O pensamento é criador. Assim como o pensamento do Eterno projeta sem cessar no espaço os germens dos seres e dos mundos, assim também o do escritor, do orador, do poeta, do artista, faz brotar incessante florescência de idéias, de obras, de concepções, que vão influenciar, impressionar para o bem ou para o mal, segundo sua natureza, a multidão humana.
Aqui
a missão dos obreiros do pensamento é ao mesmo tempo grande, temível e sagrada.
Grande e sagrada, porque o pensamento dissipa as sombras do caminho, resolve os
enigmas da vida e traça o caminho da Humanidade ; é a sua chama aquece as almas
e ilumina os desertos da existência. temível, porque seus efeitos são poderosos
tanto para a descida como para a ascensão.
Mais
cedo ou mais tarde todo produto do espírito reverte para seu autor com suas
conseqüências, acarretando-lhe, segundo o caso, o sofrimento, uma
diminuição,uma privação de liberdade, ou, então, satisfações íntimas, uma
dilatação, uma elevação do ser.
A
vida atual é, como se sabe, um simples episódio de nossa longa história, um
fragmento da grande cadeia que se desenrola para todos através da imensidade. E
constantemente recaem sobre nós, em brumas ou claridades, os resultados de
nossas obras. A alma humana percorre seu caminho cercada de uma atmosfera
brilhante ou turva, povoada pelas criações de seu pensamento. isto, na vida do
Além, sua glória ou sua vergonha.
Para
dar ao pensamento toda a força e amplitude, nada há mais eficaz do que a
investigação dos grandes problemas.
Por
bem dizer, é preciso sentir com veemência; para saborear as sensações elevadas
e profundas, é necessário remontar à nascente de que deriva toda a vida, toda a
harmonia, toda a beleza.
O
que há de nobre e elevado no domínio da inteligência emana de uma causa eterna,
viva e pensante. Quanto mais largo é o vôo do pensamento para essa causa, tanto
mais alto ela paira, tanto mais radiosas também são as claridades entrevistas,
mais inebriantes as alegrias sentidas, mais poderosas as forças adquiridas,
mais geniais as inspirações! Depois de cada vôo, o pensamento torna a descer
vivificado, esclarecido para o campo terrestre, a fim de prosseguir a tarefa
pela qual continuará a desenvolver-se, porque é o trabalho que faz a
inteligência como é a inteligência que faz a beleza, o esplendor da obra
acabada.
Eleva
teu olhar, ó pensador, ó poeta! Lança teu brado de apelo, de aspiração e prece!
Diante do mar de reflexos variáveis, à vista de brancos cimos longínquos ou do
infinito estrelado, não passaste nunca horas de êxtase e embriaguez, em que a
alma se sente imersa num sonho divino, em que a inspiração chega poderosa como
um relâmpago, rápido mensageiro do Céu à Terra?
Escuta
bem ! Nunca ouviste, no fundo de teu ser, vibrarem as harmonias estranhas e
confusas, os rumores do mundo invisível, vozes de sombra que te acalentam
pensamento e o preparam para as intuições supremas?
Em
todo poeta, artista ou escritor há germens de mediocridade inconsciente,
incalculáveis, e que desejam desabrochar; por eles o obreiro do pensamento
entra com o manancial inexorável e recebe sua parte de revelação. Esta
revelação de estética, apropriada à sua natureza, ao gênero de seu talento, tem
ele por missão exprimi-la em obras que farão penetrar na alma das multidões uma
vibração das forças divinas, uma radiação das verdades eternas.
É
na comunhão freqüente e consciente com o mundo dos Espíritos que os gênios do
futuro hão de encontrar os elementos de suas obras. Desde hoje, a penetração
dos segredos de sua dupla vida vem oferecer ao homem socorros e luzes que as
religiões desfalecidas já lhe não podem proporcionar.
Em
todos os domínios, a ideia espírita vai fecundar o pensamento em atividade.
A
Ciência dever-lhe-á a renovação completa de suas teorias e métodos. Dever-lhe-á
a descoberta de forças incalculáveis e a conquista do universo oculto. A
Filosofia obterá um conhecimento mais extenso e preciso da personalidade
humana. Esta, no transe e na exteriorização, é como uma cripta que se abre,
cheia de coisas estranhas e onde está escondida a chave do mistério do ser.
