mas também dos
fenômenos metapsíquicos, ou sobrenaturais, como se dizia então: por exemplo, o
magistrado Pfaffer e Strauss, o célebre autor da Vida de Jesus.
Nessa época
também, na Alemanha, apareceram os trabalhos de Reichembach. A sua obra demais
a mais antes é um capítulo (aliás bem obscuro) de fisiologia do que de
metapsíquica, porque a ação do ímã nos organismos não pode confundir-se com a
criptestesia ou a telecinesia. Os trabalhos de Reichembach foram infelizmente
muitos menos estudados do que contestados (1)
(1) - A. de Rochas publicou-os parcialmente em francês, com interessantes adições. O que se relaciona inteiramente com a metapsíquica são os fenômenos de lucidez que, sobretudo na França, provocaram os sonâmbulos como a Senhora Pigeaire e Aléxis Didier. Entretanto, salvo honrosas exceções, os sábios e os médicos, de 1830 a 1870, não se ocuparam do sonambulismo senão para combatê-lo. Compreende-se muito bem o seu estado de alma. Fazendo comércio da chamada virtude terapêutica do magnetismo, numerosos sonâmbulos, lúcidos ou extralúcidos, estabeleceram-se com gabinetes de consulta em toda a parte, não só em França mas também no estrangeiro, tanto nas pequenas como nas grandes cidades.
Houve
sonâmbulos em todas as feiras. O sonambulismo tornou-se até uma profissão, cuja
moralidade era problemática. Os sonâmbulos tiravam a sorte pelas cartas,
adivinhavam o futuro pela borra de café ou entregavam-se à quiromancia. A gente
crédula os procurava e os sábios erguiam os ombros. De embrulho com essa
moxinifada, a clarividência de certos sonâmbulos, como a da Senhora
Lenormand, Senhora Pigeaire e Alexis, diminuía de valor e desaparecia. Sem
embargo, houve algumas obras sérias.(2)
(2) - Du Potet, Essai sur I'enseignement philosophique du magnétisme, Paris,
1845 - La
Fontaine, L'art de magnétiser ou le magnétisme vital considéré sous le point de
vue théorique, pratique et thérapeutique, Paris, 1847, 5º édit., 1887 -
Bertrand A., Du magnétisme animal em France, suivi de considérations sur
I'apparition de I'extase dans les traitements magnétiques, Paris, 1826 -Teste,
Manuel pratique du magnétisme animal, 12º, Paris, 1840, Elliotson, Animal
magnétisme, Lancet, 1837, p.1338, p. 122, 282, 377, 400, 441, 516, 546, 585,
615, 634 - Esdaille, Reports of the magnetic Hospital, Calcutta, 1848,
761 - Passavant, Untersuchungen uber den Lebenmagnetismus und das
Hellsehen, 2º édit., Franckfurt-A.-M. 1837.
Apareceram numerosos jornais, que, em geral, tiveram vida efêmera. Outros, ao contrário, viveram ainda por muito tempo. O Journal du Magnétisme, publicado por Du Potet, 1845-1885 - The Zoist, Journal of cerebral physiology and mesmerism and their applícation to human we fare (Londres, H. Baillière, 1843-1853) - Archiv fur den thierischen Magnetismus, Altenburg e Leipzig, 1817-1822. Poder-se-iam citar outros mais.
Tratado de Metapsíquica - Charles Richet
Traduzido do Francês: Traité de metapsychique 1922
http://www.batuiranet.com.br/
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