A questão da morte espiritual é um dos novos princípios que assinalam os progressos da ciência espírita. A maneira por que foi apresentada em certa teoria pessoal determinou, no primeiro momento, a sua rejeição, porque parecia implicar o aniquilamento, em dado tempo, do eu individual e assimilar as transformações da alma às da matéria, cujos elementos se desagregam para formar novos corpos. Os seres ditosos e aperfeiçoados seriam, na realidade, novos seres, o que é inadmissível. A equidade das penas e dos gozos futuros só se evidencia com a perpetuidade dos seres ascendendo a escala do progresso e depurando-se pelo trabalho e pelos esforços da vontade própria.
Tais
as consequências que se podiam tirar, a priori, daquela teoria. Entretanto,
devemos convir em que ela não foi apresentada com a empáfia de um orgulhoso que
pretendesse impor o seu sistema. Disse modestamente o autor que apenas desejava
lançar uma ideia no terreno da discussão, dado que dessa ideia poderia surgir
uma verdade nova.
Ao
parecer dos nossos eminentes guias espirituais, ele teria pecado menos quanto
ao fundo, do que quanto à forma, que se prestou a uma falsa interpretação. Isso
nos determina a estudar seriamente a questão. É o que tentaremos fazer,
baseando-nos na observação dos fatos que ressaltam da situação do Espírito, em
duas épocas, para ele, capitais: a da sua descida à vida corpórea e a do seu
regresso à vida espiritual.
Por
ocasião da morte corpórea, o Espírito entra em perturbação e perde a
consciência de si mesmo, de sorte que jamais testemunha o último suspiro do seu
corpo. Pouco a pouco a perturbação se dissipa e o Espírito se recobra, como um
homem que desperta de profundo sono. Sua primeira sensação é a de estar livre
do fardo carnal; segue-se o espanto, ao reparar no novo meio em que se
encontra. Acha-se na situação de um a quem se cloroformiza para uma amputação e
que, ainda adormecido, é levado para outro lugar. Ao acordar, ele se sente
livre do membro que o fazia sofrer; muitas vezes, procura-o, surpreendido de
não mais o possuir. Do mesmo modo, o Espírito, no primeiro momento, procura o
corpo que tinha; descobre-o a seu lado; reconhece que é o seu e espanta-se de
estar dele separado e só gradativamente se apercebe da sua nova situação.
Nesse
fenômeno, apenas se operou uma mudança de situação material. Quanto ao moral, o
Espírito é exatamente o que era algumas horas antes; por nenhuma modificação
sensível passou; suas faculdades, suas ideias, seus gostos, seus pendores, seu
caráter são os mesmos e as transformações que possa experimentar só
gradativamente se operarão, pela influência do que o cerca. Em resumo,
unicamente para o corpo houve morte; para o Espírito, apenas sono houve.
Na
reencarnação, as coisas se passam de outra maneira.
No
momento da concepção do corpo que se lhe destina, o Espírito é apanhado por uma
corrente fluídica que, semelhante a uma rede, o toma e aproxima da sua nova
morada. Desde então, ele pertence ao corpo, como este lhe pertencerá até que
morra. Todavia, a união completa, o apossamento real somente se verifica por
ocasião do nascimento.
Desde
o instante da concepção, a perturbação ganha o Espírito; suas idéias se tornam
confusas; suas faculdades se somem; a perturbação cresce à medida que os liames
se apertam; torna-se completo nas últimas fases da gestação, de sorte que o
Espírito não aprecia o ato de nascimento do seu corpo, como não aprecia o da
morte deste; nenhuma consciência tem,
nem de um, nem de outro.
Desde
que a criança respira, a perturbação começa a dissipar-se, as idéias voltam
pouco a pouco, mas em condições diversas das verificadas quando da morte do
corpo.
No
ato da reencarnação, as faculdades do Espírito não ficam apenas entorpecidas
por uma espécie de sono momentâneo, conforme se dá quando do regresso à vida
espiritual; todas, sem exceção, passam ao estado de latência. A vida corpórea
tem por fim desenvolvê-las mediante o exercício, mas nem todas se podem
desenvolver simultaneamente, porque o exercício de uma poderia prejudicar o de
outra, ao passo que, por meio do desenvolvimento sucessivo, umas se firmam nas
outras. Convém, pois, que algumas fiquem em repouso, enquanto outras aumentam.
Esta a razão por que, na sua nova existência, pode o Espírito apresentar-se sob
aspecto muito diferente, sobretudo se pouco adiantado for, do que tinha na
existência precedente.
Num,
a faculdade musical, por exemplo, será mais ativa; ele conceberá, perceberá e,
portanto, fará tudo o que for necessário ao desenvolvimento dessa faculdade;
noutra existência, tocará a vez à pintura, às ciências exatas, à poesia, etc.
Enquanto estas novas faculdades se exercitarem, a da música estará latente, mas
conservando o progresso que realizou. Resulta daí que quem foi artista numa
existência, poderá ser um sábio, um homem de estado, ou um estrategista noutra,
sendo nulo do ponto de vista artístico e reciprocamente.