As
religiões do futuro hão de encontrar no Espiritismo as provas da sobrevivência
e as regras da vida no Além, ao mesmo tempo que o princípio de uma união das
duas humanidades, visível e invisível, em sua ascensão para o Pai comum.
A
Arte, em todas as suas formas, descobrirá nele mananciais inexauríveis de
inspiração e emoção.
O
homem do povo, nas horas de cansaço, beberá nele a coragem moral. Compreenderá
que a alma pode desenvolver-se tanto pela lide humilde como pela obra
majestosa e que não se deve desprezar dever algum ; que a inveja é irmã do
ódio e que, muitas vezes, o ser é menos feliz no luxo que na mediocridade. O
poderoso aprenderá nele a bondade com o sentimento da solidariedade que a todos
liga através de nossas vidas e pode obrigar-nos voltar pequenos para
adquirirmos as virtudes modestas. O céptico achará nele a fé; o desanimado as
esperanças duradouras e as resoluções viris; todos os que sofrem encontrarão a
idéia profunda de que uma lei de justiça preside a todas as coisas, de que não
há, em nenhum domínio, efeito sem causa, parto sem dor, vitória sem combate, triunfo
sem rudes esforços, mas que, acima de tudo, reina uma perfeita e majestosa
sanção e que ninguém está abandonado por Deus, de que é uma parcela.
Assim,
vagarosamente se operará a renovação da Humanidade, tão nova ainda, tão
ignorante de si mesma, mas cujos desejos se dirigem pouco a pouco para a
compreensão de sua tarefa e de seu fim, ao mesmo tempo que se alarga seu campo
de exploração e a perspectiva de um futuro ilimitado. E em breve eis que ela
avançará mais consciente de si mesma e de sua força, consciente de seu
magnífico destino. A cada passo que transpõe, vendo e querendo mais, sentindo
brilhar e avivar-se o foco que arde em si, vê também as trevas recuarem,
fundirem-se, resolverem-se os sombrios enigmas do mundo e iluminar-se o
caminho com um raio poderoso.
Com
as sombras, desvanecem-se pouco a pouco os preconceitos, os vãos terrores; as
contradições aparentes do Universo dissipam-se; faz-se a harmonia nas almas nas
coisas. Então, a confiança e a alegria penetram-lhe e o homem sente desenvolver-se-lhe
o pensamento e o coração. E de novo avança pelo caminho das idades para o termo
de sua obra; mas, esta não tem termo. Porque, de cada vez que a Humanidade se
eleva para um novo ideal, julga ter alcançado o ideal supremo, quando, na
realidade, só atingiu a crença ou o sistema correspondente ao seu grau de
evolução. Mas, de cada vez também, de seus impulsos e de seus triunfos
decorrem-lhe felicidades e forças novas, e ela encontra a recompensa de seus
labores e angústias no próprio labor, na alegria de viver e progredir, que é a
lei dos seres, comunhão mais íntima com o Universo, numa posse mais completa do
Bem e do Belo.
Os
, poetas, vós, cujo número aumenta todos os dias, cujas produções se
multiplicam e sobem como a maré, belas muitas vezes pela forma, mas fracas no
fundo, superficiais e materiais, quanto talento não gastais com coisas
medíocres! Quantos esforços desperdiçados e postos ao serviço de paixões
nocivas, de volúpias inferiores e interesses vis!
Quando
vastos e magníficos horizontes se desdobram, quando o livro maravilhoso do
Universo e da alma se abre de par em par diante de vós e o Gênio do pensamento
vos convida para nobres tarefas, para obras cheias de seiva, fecundas para o
adiantamento da Humanidade, vós vos comprazeis bastas vezes com estudos pueris
e estéreis, com trabalhos em que a consciência se estiola, em que a
inteligência se abate e definha no culto exagerado dos sentidos e dos
instintos impuros.
Quem
de vós dirá a epopéia da alma lutando pela conquista de seus destinos no ciclo
imenso das idades e dos mundos, suas dores e alegrias, suas quedas e
levantamentos, a descida aos abismos da vida, o bater de asas para a luz, as
imolações, os holocaustos que são um resgate, as missões redentoras, a
participação cada vez maior das concepções divinas!
