Hernâni
Guimarães Andrade
A
descoberta do «sono magnético» efectuada por Armand Marie Jacques Chastenet de
Puységur teve consequências extraordinárias. Uma vez difundida, a hipnose
permitiu que se obtivessem curas impressionantes. Mas o mais extraordinário uso
da hipnose foi feito pelo cirurgião escocês James Esdaile (1808-1859), o qual
através do emprego do hipnotismo fez, com total êxito, mais de 3 mil
intervenções cirúrgicas – cerca de 300 delas de profundidade e gravidade
consideráveis – sem o emprego de anestesia química e da assepsia.
«Por
que a proximidade do corpo humano, que devolve o brilho a uma pérola e renova a
radiante força vital, não há-de ser capaz de desenvolver em torno de si uma
aura de calor ou de luz que actue sobre outros nervos como um excitante ou um
sedativo? Por que não se podem produzir, neste corpo e alma, secretas correntes
e refluxos e, de indivíduo a indivíduo, atracções e repulsões, simpatias e antipatias?
Quem arriscará hoje, nesta esfera, um categórico sim ou um ousado não?».*
A
descoberta do hipnotismo
Depois
de abandonar Paris em 1785 e mesmo após sua morte, Mesmer continuou a influir
no mundo ocidental, por meio de suas ideias. Os seus inúmeros discípulos e
admiradores continuaram a sua obra. É possível que Mesmer não houvesse atinado
exactamente com a natureza daquilo que ele denominava de magnetismo animal.
Entretanto as suas teorias e os factos que rodearam a sua obra tiveram uma
força impressionante. Perduram ainda hoje e, vez ou outra, vê-se reactivar o
mesmerismo, sob a forma de um movimento ou de uma doutrina nova.
Discípulo
fiel de Mesmer, o marquês Armand Jacques Chastenet de Puységur (1751-1825) foi,
na França, um dos seus mais ilustres seguidores. A ele se atribui a descoberta
do hipnotismo.
Uma
das características do método terapêutico de Mesmer era a provocação das
crises, seguidas de convulsões e de outras manifestações histéricas. Na maioria
das vezes o doente debatia-se, agitava-se violentamente, parecia, finalmente,
desfalecer e entrar em calma, tendo os seus sintomas aliviados. Junto às tinas
(baquet), providenciava-se uma sala acolchoada guarnecida de almofadões, para
onde eram transportados os pacientes em estado convulsivo. Ali, eles
estrebuchavam à vontade, sem o perigo de se magoarem.
Puységur
era um marquês, um homem abastado e filantropo. Abraçara as ideias de Mesmer
por diletantismo e por se ter apaixonado pelo magnetismo animal. Assim,
enquanto Mesmer, em Paris, atendia às elites parisienses, ociosas e ávidas de
novidades, o marquês de Puységur, em Buzancy, acudia gratuitamente à pobreza.
Uma multidão procurava o marquês, o qual se esforçava por medicar seus clientes
rigorosamente de acordo com as prescrições do seu mestre.
Certa
ocasião, Puységur foi procurado para socorrer um jovem pastor, de 18 anos,
chamado Victor Race. Ele estava enfermo, sofria de dores nas costas, respirava
com dificuldade e necessitava de ser tratado pelo marquês. Este aplicou-lhe os
passes magnéticos, como era da praxe. Qual não foi a surpresa de Puységur
quando, em lugar das reacções costumeiras, espasmos, convulsões, etc., o
paciente mergulhou tranquilamente em sono profundo!
Puységur tentou despertar o
pastorzinho, sacudindo-o. Mas debalde! O jovem continuou a dormir
profundamente. O marquês ordena-lhe, então, que se levante. Surpresa maior, o
rapaz ergue-se dormindo e, de olhos fechados, perambula pelo quarto como se
estivesse acordado e de olhos abertos. Comportava-se como um sonâmbulo comum que,
à noite, se afasta da cama e, dormindo, caminha por quaisquer lugares, beirais,
telhado, terraços de difícil acesso, etc., tendo os olhos cerrados.
Puységur,
interessado na sua nova descoberta, procurou investigar melhor aquele singular
estado de sono acordado e vigília dormente. Tentou repetir a mesma condição
noutras pessoas, usando o magnetismo e a sugestão verbal. Teve êxito.
