Dr. Nubor
Facure
Quando se
fala em estudo clínico abrimos mão de qualquer pressuposto teórico, explicativo
ou justificativo, o que nos interessa é a pessoa diante de nós. Como exemplo,
podemos citar a depressão e o delírio, ambos podem ser descritos em seus
elementos característicos e em suas causas motivadoras, porém uma descrição
clínica só poderá ser feita diante de um ser humano que manifeste um ou outro
e, nessa pessoa, o delírio ou a depressão terão particularidades decorrentes do
histórico de vida e da personalidade de quem observamos clinicamente.
Vejo assim a
mediunidade analisada do ponto de vista clínico, porque ela é um fenômeno que
se manifesta num ser humano, possuidor de uma historia de vida e de sua
personalidade.
Clinicamente
podemos descrever vários aspectos que se revelam na mediunidade: a sua
apresentação antropológica, seu modo de início, sua distribuição quanto ao
gênero e a idade, sua duração e constância, seus desencadeantes, suas
complicações e seu possível diagnóstico e como diferenciá-la dos quadros comuns
da psicopatologia humana como a histeria e as psicoses.
O estudo antropológico
da mediunidade é extenso e curioso. Poderíamos, até mesmo, começar questionando
como ela teria se apresentado no homem primitivo, embora, nesse sentido,
qualquer sugestão seria meramente especulativa. Será melhor nos determos no
contexto cultural que ainda apreciamos facilmente nos dias de hoje.
A velha Índia
se destaca como um caldeirão de fenômenos inesgotáveis. A Inglaterra e os
Estados Unidos trabalham rotulando fenômenos paranormais diversos. O Brasil,
especialmente diante da famosa mística baiana, é um gigantesco laboratório de
expressões mediúnicas de diversificada apresentação – nos Centros Espíritas, nos
terreiros de Umbanda, nos cultos protestantes, nas benzedeiras e nos
“santuários” de cirurgia espiritual. Podemos constatar, então, que, na cultura
dos diversos povos, a fenomenologia da clínica mediúnica varia de lugar para
lugar, isso é assim também na afetividade de cada povo, nas suas
personalidades, nas produções artísticas e nas manifestações da doença mental.
O início da
mediunidade pode ser lento e trabalhoso, exigindo dedicação e muita disciplina
para se confirmar um mínimo de manifestações. Outras vezes pode ser tão
explosiva quanto um quadro psicótico com alucinações perturbadoras. Apesar das
diferenças tão grandes na personalidade como na sensibilidade emocional como um
todo, a mediunidade faz pouca distinção de gênero.
Allan Kardec
ensina em O Livro dos médiuns que a mediunidade se processa através do cérebro
dos médiuns, o que nos permite pressupor que cérebros iguais conviveriam com
mediunidades iguais clinicamente. Tenho procurado encontrar dois gêmeos médiuns
para confrontá-los em suas expressões e essa busca até agora foi infrutífera.
A idade é um
fator marcante na mediunidade, os livros dão destaque à vidência na criança e
nos idosos, os fenômenos físicos na adolescente, e a escrita e a fala no
adulto.
Condições
ambientais interferem fortemente na mediunidade. Uma sala fechada, ambiente
silencioso, levemente frio, grupo de pessoas com certa homogeneidade e vínculos
afetivos, um ritual organizado e sistematizado e aprendido em diversos
encontros desse mesmo grupo, sugerindo um comportamento disciplinado e
condicionado, favorecem a riqueza do fenômeno.
A
personalidade introvertida e feminina, talvez indicando mais facilidade de
submissão, permitiria mais acesso para abordagem e domínio das entidades
espirituais. Existem algumas perguntas que um estudo clínico pode
responder: A mediunidade é uma doença?
As doenças mentais são, de alguma forma, estados mediúnicos? A mediunidade,
clinicamente, é passível de mistificação?
Doença é uma
perturbação no bem-estar físico, psíquico, social e espiritual do indivíduo.
Podemos então, com o máximo de cuidado ético, considerar que em certas
manifestações clínicas da mediunidade, ela pode se apresentar como doença,
especialmente naqueles momentos em que sua presença perturba o indivíduo na sua
homeostase física e psíquica.
A mediunidade
pode ser de tal forma florida em sua clínica que se confunde com vários
transtornos mentais. O difícil é o seu diagnóstico correto.
As doenças
mentais são fragilidades da Alma, facilitadoras de atuação de espíritos
perturbadores, querelantes e exigente de direitos que cobram do indivíduo que
se perturbou, constituindo, portanto, uma associação clínica simbiótica.
Quanto à
mistificação, diga-se de passagem, que ela é um fenômeno tão corriqueiro na
mente humana que sempre deve ser considerada nas avaliações clínicas da
mediunidade.
Assim como um
médico bem treinado percebe um quadro histérico que mistifica uma paralisia, um
doutrinador espírita deverá adquirir experiência no detectar o animismo e a
mistificação.
Dr. Nubor Facure é médico
neurocirurgião, especialista em neurologia, fundador e diretor do Instituto do
Cérebro, em Campinas, SP
ICEB - Instituto de Cultura
Espírita do Brasil / Rio de Janeiro
Revista Cultura Espírita Ano IV –
nº 46 - Janeiro / 2013
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