Quem
dirá também as poderosas harmonias do Universo, harpa gigantesca vibrando ao
pensamento de Deus, o canto dos mundos, o ritmo eterno que embala a gênese dos
astros e das humanidades! Ou, então, a lenta elaboração, a dolorosa gestação
da consciência através dos estádios inferiores, a construção laboriosa de uma
individualidade, de um ser moral!
Quem
dirá a conquista da vida, cada vez mais completa, mais ampla, mais serena,
mais iluminada pelos raios do Alto, a marcha, de cimo em cimo, em busca da
felicidade, do poder e do puro amor? Quem cantará a obra do homem, lutador
imortal, erguendo, através de suas dúvidas, dilaceramentos, angústias e
lágrimas o edifício harmônico e sublime de sua personalidade pensante e consciente
? Sempre para a frente, para mais longe e para mais alto! Responderão: Não
sabemos. E perguntam: Quem nos ensinará essas coisas?
Quem?
As vozes interiores e as vozes do Além. Aprendei a abrir, a folhear, a ler o
livro oculto em vós, o livro das metamorfoses do ser. Ele vos dirá o que fostes
e o que sereis, ensinar-vos-á o maior dos mistérios, a criação do
"eu" pelo esforço constante, a ação soberana que, no pensamento
silencioso, faz germinar a obra e, segundo vossas aptidões, vosso gênero de
talento, far-vos-á pintar as telas mais encantadoras, esculpir as mais ideais
formas, compor as sinfonias mais harmoniosas, escrever as páginas mais
brilhantes, realizar os mais belos poemas.
Tudo
está aí, em vós, em roda de vós. Tudo fala, tudo vibra, o visível e o
invisível, tudo canta e celebra a glória de viver, a ebriedade de pensar, de
criar, de associar-se à obra universal. Esplendores dos mares e do céu
estrelado, majestade dos cimos, perfumes das florestas, melodias da terra e do
espaço, vozes do invisível que falam no silêncio da noite, vozes da
consciência, eco da voz divina, tudo é ensino e revelação para quem sabe ver,
escutar, compreender, pensar, agir !
Depois,
acima de tudo, a Visão Suprema, a visão sem formas, o Pensamento incriado,
verdade total, harmonia final das essências e das leis que, desde o fundo de
nosso ser até a estrela mais distante, liga tudo e todos em sua unidade
resplandecente. ~ a cadeia de vida, que se eleva e desenrola no Infinito,
escada das potências espirituais que levam a Deus os apelos do homem pela
oração e trazem ao homem as respostas de Deus pela inspiração.
Agora,
uma última pergunta. Por que é que, no meio do imenso labor e da abundante
produção intelectual que caracterizam nossa época, se encontram tão poucas
obras viris e concepções geniais ? Porque deixamos de ver as coisas divinas com
os olhos da alma! Porque deixamos de crer e amar!
Remontemos,
pois, às origens celestes e eternas; é o único remédio para nossa anemia moral.
Dirijamos pensamento para as coisas solenes e profundas. Ilumine-se e
complete-se a Ciência com as intuições da consciëncia e as faculdades
superiores do espírito. O Espiritualismo moderno a auxiliará.
-
A disciplina do pensamento e a reforma do caráter
O
pensamento, dizíamos, é criador. Não atua somente em roda de nós,
influenciando nossos semelhantes para o bem ou para o mal; atua principalmente
em nós; gera nossas palavras, nossas ações e, com ele, construímos, dia a dia,
o edifício grandioso ou miserável de nossa vida presente e futura. Modelamos
nossa alma e seu invólucro com os nossos pensamentos; estes produzem formas,
imagens que se imprimem na matéria sutil, de que o corpo fluídico é composto.
Assim, pouco a pouco, nosso ser povoa-se de formas frívolas ou austeras,
graciosas ou terríveis, grosseiras ou sublimes; a alma se enobrece, embeleza
ou cria uma atmosfera de fealdade. Segundo ideal a que visa, a chama interior
aviva-se ou obscurece-se.
