sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O QUE É VIAGEM ASTRAL


Wagner, o que é Viagem Astral?

É a capacidade parapsíquica que todas as pessoas têm de projetar temporariamente a sua consciência espiritual para fora do corpo físico. Essa capacidade vem sendo chamada, ao logo dos milênios, de acordo com as diversas doutrinas que trabalham a espiritualidade por nomes diferentes. Então, temos viagem astral, que é o mais popular, enquanto que experiência fora do corpo ou projeção da consciência são nomes mais técnicos. No espiritismo é comumente chamada de desdobramento espiritual, emancipação da alma ou despreendimento espiritual.

Independente do nome que usarmos, é uma capacidade humana, latente em nós, pois somos espíritos, e ocupamos um corpo físico aqui na Terra por um certo tempo. Portanto, à noite, quando dormimos, o corpo relaxa, nosso metabolismo fica mais tranqüilo, e os laços energéticos que prendem os perispíto ao corpo se afrouxam e o corpo espiritual (perispírito) é temporariamente projetado para fora do corpo físico. É essa projeção que leva o nome de viagem astral.

Isso ocorre com todos, independente da religião do indivíduo?

Sim. Independe de raça, credo, cultura ou religião. Ela ocorre devido ao potencial humano. Até mesmo alguns mamíferos mais avançados, como gato, cachorro, cavalo ou vaca, têm despreendimento para fora do corpo enquanto dormem. Eu já vi alguns animais fora do corpo. Minha curiosidade é ver um dia um golfinho ou uma baleia fora do corpo.

Como diferenciarmos um sonho de uma projeção?

Quando estamos sonhando, qual é o espaço onde as imagens do sonho se apresentam? Em nossa tela mental interna. Então as características das imagens do sonho, também chamadas de imagens oníricas, é que elas são de extrema plasticidade. Por exemplo, quando você está sonhando, as imagens não param. São extremamente "plásticas", mudam em segundos, são vivazes. Nossa noção de tempo também desaparece. Às vezes você está tendo um sonho onde se passou uma tarde inteira, mas quando você acorda, percebe que cochilou por quinze minutos. Portanto, como o sonho é um estado alterado de consciência, nossa noção de tempo e espaço se altera também. Quando a pessoa está projetada fora do corpo, de forma consciente, tem o mesmo grau de lucidez de quando está em seu estado de vigília, acordada. Portanto, para diferenciarmos um sonho de uma projeção, basta usarmos os parâmetros que usamos no momento de vigília. Por exemplo, eu penso, raciocino, tenho noção de tempo e espaço etc. O corpo espiritual não é afetado pela gravidade, pois é um corpo energético mais sutil, que atravessa objetos sólidos. Então, a pessoa, normalmente, se vê flutuando no ar sobre o corpo físico sem ter noção do que está acontecendo. Neste momento, ela se questiona se está sonhando, mas sua luzidez, o grau de questionamento é igual ao da vigília. Existe uma coerência.

É possível realizarmos uma projeção para fora do corpo de forma não-consciente e nos confundirmos, acharmos que foi apenas um sonho?

Sim, isso é muito comum. Muitas vezes, quando se está fora do corpo de forma consciente, você não tem dúvidas, mas quando voltamos para o corpo físico, nosso cérebro é um instrumento "carnal" apropriado para uma leitura de experiências que acontecem neste plano físico. O cérebro não tem a capacidade de percepção direta de níveis astrais, mais sutis. Portanto, quando o seu perispírito se encaixa de volta ao corpo físico, o cérebro trava sua memória astral que você trouxe, porque parece estranha para o padrão cerebral normal deste plano. Então, as imagens que você traz na memória de momentos que esteve fora do corpo, são misturadas com imagens de sonhos, fazendo com que ao voltar ao corpo, tudo pareça um sonho. Podemos até mesmo realizar uma viagem fora do corpo e não conseguirmos nos lembrar de nada, mas a sensação permanece, assim como todo aprendizado ou conselho valioso que possamos receber, ficarão gravados no subconsciente, e durante o dia-a-dia, ela vão emergindo como novas idéias e intuições.

