HAROLDO DUTRA DIAS
“Acredita-me,
mulher, vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém
adorareis
o Pai [...] Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e verdade.”1
A passagem
acima citada diz respeito ao encontro da mulher de Samaria com Jesus. A
samaritana indaga quanto ao verdadeiro local de adoração a Deus, se no monte
Gerazim (Samaria) ou, ao contrário, no monte Sião (Jerusalém). O Mestre lhe
responde, todavia, que os verdadeiros adoradores adoram a Deus em espírito e
verdade, não em pontos geográficos fixos.
Com o
Cristo, transportam- se as montanhas sagradas, da tradição bíblica, para o
interior da alma. Assim, haverá um santuário espiritual erguido ao Criador em
todos os lugares da Terra onde estiver presente um espírito sincero e
fervoroso, visto que a adoração terá lugar portas adentro do coração.
A fé
transporta montanhas. Mudando o enfoque, urge reconhecer que a edificação do “Reino
de Deus” representa verdadeira obra
divina a desdobrar- -se, também, no coração dos seres. No entanto, não raro,
exige trabalhos ingentes, inúmeros sacrifícios e lutas acerbas, decorrentes do
esforço de superação das nossas deficiências íntimas.
Desse
modo, com o propósito de debelar o pessimismo, o desânimo, a incerteza, a
hesitação, Jesus nos ensina que: “[...] se tiverdes fé como um grão de
mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará,
e nada vos será impossível”.2
A fé “é força que nasce com a própria alma, certeza
instintiva na Sabedoria de Deus que é a sabedoria da própria vida [...]”,3 não
obstante as adversidades de cada dia. Consoante o ensino de Emmanuel:
Ter fé é guardar no coração a luminosa
certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo
o coração repousar numa energia constante de realização divina da
personalidade.
Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de
não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com todos os valores da razão
tocados pela luz do sentimento. Essa fé não pode estagnar em nenhuma
circunstância da vida e sabe trabalhar sempre, intensificando a amplitude de sua iluminação, pela dor ou pela
responsabilidade, pelo esforço e pelo dever cumprido.
Traduzindo a certeza na assistência de Deus,
ela exprime a confiança que sabe enfrentar
todas as lutas e problemas, com a luz divina no coração, e significa a
humildade redentora que edifica no íntimo do espírito a disposição sincera do
discípulo, relativamente ao “faça- se no escravo a vontade do Senhor”.4
Sensível aos desafios que o progresso espiritual
apresenta, Allan Kardec asseverou:
[...]
As montanhas que a fé desloca são as dificuldades, as resistências, a má
vontade, em suma, com que se depara da parte
dos homens, ainda quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da
rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões
orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha
pelo progresso da Humanidade.[...]5
A fé transporta montanhas. Noutro giro,
consultando o dicionário constata-se que o vocábulo “fé” cobre um amplo
espectro de significados, tais como: “[...] confiança absoluta (em alguém ou
algo); [...] crédito, [credibilidade] (um homem digno de fé); [...]
asseveração, afirmação, comprovação de algum fato; [...] compromisso assumido
de ser fiel à palavra dada, de cumprir exatamente o que se prometeu”.
6 (Destaque do autor.)
A palavra “fé” é utilizada para traduzir, na Bíblia hebraica (Velho Testamento),
o radical “aman” (confirmar, sustentar; estabelecer- se; ser fiel; estar certo,
crer em), bem como os seus derivados, em especial, os termos “omen” (verdade,
fidelidade) e “emuna” (firmeza, fidelidade).
Vê-se que, no âmago dos significados dessa
raiz, está a idéia de certeza, mas também o sentido de “ser fiel” (2 Crônicas 19:9).
Por sua vez, no Novo Testamento, utiliza-se o
vocábulo “fé” para traduzir a expressão grega7 “pistis” (fé, confiança
depositada nas pessoas ou nos deuses), e especialmente seu derivado “to piston”
(confiabilidade ou fidelidade daqueles que se obrigam por um contrato).
Nesse ponto, Humberto de Campos vem em nosso
socorro, reproduzindo belíssimo diálogo de Jesus com os discípulos:
– Na causa de Deus, a fidelidade deve ser uma
das primeiras virtudes. Onde o filho e o pai que não desejam estabelecer, como ideal
de união, a confiança integral e recíproca? Nós não podemos duvidar da
fidelidade do nosso Pai para conosco. Sua dedicação nos cerca os espíritos, desde
o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e já Ele nos amava. E, acaso, poderemos
desdenhar a possibilidade de retribuição? Não seria repudiarmos o título de
filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver no afastamento, favorecendo a
negação?
[...]
É certo que as forças destruidoras reclamarão a indiferença e a submissão do
filho de Deus; mas, o filho de coração fiel a seu Pai se lança ao trabalho com
perseverança e boa vontade. Entrará em
luta silenciosa com o meio, sofrer-lhe-á os tormentos com heroísmo espiritual,
por amor do Reino que traz no coração plantará uma flor onde haja um espinho; abrirá
uma senda, embora estreita, onde estejam
em confusão os parasitos da Terra; cavará pacientemente, buscando as entranhas
do solo, para que surja uma gota d’água onde queime um deserto. Do íntimo desse
trabalhador brotará sempre um cântico de alegria, porque Deus o ama e segue com
atenção.8
Munidos de fé sincera estaremos em condições
de atravessar esses difíceis momentos de transição do orbe terrestre, bem como triunfar
nas provas e expiações, rumo à iluminação espiritual.
É preciso procurar “[...] as águas vivas da
prece para lenir o coração, mas não nos esqueçamos de acionar os nossos
sentimentos, raciocínios e braços, no progresso e aperfeiçoamento de nós
mesmos, de todos e de tudo, compreendendo que Jesus reclama obreiros diligentes
para a edificação de seu Reino em toda a Terra”.9
A fé transporta montanhas.
Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 149 • Abr i l 2008
Referência:
1Bíblia de
Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 4: 21-24, p. 1851.
2Idem,
ibidem. Mateus, 17: 20, p. 1735.
3XAVIER,
Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 17. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2006. Cap. 6, p. 32.
4XAVIER,
Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB,
2007. Questão 354.
5KARDEC,
Allan. O Evangelho segundo o
Espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIX, item 2.
6HOUAISS,
Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco M. M. Dicionário Houaiss da
língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2007. p. 1317.
7Todos os manuscritos do Novo Testamento,
encontrados e catalogados até o presente momento, estão redigidos na língua
grega, excetuando-se os manuscritos referentes às diversas traduções desse
mesmo texto. 32 150 Reformador • Abr i l 2008
8XAVIER,
Francisco C. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 3. ed. especial. Rio
de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 6, p. 49-50 e 53-54.
9XAVIER,
Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 36. ed. Rio de Janeiro:
FEB, 2007.
Cap. 69, p. 180-181.
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