Procurou
dar ordens pós-hipnóticas, isto é, sugerir uma dada tarefa para o paciente
cumprir depois de acordado. Foi bem sucedido. O sujeito cumpria à risca a ordem
dada durante o sono, após haver retornado ao estado de vigília. As sugestões
dadas em estado de hipnose eram mais actuantes e, por este método, também se
obtinham as curas. Foi assim que Victor, o jovem pastor doente, ao acordar, se
viu livre dos seus sintomas. Estava curado.
Naturalmente,
Mesmer e outros magnetizadores já haviam observado o transe sonambúlico,
semelhante ao obtido por Puységur. Mas não lhe prestaram a devida atenção. Mais
ainda, ele observou que, numa ocasião, Victor Race, ao ser levado ao estado
hipnótico, mostrou-se possuidor de impressionantes faculdades paranormais: via
à distância e, com os olhos fechados, obedecia às ordens mentais de Puységur
(telepatia) e falava com uma linguagem acima das suas possibilidades culturais.
Puységur
havia descoberto o hipnotismo!
O
marquês comunicou a sua descoberta à Academia de Medicina, chamando a atenção
dos cientistas para a nova forma de curar através do sono induzido magnético. A
Academia de Medicina mostrou-se interessada na questão e nomeou comissões para
estudarem os casos. Uns relatórios foram a favor e outros contra, sem haver uma
opinião unânime. Finalmente, em 1837, instituiu-se um prémio para se dirimirem
as dúvidas. Mas, ao contrário do que se esperava, a prova não envolvia qualquer
demonstração de cura pela hipnose. Ofereciam-se 3000 francos ao hipnotizador
que apresentasse um sonâmbulo capaz de enxergar através de obstáculos opacos!
Jamais
qualquer paciente passaria numa prova destas. Basta que se cite o exemplo da
filha do dr. Pigaire, cuja clarividência havia sido atestada por Arago. A
garota, de 12 anos apenas, cujos olhos foram totalmente vendados pelos
experimentadores, mostrou que podia ver perfeitamente os objectos, mesmo nestas
condições. Pois bem, o veredicto dos doutos académicos foi contrário. Chegaram
à conclusão de que embora rigorosamente blindados os seus olhos, a sua
faculdade da visão não podia ser descartada por ter ela uma vista fisiológica
normal; não era cega, logo...
E
a questão do hipnotismo foi arquivada pela Academia (1).
A
catalepsia
A
catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão da sensação e da volição,
bem como a paragem parcial das funções vitais. Ocorre, ao mesmo tempo, uma
modificação no corpo do paciente. Este torna-se rígido e a sua aparência pode
ser confundida com a de uma pessoa morta. Na maioria das vezes, o indivíduo
fica inconsciente durante o transe cataléptico. Noutras ocasiões, o paciente
manifesta intensa excitação mental, por acções e palavras aparentemente
voluntárias. O ataque cataléptico tem duração variável, indo de alguns minutos
a vários dias. Ele pode repetir-se por qualquer motivo insignificante, se não
houver resistência por parte do paciente.
Perturbações
do sistema nervoso, geralmente provocadas por emoções fortes e prolongadas, um
susto ou um medo violento chegam a produzir o estado cataléptico. Alguns
pequenos animais podem ser postos em catalepsia, por meio de manobras físicas.
Em
1787, o dr. Jacques Henri Désiré Petétin (1744-1808), de Lyon, descobriu como
levar um paciente hipnotizado ao transe cataléptico. Em sua obra, Electricité
Animal (1808), ele comunica ter observado, nas suas experiências com a
catalepsia, pacientes a manifestarem impressionantes faculdades paranormais. Entre
os fenómenos estranhos observados, assinala-se a transposição dos sentidos.
Alguns pacientes em estado cataléptico pareciam surdos quando a voz era
dirigida aos seus ouvidos. Entretanto, ouviam perfeitamente bem se as palavras
lhes eram sussurradas ao nível do estômago. O mesmo facto ocorria com relação à
visão. O sujeito mostrava-se capaz de «ver» com a região correspondente ao
estômago, o mesmo ocorrendo com os outros sentidos, os quais pareciam
transpostos para aquela região. Outras vezes os sentidos sofriam uma
transposição diferente, para a ponta dos dedos da mão ou dos pés, por exemplo
(2).