Não
há assunto mais importante que o estudo do pensamento, seus poderes e ação. É a
causa inicial de nossa elevação ou de nosso rebaixamento; prepara todas as
descobertas da Ciência, todas as maravilhas da Arte, mas também todas as
misérias e todas as vergonhas da Humanidade. Segundo o impulso dado, funda ou
destrói as instituições como os impérios, os caracteres como as consciências. O
homem só é grande, só tem valor pelo seu pensamento; por ele suas obras
irradiam e se perpetuam através dos séculos. O Espiritualismo experimental,
muito melhor que as doutrinas anteriores, permite-nos perceber, compreender
toda a força de projeção do pensamento, que é o princípio da comunhão
universal. Vemo-lo agir no fenômeno espírita, que facilita ou dificulta; seu
papel nas sessões de experimentação é sempre considerável. A Telepatia
demonstrou-nos que as almas podem impressionar-se, influenciar-se a todas as
distâncias; é o meio de que se servem as humanidades do Espaço para comunicarem
entre si através das imensidades siderais. Em qualquer campo das atividades
sociais, em todos os domínios do mundo visível ou invisível, a ação do
pensamento é soberana; não é menor sua ação, repetimos, em nós mesmos,
modificando constantemente nossa natureza íntima.
As
vibrações de nossos pensamentos, de nossas palavras, renovando-se em sentido
uniforme, expulsam de nosso invólucro os elementos que não podem vibrar em
harmonia com elas; atraem elementos similares que acentua as tendências do ser.
Uma obra, muitas vezes inconsciente, elabora-se; mil obreiros misteriosos
trabalham na sombra; nas profundezas da alma esboça-se um destino inteiro; em
sua ganga o diamante purifica-se ou perde o brilho.
Se
meditarmos em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso
ser impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento. E por isso
que a prece improvisada, ardente, o impulso da alma para as potências
infinitas, tem tanta virtude. Nesse diálogo solene do ser com sua causa, o
influxo do Alto invade-nos e desperta sentidos novos. A compreensão, a
consciência da vida aumenta e sentimos, melhor do que se pode exprimir, a
gravidade e a grandeza da mais humilde das existências. A oração, a comunhão
pelo pensamento com o universo espiritual e divino é o esforço da alma para a
Beleza e para a Verdade eternas; é a entrada, por um instante, nas esferas da
vida real e superior, aquela que não tem termo.
Se,
ao contrário, nosso pensamento é inspirado por maus desejos, pela paixão, pelo
ciúme, pelo ódio, as imagens que cria sucedem-se, acumulam-se em nosso corpo
fluídico e o entenebrecem. Assim, podemos à vontade fazer em nós a luz ou a
sombra. o que afirmam tantas comunicações de além-túmulo. Somos o que pensamos,
com a condição de pensarmos com força, vontade e persistência. Mas, quase
sempre, nossos pensamentos passam constantemente de um a outro assunto.
Pensamos raras vezes por nós mesmos, refletimos os mil pensamentos incoerentes
do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento, beber
nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspiração que cada um traz
consigo, mas que a maior parte ignora. Por isso criam um invólucro povoado das
mais disparatadas formas. Seu Espírito é como uma habitação franca a todos os
que passam. Os raios do bem e as sombras do mal lá se confundem, num caos
perpétuo. o combate incessante da paixão e do dever em que, quase sempre, a
paixão sai vitoriosa. Primeiro que tudo, é preciso aprender a fiscalizar os
pensamentos, a discipliná-los, a imprimir-lhes uma direção determinada, um fim
nobre e digno.
A
fiscalização dos pensamentos implica a fiscalização dos atos, porque, se uns
são bons, os outros sê-lo-ão igualmente, e todo o nosso procedimento achar-se-á
regulado por uma concatenação harmônica. Ao passo que, se nossos atos são bons
e nossos pensamentos maus, apenas haverá uma falsa aparência do bem e
continuaremos a trazer em nós um foco malfazejo, cujas influências, mais cedo
ou mais tarde, derramar-se-ão fatalmente sobre nossa vida.
As
vezes observamos uma contradição surpreendente entre os pensamentos, os
escritos e as ações de certos homens, e somos levados, por esta mesma
contradição, a duvidar de sua boa-fé, de sua sinceridade. Muitas vezes não há
mais do que uma interpretação errônea de nossa parte. Os atos desses homens
resultam do impulso surdo dos pensamentos e das forças que eles acumularam em
si no passado. Suas aspirações atuais, mais elevadas, seus pensamentos mais
generosos traduzir-se-ão em atos no futuro. Assim, tudo se combina e explica
quando se consideram as coisas do largo ponto de vista da evolução; ao passo
que tudo fica obscuro, incompreensível, contraditório com a teoria de uma vida
única para cada um de nós.
