“A humildade é o sentimento de nossa pequenez perante Deus” (Vauvenargues); ou seja, “o sentimento de nossa insuficiência e particularmente de nossa pobreza espiritual” (Jean Monod). Trata-se de uma virtude um tanto insuspeitada no paganismo greco-romano: seus melhores moralistas tendem à exaltação da personalidade humana pelas qualidades heroicas que fazem a grandeza da alma (megalopsukhia), e as raras passagens de Platão, Aristóteles, etc., que se pode citar em sentido contrário, estão relacionados mais à modéstia; ora, a modéstia consiste simplesmente em não se mostrar orgulhoso diante dos homens, ao passo que a humildade consiste em não sê-lo perante Deus.
A antiguidade
desprezava uma tal disposição de espírito: o termo grego tapeïnos assim como o latino
humilis derivados de palavras que designam a terra, aplicam-se comumente àquilo
que é baixo, vil, e às pessoas curvadas até a terra, humilhando-se por abjeção.
Foi o Evangelho que elevou os humildes (Lc 1:52); mas, como indica o fato que
esta palavra de Maria é uma citação, ou mais exatamente uma adaptação do Antigo
Testamento (Jó 5:11 etc.), a eclosão da virtude eminentemente cristã da
humildade foi preparada pela experiência religiosa dos crentes de Israel.
O nome hebreu dos
humildes (anâvim ou aniyîm) com efeito deriva da raiz que esigna a aflição, a
prova, e os caracteriza não como apáticos resignados ou subservientes que se tornam
servis, mas sim como almas que, na infelicidade tomaram uma posição moral ou religiosa
(ver Doçura). Os anâvim, assim como os êbionim (= pobres), são os corações
fiéis a Deus que mantiveram em sua vida pessoal a primazia espiritual, entre o
ritual dos sacerdotes e o arrivismo dos grandes; desdenhados, oprimidos pelo
egoísmo social, primeiras vítimas dos problemas políticos e das desgraças da
derrota e do exílio, os «Pobres de Israel», os “humildes”, os “mansos”,
sentindo sua total impotência e reagindo contra o orgulho de raça e de classe
dos chefes judeus e dos fariseus intolerantes, voltaram toda a sua esperança
para o Eterno; e foi assim que eles foram como as células vivas do meio religioso
em que o Messias deveria ser esperado e bem-vindo (ver A. Causse, Os Pobres de
Israel, Strasbourg, 1922).
Como a humildade é
por essência a atitude da alma perante Deus, não é de espantar que além destes
anônimos, conhecidos somente pela obra coletiva de sua fé, haja poucos exemplos
individuais a citar; e é às vezes
difícil de separar a humildade da modéstia ou do medo das responsabilidades,
nos casos como os de Abraão (Gen 18:7), Jacó (Gen 32:10), Moisés (Ex 3:11
etc.), Salomão (1Rom 3:7-9), Isaías (Is 6:5), Jeremias (Jer 1:6), etc.
É sobretudo em
Davi e
nos salmistas subsequentes (entre os quais encontramos precisamente os
«Pobres») que aparece a prece humilde; não se pode esperar deles a proclamação
de sua humildade, pois ao afirmar-se, ela deixaria de ser humilde, mas todo
salmo de adoração e, ainda mais, de arrependimento, assim como os sete Salmos
penitenciais (Sl 6, Sl 32, Sl 51 etc.), é o jorrar deste estado da alma. Talvez
fosse possível encontrar algo de análogo em certos hinos das religiões babilônica, persa
ou hindu. Mas os crentes e profetas de Israel dão uma extrema importância à
humildade, como condição mesma do acesso junto a Deus e da comunhão com ele (Sl
25:9 69:33 116:6 138:6, Prov 3:34 11:2 15:33 22:4 29:23, Sir 3:17 e seguintes,
Sof 2:3 3:12, Is 57:15 66:2); é uma das três exigências primordiais de Jeová
segundo a célebre declaração de Miqueias (Miq 6:8), é um dos caracteres do
Servidor do Eterno, segundo Is 42:3 que a descreve sem nomeá-la, bem como do
Rei-Messias anunciado por Zacarias (Zac 9:9)
No limiar do
Evangelho, João Batista prega o arrependimento junto com a
humildade (montanhas e colinas rebaixadas, etc.) como condição de entrada no
Reino (Lc 3:4,8,16). É o sentido da primeira das beatitudes: «Bem aventurados
os pobres de espírito», que através dos «Pobres de Israel» volta a dizer: «Bem
aventurados os humildes!» (Mt 5:3, comp, v. 6 e Lc 6:20). Da mesma forma que o
menino Jesus foi acolhido pelos crentes humildes (Lc 1 e Lc 2), assim o Senhor
Jesus é enviado àqueles que se sentem pobres, crianças, doentes, perdidos (Mt
9:12 18:4, Lc 4:18 19:10 22:26); ele mostra um humilde diante de Deus no
publicano da parábola (Lc 18:9-14). Os apóstolos exortam seus irmãos e a si
mesmos à humildade (Rom 12:19, Ef 4:2, Flp 2:3, Tg 1:9 4:6,1Pe 3:8); em uma
figura voluntariamente paradoxal, eles comparam esta virtude escondida por
excelência a uma vestimenta (Col 3:12), a um ornamento (1Pe 5:5).
