Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com
Allan Kardec, como bom
cientista e homem experiente, compreendia a importância de que cada conceito
seja expresso através do termo apropriado a fim de facilitar o entendimento.
Depreende-se esse cuidado do codificador na escrita dos itens I e II da
Introdução de O Livro dos Espíritos. Mais adiante, na questão 134, os Espíritos
estabeleceram uma diferen-ciação entre espírito e alma, definindo esta última
como "Um Espírito encarnado".
À primeira vista não parece
haver tanta diferença entre um e outro, pois a alma continua sendo um Espírito
só que agora envolvido num corpo físico. Na prática, porém, há poucas semelhanças,
pois o simples fato de participar de um meio material através do organismo
biológico desenvolve mudanças graves na expressão, percepção, comunicação e
locomoção do Espírito. Podemos imaginar um diálogo mais ou menos assim entre o
espírito e a alma.
Espírito - Eu sou o ser
essencial, o princípio inteligente, criado por Deus em um momento tal que não
consigo decifrar, pois se perde na noite da minha infância como ser existente.
Alma - Eu carrego comigo
essa essência, porém sou obrigado a carregar também um organismo pesado, como
uma grossa vestimenta que mais parece um escafandro de carne. Existo a partir
do instante em que penetro o mundo da matéria arrastado pelo corpo físico.
Espírito - O que eu penso,
existe para mim. Meu pensamento é criador, cria a minha realidade íntima e
também externa. Possuo a capacidade de exteriorização do pensamento que se
concretiza como sendo o mundo objetivo em que vivo e que reflete o que carrego
em mim, que pode ser um jogo de luz, de sombra ou os dois juntos.
Alma - Em mim, amigo
Espírito, há uma desvantagem e uma vantagem. Desvantagem por que eu perdi esse
potencial criador. Bom, pelo menos parte dele. Meu pensar já não consegue criar
tanto, mas continua produzindo o mundo subjetivo dos meus sonhos, das minhas
lembranças boas ou ruins. Não consigo manipular ao meu gosto os materiais ao
meu redor. Pelo menos isso me traz uma vantagem: os desregramentos do
pensamento não causam impacto ime-diato, pois que o material de que é feito o
organismo físico serve de abafador do pensamento, de redutor, de isolante entre
o pensamento e a realidade externa. Você é o grande ser abaixo de Deus, eu sou
simplesmente uma alma.
Espírito - Você é que é
feliz, minha amiga, pois as experiências que você produz é que me fizeram ser o
que sou. Minhas capacidades desenvolvi graças a você ter se sacrificado
bravamente nos recônditos da materialidade, des-de as longínquas eras em que o
homem ainda perambulava de lugar em lugar à cata dos alimentos das árvores,
lutando ferozmente pela sobrevivência de mais um dia junto com a sua prole e o
seu bando, passando pelas lutas acerbas de todas as épocas enfrentando variadas
experiências para dar desenvolvimento aos germes de inteligência que o Pai plantou.
Alma - Realmente eu vivo em
um mundo difícil, buscando arar o solo ingrato do meu ser, à custa de
sacrifícios e às vezes de sofrimentos.
Espírito - Você é apontada
pelos versos dos poetas, embeleza as letras das músicas, é procurada pelos
estudiosos da psique humana, pois que você assim o é, produz o calor humano,
ameniza o furor dos descontrolados, pacifica o coração da mãe aflita, alivia o
calor das paixões, arrebata o crente mais crente no testemunho da sua fé.
Alma - Isso ocorre, caro
irmão Espírito, mas eu só consigo deixar aparecer um laivo daquilo que você é,
eu só consigo manifestar uma réstia daquilo que é o princípio inteligente do
Universo. A minha comunicação com os outros é lenta, difícil, entremeada de
interpretações. Os meios de que me utilizo são limitados, uma boca, dois
ouvidos, mãos e todo um arcabouço que para você deve ser muito desengonçado e simplório.
Alma - Você é mais sensível que eu. Em mim, tanto as impressões
boas quanto ruins são abrandadas pelo meu instrumento grosseiro de aprendizado.
Isolada aqui na matéria, eu me sinto às vezes numa corda bamba prestes a cair
nas tentações e nos arrastamentos a que o corpo me submete. Feliz-mente, de vez
em quando eu me comunico com você, Espírito, nos momentos de reflexão, de
intros-pecção, de emancipação. Assim eu posso beber da sua sensatez. Você me
faz lembrar dos meus compromissos, você que é muito mais antigo que eu, de uma
vastidão muito maior que a minha. Desses contatos eu sempre volto pensativa. Às
vezes esses encontros me fazem sofrer, quando eu percebo que não estou fazendo
como deveria. Você alerta a minha consciência e isso às vezes dói, quando eu
não estou seguindo o caminho que você traçou para mim.
Espírito - Este é o meu papel, pois é de meu inte-resse que você
consiga realizar todo o planejamento. Só assim eu posso crescer, armazenar
conheci-mentos e refinar os meus sentimentos. A você eu sou muito grato, alma
amiga, pois é através das suas lutas e sacrifícios que eu me purifico.
Alma - Eu sou a sua projeção aqui na Terra, sou uma das suas faces
moldada pelo meio em que habito e por tudo que eu vivo. Ao retornar em
definitivo para o Mundo Espiritual me somarei aos milhares de experiências que
você acumulou durante sua exis-tência. Sei que assim serei mais feliz, mas
enquanto aqui estiver, valorizarei cada dia, cada instante até que eu aprenda a
submeter esse corpo que por enquanto é mais forte que eu.
Espírito - Assim será, pois do teu esforço sairás límpida da Terra e
serás mais um personagem por mim vivido, acumulando luz num progresso sem fim.
***
Se pudéssemos comparar, a
alma representa a persona, a máscara, o personagem vivido no grande teatro da
vida. O Espírito é o ator que se expressa de maneiras diferentes a cada peça em
que atua. O autor é Deus que dispôs para nós os cenários, as vestimentas e tudo
o mais que é necessário ao enredo da vida, deixando que atuemos com liberdade
de expressão, mas respondendo sempre por aquilo que fizermos.
Fonte: Jornal Vortice ANO
VIII, Nº 10 - Março– 2016
Muito interessante e reflexiva essa postagem!
ResponderExcluirPaz e Luz!