Existem reuniões de estudo no plano extrafísico?

Sim, e é um dos grandes benefícios da saída do corpo, porque os mentores espirituais freqüentemente organizam grupos de estudos no plano espiritual e levam as pessoas para que elas estudem. Existem até cursos extrafísicos. O mentor espiritual de determinada pessoa auxilia a saída do corpo e a leva para assistir a uma aula. Ela pode até não lembrar dos estudos, mas com certeza, o conteúdo fica de certa forma gravado dentro dela e vai desabrochando durante o dia-a-dia. Muitos espiritualistas, que freqüentam determinados grupos de estudo, continuam seus estudos no plano espiritual. Isso pode ser confirmado nos livros de André Luiz. Portanto, nas noites em que participar de alguma reunião espírita, por exemplo, é muito importante não distrair a mente ao voltar da reunião. Procure não assistir àTV, e nem comer alimentos pesados, para não dificultar a saída do corpo.

Existem casos em que a pessoa sai do corpo para freqüentar ambientes pesados, como prostíbulos ou até mesmo usar tóxicos?

O que fazemos durante o dia, normalmente procuraremos fazer fora do corpo. O fato da pessoa sair fora do corpo, não altera sua personalidade, não a torna melhor e nem pior. O importante é o que fazemos fora dele. Então, se uma pessoa vai dormir pensando em usar alguma droga pesada, por exemplo, quando ela adormece, seu perispírito poderá se projetar para fora do corpo temporariamente e buscar aquilo que ela está desejando.

Existem locais no plano espiritual mais denso, como as regiões umbralinas, onde grupos de espíritos se reúnem em busca da energia do tóxico, em um verdadeiro vampirismo coletivo.Os obsessores vão até lá e drenam a energia destes usuários durante o sono.

É a mesma coisa com relação à sexualidade desequilibrada. Ao sair do corpo, a pessoa poderá ser atraída para determinados locais, como prostíbulos. Durante o dia, os obsessores já participam do intercurso sexual com aquele encarnado. À noite, quando a pessoa dorme e volta ao local, desta vez fora do corpo, estes obsessores também drenam a energia do campo energético do encarnado. Não chegam a provocar o desencarne, pois o cordão energético o puxará de volta ao corpo, mas ele passará alguns dias deprimido, sem energia. É uma espécie de "pedágio espiritual" que ele paga, pois parte de sua energia vital estará sendo sugada por espíritos obsessores.

O que fazer para realizarmos uma viagem de forma equilibrada e rica em aprendizado espiritual?

É muito importante que todos nós, antes de deitarmos, fizéssemos uma prece, independente da religião que seguimos. Que possamos elevar nossos pensamentos e agradecermos o dia que tivemos. Podemos também pedir para que tenhamos proteção durante o sono e que possamos visitar locais saudáveis para aprendermos, a fim de voltarmos para o corpo com mais criatividade, vontade de viver e fazer o bem aqui na Terra. Se, de repente, nos depararmos com algum espírito que quer nos prejudicar, a melhor forma de resolvermos a situação é orarmos e irradiarmos nossas energias em direção a ele, numa espécie de passe energético. Mas não precisamos temer situações como essa. Basta termos humildade e o desejo de paz.

Não seria mais importante nos dedicarmos à nossa reforma interior em vez de aprofundarmos nosso conhecimento sobre viagem astral?

Podemos unir uma coisa à outra. Muitos querem separar um estudo que faz parte de um conjunto. O que é reforma íntima? Transformação. Um trabalho de alquimia interior em que trabalhamos nossos defeitos procurando nos transformar para melhor. Este processo, sabemos que é longo e dura muitas existências. Ou seja, temos qualidades e defeitos. O que é reforma íntima? Tentar melhorar as qualidades e diminuir os defeitos. Não precisamos nos tornar santos, mestres, que é algo ainda impossível para nós no dia-a-dia. A proposta é que a gente possa se tornar um ser humano íntegro.