O
hipnotismo em suas variadas fases é capaz de fazer sobressair algumas
faculdades paranormais, porque ele enseja a emersão do inconsciente do
paciente, facilitando um relacionamento entre aquele e o consciente do
hipnotizador. Este último, tendo acesso ao inconsciente do paciente, pode
despertar-lhe a função psi, levando-o a manifestar as suas faculdades
paranormais. No estado de sono hipnótico, o indivíduo torna-se altamente
sugestionável e obediente às ordens do hipnotizador.
Esta
sugestionabilidade talvez explique boa parte das curas pelo magnetismo. A
grande maioria das doenças possivelmente são de origem psíquica. A hipnose,
facilitando o acesso às câmaras mais profundas da mente, poderá exercer uma
acção bloqueadora ou libertadora dos seus conteúdos. Os magnetizadores depressa
perceberam este facto e passaram a usar a sugestão hipnótica como poderosa arma
contra as doenças psicossomáticas ou somatoformes.
Cirurgias
sem dor sob hipnose
Um
dos fenómenos de sugestão obtidos com a hipnose é o da supressão da dor e o da
anestesia sem emprego de drogas. É conhecido da maioria dos leitores que se usa
hipnose na odontologia, em substituição dos métodos de anestesia química.
Na
segunda metade do ano de 1800 houve uma grande difusão do hipnotismo mesmérico.
John Elliotson (1791-1868) fundou em 1846, em Londres, um hospital onde se
empregavam as práticas mesméricas. Surgiram, logo mais, outras instituições
semelhantes, em Edimburgo, Dublin e Exeter. «Nesta última cidade, Parker
realizou mais de 200 intervenções cirúrgicas sem dor, dentre 1200
mesmerizados»(3).
Mas
o mais impressionante é o episódio de James Esdaile (1808-1859). Vamos tomar
todos os detalhes acerca de Esdaile, da excelente obra do dr. Osmard Andrade
Faria, que acabámos de citar: Hipnose Médica e Odontológica.
Esdaile
nasceu em Perth, na Escócia. Formou-se em medicina em 1830 e foi exercer
clínica na Índia. Informado a respeito dos trabalhos de Elliotson, procurou
aplicar os princípios do mesmerismo em um hindu portador de dupla hidrocele, em
4 de Abril de 1845, no Native Hospital de Hooghly. Apesar dos seus sofrimentos,
o paciente caiu em sono profundo e pôde ser operado sem anestesia. Logo mais, Esdaile
iria contar com 75 intervenções cirúrgicas feitas sob hipnose.
Ao
completar 100 cirurgias, Esdaile enviou uma comunicação ao governador de
Bengala, sir Herbert Makkock, solicitando-lhe apoio oficial para o
desenvolvimento das suas pesquisas. Um conselho médico de investigações nomeado
pelo governador aprovou a solicitação de Esdaile. Da comunicação que F. J.
Halliday, secretário do Governo de Bengala e presidente do Conselho, dirigiu a
Esdaile, destacamos o seguinte trecho:
“Considerando,
porém, a possibilidade de se realizarem as mais sérias intervenções cirúrgicas
sem dor e sofrimento para os pacientes, é opinião de S. Exª, baseado no
testemunho visual da comissão relatora que as investigações merecem ser
facilitadas, permitindo-lhe prosseguir nas suas interessantes experiências, sob
as mais favoráveis e promissoras circunstâncias” (obra citada, pág.15).
Diante
do parecer da comissão e da atitude favorável do governador de Bengala, em
Novembro de 1846 foi posto à disposição de Esdaile, em Calcutá, um pequeno
hospital. Constituiu-se um grupo fiscal composto por médicos indicados pelo
Governo para acompanhar os trabalhos. Estes testemunharam “as mais variadas
intervenções cirúrgicas sem o menor sofrimento para o paciente, redução do
choque cirúrgico e do trauma doloroso pós-operatório” (obra citada, pág.18).