O
contacto pelo pensamento com os escritores de gênio, com os autores
verdadeiramente grandes de todos os tempos e países, lendo, meditando suas
obras, impregnando todo o nosso ser da substância de sua alma. As radiações de
seus pensamentos despertarão em nós efeitos semelhantes e produzirão, com o
tempo, modificações de nosso caráter pela própria natureza das impressões
sentidas.
E
necessário escolhermos com cuidado nossas leituras, depois amadurecê-las e
assimilar-lhes a quintessência. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se
medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que meio seguro de
fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos de sabedoria e beleza que
podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e
gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, e o mal o
sofrimento.
O
estudo silencioso e recolhido é sempre fecundo para o desenvolvimento do
pensamento. É no silêncio que se elaboram as obras fortes. A palavra é
brilhante, mas degenera demasiadas vezes em conversas estéreis, às vezes maléficas;
com isso, o pensamento se enfraquece e a alma esvazia-se. Ao passo que na
meditação o Espírito se concentra, volta-se para o lado grave e solene das
coisas; a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas. Há em roda do
pensador grandes seres invisíveis que só querem inspirá-lo ; é à meia-luz das
horas tranqüilas ou então à claridade discreta da lâmpada de trabalho que
melhor podem entrar em comunhão com ele. Em toda a parte e sempre uma vida
oculta mistura-se com a nossa. Evitemos as discussões ruidosas, as palavras
vãs, as leituras frívolas. Sejamos sóbrios de jornais. A leitura dos jornais,
fazendo-nos passar continuamente de um assunto para outro, torna o Espírito
ainda mais instável. Vivemos numa época de anemia intelectual, que é causada pela
raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da
forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência dos educadores da
mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o que pode
esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa
evolução. Pouco a pouco, ir-se-ão edificado em nós uma inteligência e uma
consciência mais fortes, e nosso corpo fluídico iluminar-se-á com os reflexos
de um pensamento elevado e puro.
Dissemos
que a alma oculta profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque mil
objetos externos ocupam-no incessantemente. Sua superfície, como a do mar, é
muitas vezes agitada; mas, por baixo, se estendem regiões inacessíveis às
tempestades. Aí dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para
emergirem e aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem
agita-se em sua indigência, ignorante dos tesouros inapreciáveis que nele
repousam.
E
necessário o choque das provações, as horas tristes e desoladas para fazer-lhe
compreender a fragilidade das coisas externas e encaminhá-lo para o estudo de
si mesmo, para a descoberta de suas verdadeiras riquezas espirituais.
É
por isso que as grandes almas se enobrecem e embelezam tanto mais quanto mais
vivas são suas dores. A cada nova desgraça que as fere têm a sensação de se
haverem aproximado um pouco mais da verdade e da perfeição e, a este
pensamento, experimentam uma como volúpia amarga. Levantou-se uma nova estrela
no céu de seu destino, estrela cujos raios trêmulos penetram no santuário de
sua consciência e lhe iluminam os recônditos. Nas inteligências de cultura
elevada faz sementeira a desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma
seara de virtude e beleza.
Em
certas horas de nossa vida, quando nos morre nossa mãe, quando se desmorona uma
esperança ardentemente acariciada, quando se perde a mulher, o filho amado, de
cada vez que se despedaça um dos laços que nos ligavam a este mundo, uma voz
misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa alma, voz solene que nos fala de
mil leis augustas, mais veneráveis que as da Terra e entreabre-se todo um mundo
ideal. Mas, os ruídos do exterior abafam-na bem depressa e o ser humano recai
quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações, na rara vulgaridade de sua
existência.
Não
há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. necessário vigiar
todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido devemos
dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos. Primeiramente, regular a vida
física, reduzir as exigências materiais ao necessário, a fim de garantir a
saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel
terrestre. Depois disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em
dominó-las, em utilizá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral;
aprender principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do "eu", a
desprender-nos de todo o sentimento de egoísmo. A verdadeira felicidade neste
mundo está na proporção do esquecimento próprio.