Ao invés de reforma íntima, prefiro usar o termo transformação, crescimento. E neste sentido, o que melhora o ser humano? O discernimento, a capacidade de expressar amor, paciência. Precisamos aprender a dominar nossas energias, pois tudo no universo é energia. Então, tudo o que a gente aprende de reforma íntima, no dia-a-dia, quando dormimos e nos projetamos para fora do corpo, os mentores espirituais vão tentar trabalhar na gente aquilo que já estamos buscando durante a vigília. E se buscamos crescer na vigília, também teremos oportunidade de crescer em outros planos. Não podemos nos esquecer de que somos espíritos, que viemos do plano espiritual aqui para a Terra. Então, o que impede de irmos para "casa" durante o sono, que é algo natural? A reforma íntima pode ser treinada na vigília e ampliada durante o sono se buscarmos nos melhorar e crescer.
Se estudarmos com atenção O Livro dos Espíritos, veremos que no capítulo sobre emancipação da alma, os espíritos explicam que isto é natural, uma condição anímica e até incentivam. Em nenhum momento eles dizem que devemos procurar evitar ou que é algo perigoso. Sem contar os livros de Leon Denis, André Luiz entre outros.

Como os estrangeiros vêem a questão da projeção, da vida após a morte?

Para a maioria deles é tudo novidade, principalmente na Europa. O assunto da saída do corpo já vem sendo veiculado há muitos anos, mas é aqui no Brasil onde se concentra um bom número de pesquisadores da área. Nos EUA e na Inglaterra, existem muitos livros sobre saída do corpo, mas eles não dão muita importância. Na Europa, em geral, principalmente na Suíça, onde ministrei um curso recentemente, na Alemanha, na Itália e no leste europeu, a falta de informação é muito grande. Não só a questão da projeção, mas a própria mediunidade é novidade para eles. Quando você fala um pouco sobre o plano espiritual, sobre a presença dos mentores, sobre os chacras, assuntos que já fazem parte do conhecimento oriental há milhares de anos, lá na Europa o pessoal fica encantado. Por isso é muito importante podemos compartilhar nossos conhecimentos. Somos uma só família e precisamos todos crescer juntos.

Para encerrar, conte-nos uma experiência que você teve fora do corpo e foi muito marcante.

Em 1987, me vi fora do corpo, durante o sono, em pleno espaço sideral. Comigo estava um chinês, desencarnado, que me orienta já há muitos anos. Na nossa frente, a uma certa distância, podíamos enxergar vários focos luminosos multicoloridos imensos. Eu sabia, por intuição, que cada um daqueles focos luminoso eram um espírito avançado vindo de outros planetas em outro estágio de evolução, muito mais avançado que o nosso. Eles nem sequer apresentavam uma forma humanóide. Apresentavam-se como um "campo de luz". Um deles se destacou do grupo e veio em nossa direção. Reduziu seu tamanho até mais ou menos uns três metros, e se comunicou comigo mentalmente. Ao fazer isso, a impressão que tive é a de que ele tinha entrado em minha mente. Por questões de segundos, senti que ele percebia tudo sobre mim, sobre todas as minhas existências, em todas as épocas. Senti que ele conhecia todos os meus defeitos, e não me condenava em nada. Me compreendia profundamente.

Então, ele se comunicou comigo e me passou várias informações. Mas ocorreu um problema.Quando as informações entravam na minha mente, devido ao meu grau de evolução, eu não conseguia compreender. Não conseguia segurá-las. É como um aluno do primário, que está aprendendo a tabuada, e é levado pelo pai para assistir a uma aula de álgebra avançada.