De todas estas
passagens pode-se ver que a humildade não é somente, como a define
São Bernardo, o sentimento de nossa baixeza derivado do conhecimento mais exato
de nós mesmos (ex verissima sui cognitione), pois podemos nos sentir fracos e
sê-lo por orgulho invejoso, deprimido ou revoltado. Unicamente de nossas relações
com Deus pode nascer nossa humildade: Deus infinito perante nós, os ínfimos (Sl
8:2-5), Deus santo diante de nós pecadores (Is 6:5), Deus Salvador que toma a
iniciativa de sua reconciliação conosco (Rom 5:6,11), o Bom Deus que nos cumula
de graças imerecidas (1Cor 4:7), Deus Pai que nos associa à sua obra de amor
pela humanidade (2Cor 5: e seguintes). Se os primeiros aspectos do contraste
eram de natureza a nos humilhar (ver Humilhação), a nos curvar na poeira para
nos levar ao arrependimento, os seguintes nos fazem levantar a cabeça,
acalmando nosso coração perdoado e apelando à nossa vontade consagrada.
Também a Escritura nos
apresenta sempre a humildade não como um objetivo em si, mas como a condição
das outras virtudes e da verdadeira elevação, a elevação da glória (Lc 14:11,Mt
23:12, cf. os textos já citados). Deste modo, a humildade cristã não tem nada
de afetado ou de obsequioso; (cf. Col 2:18,23) ela não é, tampouco, a falsa
modéstia ou o desânimo, o desconhecimento de nosso valor ou o abandono de nossa
dignidade; ela é a alegre aceitação de nossa dependência de fato em relação a
Deus, e de nossa dependência voluntária ao serviço de nossos irmãos; ela nos
libera da satisfação de nós mesmos, sempre paralisante, e nos inspira continuamente
a necessidade de novos progressos (Flp 3:12,14).Eminentemente estimulante e
fecunda, é ela que nos ensina (para adaptar a linguagem de Kant ao nosso
propósito) a nunca considerar nosso ser como um fim, mas sempre como um meio, a
serviço de Deus e da humanidade.
Eis porque o
próprio
Jesus pôde, mesmo sendo Senhor e o Mestre, dar também o exemplo desta
humildade. De Deus, o único Ser bom de maneira absoluta (Mc 10:18), ele se
sentia completamente dependente para realizar Seus desígnios (Jo 5:19,30)
aprendendo, mesmo sendo o Filho, a obediência no sofrimento, (Heb 5:8); não era
a sua própria glória que ele buscava (Jo 8:30); e ele tinha também o direito
de, ao mesmo tempo em que dizia: “Vinde a mim”, se qualificar “humilde de
coração” (Mt 11:28,30). O quarto evangelho marca magnificamente nele a estreita
união da dignidade suprema e da suprema humildade: “Jesus, que sabia que o Pai
lhe colocara nas mãos todas as coisas, que ele viera de Deus e que iria a Deus”
(tendo então consciência de sua incomensurável superioridade), “...cingiu-se de
uma toalha, encheu de água uma bacia e começou a lavar os pés de seus
discípulos” - trabalho de escravo! - para ensinar-lhes a humildade no serviço e
no amor fraternal (Jo 13:3,12).
Da mesma forma, São Paulo
devendo repetir uma exortação análoga a seus amigos os filipenses, lembra-lhes
o ideal de humildade e de desinteresse do Mestre: “Tende os mesmos sentimentos
que Jesus Cristo teve, ele que, estando em forma de Deus..., negou-se a si mesmo,
tomando a forma de um servidor..., e apequenou-se, tornando-se obediente até amorte,
e até a morte na cruz...” (Flp 2:3,8). Esta humildade do Senhor, sublimidade na
consagração até o sacrifício, é o ideal divino que dita ao pecador, certamente!
sua própria humildade, simplicidade em seu arrependimento e em sua consagração;
e o que o torna capaz é o poder soberano desse Senhor vivo.
Ver (Flp 2:9,11) Trench,
Syn. Novo Testamento, parag. XLII; Jean Monod, artigo Humildade na Encycl., t.
VI, p. 422. Jn L.
Fonte; Ipeak – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec
A AURA E OS CHACRAS NO ESPIRITISMO (NOVO)
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REFLEXÃO
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AUTO
DE FÉ DE BARCELONA
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