Em
Julho de 1847, Esdaile apresentou um relatório de suas actividades, enquanto a
comissão de médicos nomeada pelo Governo lhe comunicava os excelentes
resultados observados. Eis um trecho do relatório de Esdaile, e que teve o
apoio da comissão: «Durante alguns meses estivemos ocupados quase
exclusivamente com a cirurgia, o sucesso das operações indolores praticamente
eclipsando os resultados menos espectaculosos da orla clínica. Esses, porém,
tornam-se agora progressivamente conhecidos pelo público e sucessos médicos
estão já a ser obtidos de forma encorajadora, bem como outros casos de natureza
mais grave como epilepsia, demência, paralisia e outras afecções nervosas,
dolorosas, prometem compensar o nosso labor.
«Tais
casos, porém, por antigos e inveterados, requerem logo tratamento para marcar
alguma resposta e deixar-nos certezas dos resultados.
«Os
casos cirúrgicos, por razões bem conhecidas de V. Exª, são quase todos
similares (remoção de enormes tumores de elefantíase), mas, felizmente, para
demonstração do poder calmante e narcótico do mesmerismo, as intervenções têm
sido as mais severas e perigosas que se podem realizar no corpo humano.
«Uma
maior variedade de casos médicos e cirúrgicos é, no entanto, desejável e poderá
ser facilmente conseguida nos hospitais públicos de Calcutá. Será no campo dos
grandes hospitais, com a sua variedade de pacientes e incidentes, que a
utilidade do mesmerismo poderá ser melhor e mais rapidamente ilustrada...
«Em
conclusão, desejo pedir a atenção do Governador para as estatísticas
concernentes ao assunto, ponto de máximo interesse para estabelecer a proporção
de mortalidade nas velhas e novas escolas cirúrgicas.
«A
esse propósito tenho a honra de juntar uma relação de todas as intervenções
mesméricas realizadas por mim totalizando 133, e espero do Governador os
necessários elementos de comparação com os resultados obtidos nos diferentes
hospitais de Calcutá» (obra citada, pp. 16 e 17).
Tendo-se
findado o prazo concedido a Esdaile e por este assumido, o pequeno hospital de
Calcutá foi desactivado. Apesar dos movimentos populares solicitando a
reabertura do referido hospital, as autoridades mantiveram-se irredutíveis.
Entretanto, a própria população quotizou-se para manter as despesas e foi
fundado um novo serviço hospitalar para a prática do mesmerismo, sendo ele
entregue à direcção de Esdaile, em Setembro de 1848. Posteriormente, o próprio
Governo indiano ofereceu a Esdaile a transferência de seus serviços para o
Sarkeas’s Lane Hospital and Dispensary.
Por
questões de saúde, Esdaile ausentou-se da Índia, deixando em seu lugar o prof.
Webb. «Durante o período em que praticou o mesmerismo na Índia, realizou
Esdaile para mais de 3000 intervenções sob hipnose, das quais 300 de cirurgia
maior» (obra citada, pág. 17).
Seria
interessante lembrar, aqui, que naquela época (1845) não se conheciam ainda os
antibióticos. Outro ponto importante a ser destacado é que Esdaile praticava as
intervenções cirúrgicas, em seu estado normal, sem nenhuma manifestação
mediúnica perceptível por parte dos que o rodeavam. Ele era escocês e, em 1845,
na Índia, onde ele se encontrava, não se conhecia o espiritismo. Lembramos que
o Le Premier Livre des Espirits, de Allan Kardec, foi publicado em 18 de Abril
de 1857, portanto 12 anos após Esdaile haver feito a sua primeira intervenção
cirúrgica sem anestesia, em 4 de Abril de 1845.
O
hipnotismo científico
Em
1823, um jovem médico de Paris, Alexandre Bertrand (1795-1831), publicou um
livro, Traité du Somnambulisme. Três anos mais tarde, ele lançou um segundo
trabalho, Du Magnétisme Animal en France. Foi Bertrand quem descobriu o papel
importante da sugestão nos fenómenos atribuídos ao magnetismo animal. Ele
observara a conexão entre o sono magnético, o êxtase colectivo e o sonambulismo
e chegara à conclusão de que as curas e demais sintomas, antes atribuídos ao
magnetismo animal, à electricidade animal e quejandos, não passavam de meras
sugestões de magnetizador agindo sobre a imaginação de um paciente cuja
sugestionabilidade foi altamente aumentada.
Se
Bertrand tivesse vivido durante mais tempo – ele morreu aos 36 anos de idade –
talvez houvesse antecipado a aceitação científica do transe induzido.