Aquele espírito tentou passar as informações por mais duas vezes, mas eu não consegui compreender novamente. Então, ele disse ao guia chinês: " -Traga-o em uma outra oportunidade. Ele não está entendendo". E foi embora. Neste momento, me senti um inútil. Estava com várias informações em mente, mas não entendia nada. Fui puxado de volta ao corpo e acordei. Comecei, então, a chorar de raiva de mim mesmo, pela minha impotência, por não ter entendido nada. O mentor que me acompanhava apareceu e pediu-me calma. Respondi: "- Calma! Como posso ficar calmo se perdi a maior chance da minha vida!". Ele me respondeu que já sabia que eu não entenderia nada. "- Então, por que você me levou lá?", perguntei. Ele respondeu: "- Para você aprender que não sabe nada. Todas as vezes na sua vida em que se sentir arrogante com o que você sabe, lembre-se desta experiência. Por mais que você saiba alguma coisa, aquilo que você não sabe é muito mais!". Esta experiência me fez amadurecer muito, pois vi o quanto ainda tenho que evoluir.

domingo, 27 de outubro de 2013

OS FRUTOS DO ESPIRITISMO


Por Enrique Eliseo Baldovino


Homenagem ao Sesquicentenário de 
O Evangelho Segundo o Espiritismo, de 
Allan Kardec

Relendo o penúltimo artigo (8º) das páginas históricas da Revista Espírita de dezembro de 1864 (RE dez. 1864–VIII: Comunicação espírita – A propósito da Imitação do Evangelho [Bordéus, maio de 1864; Grupo de Saint-Jean – Médium: Sr. Rul.], páginas 395-397),(1) encontramos uma notável instrução ditada pelo Espírito de Verdade, que comentaremos a seguir, com letra cursiva e menor, transcrevendo a mensagem original e intercalando as nossas considerações, junto das lúcidas observações de Allan Kardec.

Comunicação Espírita

A PROPÓSITO DA IMITAÇÃO DO EVANGELHO

(Bordéus, maio de 1864; Grupo de S. João – Médium: Sr. Rul.)

“Um novo livro acaba de aparecer. É uma luz mais brilhante que vem clarear a vossa marcha. Há dezoito séculos vim, por ordem de meu Pai, trazer a palavra de Deus aos homens de boa vontade. Essa palavra foi esquecida pela maioria, e a incredulidade, o materialismo vieram abafar o bom grão que eu tinha depositado em vossa Terra. Hoje, por ordem do Eterno, os bons Espíritos, seus mensageiros, vêm a todos os pontos da Terra fazer ouvir a trombeta retumbante. Escutai suas vozes; elas são destinadas a mostrar-vos o caminho que conduz aos pés do Pai celeste. Sede dóceis aos seus ensinamentos; os tempos preditos são chegados; todas as profecias serão cumpridas.

O contexto histórico desta profunda comunicação é o mês de maio de 1864, poucos dias depois do notável aparecimento do livro Imitation de L’Évangile selon le Spiritisme, de Allan Kardec, lançado em Paris em abril de 1864 (1ª edição),(2) cujas merecidas comemorações o Movimento Espírita nacional e internacional estão realizando, por ocasião do Sesquicentenário de O Evangelho segundo o Espiritismo (a 3ª edição, revista, corrigida e modificada é de 1866).(3) O Espírito de Verdade usa, de forma clara, uma linguagem eminentemente evangélica, recordando a passagem de Jesus, na Terra, há 18 séculos – contando desde a época da Codificação da Doutrina dos Espíritos –, e o próprio Espírito de Verdade cita, como o faz no Prefácio a L’Évangile selon le Spiritisme, que “os tempos são chegados”.

“Pelos frutos se conhece a árvore. Vede quais são os frutos do Espiritismo: casais onde a discórdia tinha substituído a harmonia voltaram à paz e à felicidade; homens que sucumbiam ao peso de suas aflições, despertados pelos acordes melodiosos das vozes de além-túmulo, compreenderam que seguiam por um caminho errado e, envergonhados de suas fraquezas, arrependeram-se e pediram ao Senhor a força para suportar suas provações.