O
estado latente das faculdades na reencarnação explica o esquecimento das
existências precedentes, enquanto que, por ocasião da morte, achando-se as
faculdades em estado de sono pouco durável, a lembrança da vida que acaba de
transcorrer é completa, ao despertar o Espírito na vida espiritual. As
faculdades que se manifestam estão naturalmente em relação com a posição que o
Espírito tem de ocupar no mundo e com as provas que haja escolhido. Entretanto,
acontece muitas vezes que os preconceitos sociais o desloquem, o que faz que
certas pessoas estejam intelectual e moralmente acima ou abaixo da posição que
ocupam. Esse deslocamento, pelos entraves que acarreta, faz parte das provas;
cessará com o progresso. Numa ordem social avançada, tudo se regula de acordo
com a lógica das leis naturais e aquele que apenas tiver aptidão para fabricar
sapatos não será, por direito de nascimento, chamado a governar os povos.
Voltemos
à criança. Até ao nascer, todas as faculdades se lhe encontram em estado
latente, nenhuma consciência de si mesmo tem o Espírito. As que devam
desenvolver-se não desabrocham de súbito no ato de nascer; o desenvolvimento
delas acompanha o dos órgãos que terão de servir para as suas manifestações;
por meio da atividade íntima em que se põem, elas impulsionam o desenvolvimento
dos órgãos que lhes correspondem, do mesmo modo que o broto, ao nascer, força a
casca da árvore. Daí resulta que, na primeira infância, o Espírito não goza em
plenitude de nenhuma de suas faculdades, não só como encarnado, mas também como
Espírito livre. Ele é verdadeiramente infantil, como o corpo a que se acha
ligado, sem, contudo, estar neste comprimido penosamente. A não ser assim, Deus
houvera feito da encarnação um suplício para todos os Espíritos, bons ou maus.
O
mesmo, porém, não acontece com o idiota ou o cretino. Nestes, não se tendo os
órgãos desenvolvido paralelamente às faculdades, o Espírito acaba por achar-se
na posição de um homem preso por laços que lhe tiram a liberdade dos
movimentos. Tal a razão por que se pode evocar o espírito de um idiota e obter
respostas sensatas, ao passo que o de uma criança de muito pouca idade, ou que
ainda não veio à luz, é incapaz de responder.
Todas
as faculdades, todas as aptidões se encontram em gérmen no Espírito, desde a
sua criação, mas em estado rudimentar, como todos os órgãos no primeiro filete
do feto informe, como todas as partes da árvore na semente. O selvagem que mais
tarde se tornará homem civilizado possui, pois, em si os germens que, um dia,
farão dele um sábio, um grande artista, ou um grande filósofo.
À
medida que esses germens chegam à maturidade, a Providência lhes dá, para a
vida terrestre, um corpo apropriado às suas novas aptidões. Ë assim que o
cérebro de um europeu é organizado de modo mais completo, provido de maior
número de teclas, do que o do selvagem. Para a vida espiritual, dá-lhes um
corpo fluídico, ou perispírito, mais sutil e impressionável por novas
sensações. À proporção que o Espírito se engrandece, a natureza o provê dos
instrumentos que lhe são necessários.
No
sentido de desorganização, de desagregação das partes, de dispersão dos
elementos, não há morte, senão para o invólucro material e o invólucro
fluídico; mas, quanto à alma, ou Espírito, esse não pode morrer para progredir;
de outro modo, ele perderia a sua individualidade, o que equivaleria ao nada.
No sentido de transformação, regeneração, pode dizer-se que o Espírito morre a
cada encarnação, para ressuscitar com atributos novos, sem deixar de ser o eu
que era. Tal, por exemplo, um camponês que enriquece e se torna importante
senhor. Trocou a choupana por um palácio, as roupas modestas por vestuários de
brocado. Todos os seus hábitos mudaram, seus gostos, sua linguagem, até o seu
caráter. Numa palavra, o camponês morreu, enterrou as vestes de grosseiro
estofo, para renascer homem de sociedade, sendo sempre, no entanto, o mesmo
indivíduo, porém transformado.
Cada
existência corpórea é, pois, para o Espírito, um meio de progredir mais ou
menos sensivelmente. De volta ao mundo dos Espíritos, leva para lá novas
ideias; um horizonte moral mais dilatado; percepções mais agudas, mais
delicadas. Vê e compreende o que antes não via, nem compreendia; sua visão que,
a princípio, não ia além da última existência que tivera, passa a abranger
sucessivamente as suas existências pretéritas, como o homem que sobe uma
montanha e para quem o nevoeiro se vai dissipando, abrange com o olhar um
horizonte cada vez mais vasto.
A
cada novo estágio na erraticidade, novas maravilhas do mundo invisível se
desdobram diante do seu olhar, porque, em cada um desses estágios, um véu se
rasga. Ao mesmo tempo, seu envoltório fluídico se depura; torna-se mais leve,
mais brilhante e mais tarde resplandecerá. É quase um novo Espírito; é o
camponês desbastado e transformado. Morreu o Espírito velho, mas o eu é sempre
o mesmo.
É
assim, cremos, que convém se entenda a morte espiritual.
(Do
livro "Obras Póstumas", 38, Allan Kardec)
Leitura
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RESPOSTA DE LÉON DENIS SOBRE A REENCARNAÇÃO
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