Outro
personagem que merece ser citado neste particular é o abade José Custódio de
Faria (1756-1819), nascido em Condolin de Bardez, na Índia Portuguesa.
Inicialmente praticou o mesmerismo, mas posteriormente concluiu que o paciente
era conduzido ao que ele chamava de sonho lúcido, por sua própria vontade e
pelo poder da sugestão. Expressou as suas ideias num livro: De la Cause du
Sommeil Lucide ou l’Etude Sur la Nature de l’Homme, Paris, 1819, t.I, (único).
Embora
tivesse despertado interesse e suscitado admiradores como Liébeault, Custódio
de Faria não logrou projecção duradoura. O mesmerismo continuou a fazer adeptos
e a manter-se como a hipótese mais aceitável.
Coube
a James Braid (1795-1860), um cirurgião de Manchester, nascido em Rylaw House,
Fifeshire, conduzir o hipnotismo ao ponto de aceitação académica. «A ele deve a
hipnose a sua primeira conceituação realmente científica e filosófica, despida
de empirismos e ideias absurdas. A Braid devemos por outro lado a actual
terminologia empregada para descrever os fenómenos de inibição cortical». (4)
Na
sua sessão mesmérica, conduzida pelo francês Charles Lafontaine, Braid notou
que o paciente magnetizado se mostrava incapaz de abrir os olhos. Para Braid,
as pálpebras do paciente achavam-se fatigadas.
«Tal
incidente alertou a curiosidade de Braid. Pareceu-lhe inicialmente que estava
ali a causa do fenómeno. Ou, se não era aquele exactamente o ponto capital, de
qualquer maneira a exaustão palpebral e a catalepsia observadas deveriam ter
qualquer participação no desencadeamento do transe mesmérico». (5)
Retornando
à sua casa, Braid tentou algumas experiências para testar a sua hipótese de
trabalho. Os seus primeiros pacientes foram a sua própria esposa, um criado e
um amigo. Fê-los fitarem fixamente um objecto brilhante até cansarem a vista a
ponto de não poderem manter abertas as pálpebras. A partir daí conseguiu
hipnotizá-los facilmente.
James
Braid chegou, independentemente, às mesmas conclusões a que Alexandre Bertrand
havia chegado há cerca de 18 anos: o fenómeno do mesmerismo não implicava na existência
de qualquer influência planetária, «fluido magnético animal» ou qualquer poder
estranho do magnetizador. Em suma, o transe não era induzido senão pela
sugestão aliada a uma estimulação continuada capaz de produzir alterações nos
órgãos dos sentidos, levando-os para certo grau de exaustão. Por conseguinte, o
estado de sono mesmérico diferenciava-se do sono fisiológico.
Braid
publicou, em 1843, um livro intitulado: Neurohypnology or the Rationale of
Nervous Sleep. Nesta obra, ele lançou os primeiros termos da nomenclatura agora
usada em nossos dias: sono neuro-hipnológico, hipnologia (abreviatura de
neuro-hipnologia), hipnotismo, hipnótico, hipnose, etc..
Com
Braid, iniciou-se, pois, a fase científica do hipnotismo, candidatando-se o
mesmo a ser um novo ramo da fisiologia. Embora ainda não se tivesse uma
explicação definitiva acerca do seu mecanismo, acreditava-se, pelo menos, que o
hipnotismo parecia decorrer de causas naturais fisiológicas, por-tanto
susceptível de uma abordagem estritamente científica. Doravante as discussões
iriam versar sobre-tudo em torno do mecanismo de produção dos fenómenos da
hipnose. Nesta disputa destacar-se-iam três grandes nomes: Ambroise Auguste
Liébeault, Henri Bernheim e Jean-Martin Charcot.
A
sugestão
Ambroise
Auguste Liébeault procurou investigar o problema do hipnotismo observando-o nos
seus próprios clientes. Suas pesquisas prolongaram-se por mais de 20 anos.
Publicou um livro sobre a hipnose: Du Sommeil et des États Analougues,
Considerés au Point de Vue de l’Action.
A
ideia central de Liébeault, sobre o mecanismo da hipnose é a sugestão.
Henri
Bernheim não aceitava o hipnotismo e nem votava qualquer admiração por
Liébeault. Entretanto, um simples acidente fê-los amigos. Bernheim tratara,
durante cerca de seis anos, e sem resultados, um cliente que sofria de ciática.