O Espírito de Verdade volta a citar outro formoso ensino do Cristo: “Pelos frutos se conhece a árvore” (Mateus, 7:15-20). Os frutos opimos e saborosos da portentosa árvore do Espiritismo são as benesses que Ele espalha pelo mundo, Doutrina que continua salvando vidas através dos anos, explicando o porquê do sofrimento, identificando as causas das aflições, ensinando a perdoar, a amar sem esperar retribuição e norteando mentes e corações para o bem, cujas conquistas vivenciais devem-se sobremaneira ao elevado esclarecimento e consolo que a Doutrina Espírita proporciona à Humanidade, no seu aspecto filosófico, científico e religioso, e com as consequências ético-morais, educacionais, sociais etc., que decorrem do seu cerne doutrinário.

“Provas e expiações, eis a condição do homem na Terra. Expiação do passado, provas para fortalecê-lo contra a tentação; para desenvolver o Espírito pela atividade da luta; para habituá-lo a dominar a matéria e prepará-lo para os prazeres puros que o esperam no mundo dos Espíritos.

“Há muitas moradas na casa de meu Pai, disse-lhes Eu há dezoito séculos. Estas palavras, o Espiritismo veio torná-las compreensíveis. E vós, meus bem-amados, trabalhadores que suportais o calor do dia, que credes ter que vos lamentar da injustiça da sorte, bendizei vossos sofrimentos; agradecei a Deus, que vos dá meios de resgatar as dívidas do passado; orai, não com os lábios, mas com o coração melhorado, para vir ocupar melhor lugar na casa de meu Pai, porque os grandes serão humilhados, mas, como sabeis, os pequenos e os humildes serão exaltados.” Espírito de Verdade

Claramente, o próprio Espírito de Verdade se identifica de novo como sendo Jesus, ao citar mais um ensinamento evangélico (“Há muitas moradas na casa de meu Pai” [João, 14:2]), e asseverando sem rodeios: «disse-lhes Eu há dezoito séculos” (grifos nossos). No livro Missionários da Luz, ditado pelo Espírito André Luiz, através do médium Chico Xavier, o elevado Instrutor Alexandre, falando no Mundo Espiritual ante uma assembleia, acerca dos temas Mediunidade e fenômeno, expressou com profunda inspiração:

“(…) – Mediunidade – prosseguiu ele, arrebatando-nos os corações – constitui “meio de comunicação”, e o próprio Jesus nos afirma: “Eu sou a porta… se alguém entrar por mim será salvo e entrará, sairá e achará pastagens”! Por que audácia incompreensível imaginais a realização sublime sem vos afeiçoardes ao Espírito de Verdade, que é o próprio Senhor?(4) Ouvi-me, irmãos meus!… Se vos dispondes ao serviço divino, não há outro caminho senão Ele, que detém a infinita luz da verdade e a fonte inesgotável da vida! Não existe outra porta para a mediunidade celeste, para o acesso ao equilíbrio divino que anelais no recôndito santuário do coração! Somente através d’Ele, vivendo-lhe as sublimes lições, alcançareis a sagrada liberdade de entrar nos domínios da Espiritualidade e deles sair, conquistando o pão eterno que vos saciará a fome para sempre. Sem o Cristo, a mediunidade é simples “meio de comunicação” e nada mais, mera possibilidade de informação, como tantas outras, da qual poderão assenhorear-se também os interessados em perturbações, multiplicando presas infelizes. Lembrai-vos, contudo, de que a lei divina jamais endossou o cativeiro e nunca sancionou a escravidão! Esquecestes a palavra divina que pronunciou: “vós sois deuses”? (…) (Grifos nossos)

Observação de Allan Kardec

Agora é o próprio Codificador do Espiritismo quem comenta a comunicação do Espírito de Verdade na referida Revue Spirite, tecendo sensatas considerações em forma de Nota final, que também transcrevemos a seguir. Seus comentários magistrais fazem jus à notável frase-síntese que descreve o seu bom senso, frase muito conhecida em nosso meio: Jesus, a porta. Kardec, a chave.(5)