Não
basta crer e saber, é necessário viver nossa crença, isto é, fazer penetrar na
prática diária da vida os princípios superiores que adotamos; é necessário
habituarmo-nos a comungar pelo pensamento e pelo coração com os Espíritos
eminentes que foram os reveladores, com todas as almas de escol que serviram de
guias à Humanidade, viver com eles numa intimidade cotidiana, inspirar-nos em
suas vistas e sentir sua influência pela percepção íntima que nossas relações
com o mundo invisível desenvolvem.
Entre
estas grandes almas é bom escolher uma como exemplo, a mais digna de nossa
admiração e, em todas as circunstâncias difíceis, em todos os casos em que
nossa consciência oscila entre dois partidos a tomar, inquirirmos o que ela
teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.
Assim,
pouco a pouco, iremos construindo, de acordo com esse modelo, um ideal moral
que se refletirá em todos os nossos atos. Todo homem, na humilde realidade de
cada dia, pode ir modelando uma consciência sublime. A obra é vagarosa e
difícil, mas, por isso, são-nos dados os séculos.
Concentremos,
pois, muitas vezes, nossos pensamentos, para dirigi-los, pela vontade, em
direção ao ideal sonhado. Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de
preferência pela manhã, quando tudo está sossegado e repousa ainda em roda de
nós, nesse momento a que o poeta chama "a hora divina", quando a
Natureza, fresca e descansada, acorda para as claridades do dia.
Nas
horas matinais, a alma, pela oração e pela meditação, eleva-se com mais fácil
impulso até às alturas donde se vê e compreende que tudo - a vida, os atos, os
pensamentos - está ligado a alguma coisa grande e eterna e que habitamos um
mundo em que potências invisíveis vivem e trabalham conosco. Na vida mais
simples, na tarefa mais modesta, na existência mais apagada, mostram-se,
então, faces profundas, uma reserva de ideal, fontes possíveis de beleza. Cada
alma pode criar com seus pensamentos uma atmosfera espiritual tão bela, tão
resplandecente, como nas paisagens mais encantadoras; e, na morada mais
mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas para Deus e para o Infinito!
Em
todas as nossas relações sociais, em nossas relações com os nossos
semelhantes, é preciso nos lembremos constantemente disto : Os homens são
viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela qual
todos subimos. Por conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar
deles, que não esteja em relação com seu grau de adiantamento.
A
todos devemos tolerância, benevolência e até perdão; porque, se nos causam
prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de
compreensão e de saber, resultantes de desenvolvimento insuficiente. Deus não
pede aos homens senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e
penosos trabalhos.
Não
temos o direito de exigir mais. Não fomos semelhantes aos mais atrasados deles
? Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não
seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! As vezes também
carecemos da mesma indulgência que lhes devemos. Sejamos severos conosco e
tolerantes com os outros. Instruamo-los, esclareçamo-los, guiemo-los com
doçura, é o que a lei de solidariedade nos preceitua.
Enfim,
é preciso saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja qual
for o procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber
nenhuma animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer
reverter em benefício de nossa própria educação moral todas as causas de
aborrecimento e aflição. Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas
vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isto o
que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as
provações sem amargura, considerando-as como reparação do passado ou como meio
de aperfeiçoamento.
De
grau em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, à posse de nós mesmos,
à confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação
íntima, permitindo-nos ficar firmes no meio das mais duras vicissitudes.
Quando
chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas, as
altas verdades aparecem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno
através dos ramos nus de nossos jardins.
Pouco
importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum
raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com
alguma beleza moral. As vidas obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais
fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito
tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades.
A
felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente
em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar. Que importa que o céu
esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de
nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no
coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu
pensamento, se o crime e a traição habitarem em mim, todos os favores e todas
as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da
consciência. O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro,
um lugar sagrado, um retiro profundo onde não chegam as discórdias e as
contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do Espaço a sanção do dever
e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em
si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno. Mas, lembremo-nos
de que nada há irreparável; a situação atual do Espírito inferior não é mais que
um ponto quase imperceptível na imensidade de seus destinos.
Léon
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