O referido doente, aconselhado por outras pessoas, procurou Liébeault. Em
curtíssimo prazo o paciente voltou a Bernheim, inteiramente livre de seu mal.
Este facto despertou a curiosidade de Bernheim, o qual procurou Liébeault para
conhecer os seus métodos de cura. Tornou-se, assim, discípulo e amigo
inseparável do mesmo.
De
1822 a 1884, Bernheim fez intensas investigações, enfeixando suas experiências
em um primeiro livro: De la Suggestion. Em 1886 completou-o, lançando um
segundo tomo: La Therapéutique Suggestive. As suas duas obras tiveram amplo
sucesso e provocaram grande afluência de médicos à cidade de Nancy, onde
Bernheim tinha a sua clínica.
Vamos
transcrever, do trabalho do Dr. Osmard A. Faria um trecho importante,
concernente às ideias expostas nas obras de Bernheim e Liébeault: «Em tais
livros, como no de Liébeault, o tema central é o efeito da sugestão, melhor, da
hetero-sugestão, na obtenção de resultados terapêuticos». Assim agiria o hipnotismo
de Braid. E que se teria por sugestão no entender desses autores?
Explica
a escola de Nancy: Sugestão é o acto pelo qual se faz aceitar pelo cérebro de
outrem uma ideia qualquer. (Obra citada, pág. 23).
Comentando
as ideias de Alexandre Bertrand, de Liébeault e de Bernheim, o Dr. Osmard A.
Faria observa que obviamente «é fácil implantar uma ideia no cérebro do
hipnotizado, que lhe podemos dar sugestões úteis, que fará aquilo que
insinuarmos. Mas a dúvida principal mantinha-se irrespondida (...).» (Obra
citada, p.24). Esta dúvida resume-se em como funciona o cérebro durante o
processo da hipnose.
Não
é apenas esta questão que o ilustre e competente hipnólogo, Dr. Osmard A.
Faria, formula em seu esplêndido livro. Outras mais e muito oportunas são colocadas
por ele, mostrando que a questão do mecanismo da hipnose havia apenas sido
iniciada por aqueles cientistas.
O
terceiro hipnólogo que apresentou uma hipótese de trabalho para explicar o
mecanismo da hipnose foi Jean-Martin Charcot (1825-1892), do famoso hospital da
Salpêtriére, em Paris.
Renomado
neurologista, em 1862 tornou-se chefe de serviço naquele hospital, passando a
leccionar, ali, em 1868, Moléstia do Sistema Nervoso. Em 1870 encarregou-se dos
histéricos não alienados. Em 1878, Charcot iniciou suas investigações sobre a
histeria e o hipnotismo. Breve a chamada escola da Salpêtriére se tornou
mundialmente famosa. Foi aí que Alfred Binet, Pierre Janet e Sigmund Freud
travaram contacto com as manifestações do inconsciente.
Apesar
de todo o peso de seus títulos e da fama da escola da Salpêtriére, as ideias de
Charcot, acerca da estreita e exclusiva relação entre a histeria e o fenómeno
do hipnotismo, mostraram-se inconsistentes com os factos. Restou, assim, como a
mais correcta, a hipótese de Henri Bernheim, da escola de Nancy.
Veremos,
mais tarde, no decorrer desta série de artigos, que as ideias de Mesmer não
foram de todo descartadas, e que as mais recentes hipóteses da psicotrónica
parecem dar-lhes certo apoio.
___________
*(Zweig,
S. – A cura pelo Espírito, Rio de Janeiro: Guanabara, 1940, p.112). (1)
- Fodor, N. - Encyclopaedia of Psychic Science, USA; University Books, 1974, p.
45. (2) Spence, L. An Encyclopaedia of Occultism, Secaucus, New Jersey; The
Citadel Press, 1974, pp.95 e 388. (3)
Faria, O. A. - Manual de Hipnose Médica e Odontológica, Rio de Janeiro e São
Paulo; Atheneu, 1979, p. 14. (4) Faria, O. A. - Hipnose Médica e Odontológica,
Rio de Janeiro - São Paulo; Atheneu, 1979, p. 19). (5) Faria, O. A. - Opus cit.
P. 19).
Revista de Espiritismo nr. 29 - Outubro/Dezembro 1995