“Sabe-se que assumimos menos responsabilidade pelos nomes quando pertencem a seres mais elevados. Não garantimos mais essas assinaturas do que muitas outras, limitando-nos a entregar tal comunicação à apreciação de cada espírita esclarecido. Contudo, diremos que não é possível desconhecer nela a elevação do pensamento, a nobreza e a simplicidade das expressões, a sobriedade da linguagem, a ausência de superfluidade. Se ela for comparada com as que foram inseridas na Imitação do Evangelho (Prefácio e cap. III: O Cristo Consolador), e que levam a mesma assinatura, posto obtidas por médiuns diferentes e em épocas diversas, nota-se entre elas uma analogia marcante de tom, de estilo e de pensamentos, que acusa uma origem única. De nossa parte, dizemos que pode ser do Espírito de Verdade, porque é digna dEle, ao passo que temos visto muitas assinadas por este nome venerado ou o de Jesus, cuja prolixidade, verbiagem, vulgaridade, por vezes mesmo a trivialidade das ideias, traem a origem apócrifa aos olhos dos menos clarividentes. Só uma fascinação completa pode explicar a cegueira dos que se deixam apanhar, se não também o orgulho de julgar-se infalível e intérprete privilegiado dos puros Espíritos, orgulho sempre punido, mais cedo ou mais tarde, pelas decepções, pelas mistificações ridículas e por desgraças reais nesta vida. À vista desses nomes venerados, o primeiro sentimento do médium modesto é o de dúvida, porque ele não se julga digno de tal favor.”

A prudência, a humildade e a sabedoria de Allan Kardec são realmente proverbiais. O Codificador compara esta comunicação da Revista Espírita às elevadíssimas mensagens do Espírito de Verdade que constam no citado Prefácio de Imitation de L’Évangile e no capítulo: Le Christ Consolateur, sendo que estas instruções são dignas da autoria do nome venerado de Jesus. Mas Kardec, na sua grande humildade, prefere “entregar tal comunicação à apreciação de cada espírita esclarecido”.

Jesus e o Espírito de Verdade

A mesma e clara identificação do Espírito de Verdade com o Cristo encontra-se também no cap. XXXI de O Livro dos Médiuns,(6) na dissertação IX, que possui uma oportuna e explicativa Nota de Kardec, após a profunda mensagem assinada por Jesus de Nazaré:

“(…) Venho, como outrora, aos filhos transviados de Israel; venho trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como outrora a minha palavra, tem que lembrar aos materialistas que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar a planta e que levanta as ondas. Revelei a Doutrina Divina; como o ceifeiro, atei em feixes o bem esparso na Humanidade e disse: Vinde a mim, vós todos que sofreis! (…) Espíritas! amai-vos, eis o primeiro ensino: instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgais o nada, vos clamam vozes: Irmãos! nada perece; Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade”.

A mesma mensagem, com poucas variações, encontra-se em O Evangelho segundo o Espiritismo,(7) agora assinada pelo Espírito de Verdade (Paris, 1860).

O Consolador prometido

Por tudo isso, o lúcido Codificador cita no cap. VI: O Cristo Consolador, a promessa do Consolador prometido, feita outrora por Jesus e registrada no Evangelho de João, 14:15 a 17 e 26:

“Se me amais, guardai os meus mandamentos; e Eu rogarei a meu Pai e Ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece. Mas quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós. Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito”.(8)

A Doutrina Espírita é Jesus de volta

O Espiritismo é, de forma incontestável, o Cristianismo redivivo, porque nos ensina a colocar em prática o Evangelho de Jesus, isto é, a imitá-lO (Imitation de L’Évangile), a emular o Cristo, ora revivido pelos elevados ensinos da Doutrina Espírita, que restaura a Sua palavra e os Seus exemplos, sendo que O Evangelho segundo o Espiritismo contém a explicação das máximas morais do Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação às diversas circunstâncias da vida. A epígrafe do Codificador Allan Kardec é muito profunda, racional e belíssima, em todos os sentidos: “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente à razão, em todas as épocas da Humanidade”.

Em boa hora saiu a lume a edição histórica de O Evangelho segundo o Espiritismo,(9) em comemoração aos 150 anos do lançamento dessa extraordinária Obra, com o selo da Editora FEB – Federação Espírita Brasileira, em parceria com as 27 Federativas Espíritas Estaduais, em cujo número encontra-se a nossa centenária FEP – Federação Espírita do Paraná.

É tanta a importância desse Livro, pela sua considerável influência sobre a vida prática das nações (que extraíram, extraem e extrairão dele instruções excelentes), que, durante a codificação de Imitation de L’Évangile selon le Spiritisme, Allan Kardec teve que se recolher à sua residência da Ville Ségur, conforme narra Obras Póstumas, sob o título: Imitação do Evangelho (Ségur, 9 de agosto de 1863; médium: Sr. d’A…).(10)Durante a confecção desta Obra, os Espíritos Superiores disseram a Kardec: “(…) Conta conosco e conta sobretudo com a grande alma do Mestre de todos nós, que te protege de modo muito particular. (…) Nossa ação, principalmente a do Espírito de Verdade, é constante ao teu derredor e tal que não a podes negar. (…)”

O Evangelho segundo o Espiritismo: o Livro da Esperança

No primeiro centenário (1964) do lançamento de L’Évangile selon le Spiritisme, o Espírito Emmanuel, pela psicografia do médium Francisco Cândido Xavier, escreveu, à época, um Prólogo comemorativo aos 100 anos da publicação de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, e intitulou esse proêmio duma forma comovedora: Livro da Esperança, o que deu também o nome ao mesmo livro.

Esse preâmbulo foi ditado por Emmanuel em Uberaba-MG, em 18 de abril de 1964, o qual registrou o seguinte no seu parágrafo final:

“É por isso, leitor amigo, que em nos associando aos teus anseios de sublimação, que se nos irmanam na mesma trilha de necessidade e confiança, diante do Primeiro Centenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, nós te rogamos permissão para nomear este livro despretensioso de servidor reconhecido, como sendo Livro da Esperança”.(11)

Obrigado, Senhor!

Finalmente, repitamos com Emmanuel,(12) parafraseando o exórdio do citado Livro da Esperança, mas agora referindo-nos às merecidas comemorações do Sesquicentenário de Luz de L’Évangile selon le Spiritisme, com profunda gratidão ao Cristo:

“Oh! Jesus! No luminoso centenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em vão tentamos articular, diante de Ti, a nossa gratidão jubilosa!… Permite, pois, agradeçamos em prece a Tua abnegação tutelar e, enlevados ante o Livro Sublime, que Te revive a presença entre nós, deixa que Te possamos repetir, humildes e reverentes: Obrigado, Senhor!…”

Referências bibliográficas:

(1) KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Tradução de Júlio Abreu Filho. Dezembro de 1864, pp. 395-397. EDICEL.
(2) ________. Imitation de L’Évangile selon le Spiritisme. 1re édition, com XXXVI-443 páginas. Paris, les éditeurs du Livre des Esprits (35, Quai des Augustins); Ledoyen, Dentu, Fréd. Henri, libraires, au Palais-Royal, et au bureau de la Revue Spirite. Imprimerie de P.-A. Bourdier et Cie (Paris, 30, rue Mazarine). Abril de 1864.
(3) ________. L’Évangile selon le Spiritisme. 3e édition, com XXXV-444 páginas. Paris, les éditeurs du Livre des Esprits; Dentu, Fréd. Henri, libraires, au Palais-Royal, et au bureau de la Revue Spirite, 59, rue et passage Sainte-Anne. Imprimerie de P.-A. Bourdier et Cie (Paris, 6, rue des Poitevins). 1866.
(4) XAVIER, Francisco Cândido. Missionários da Luz. Ditado pelo Espírito André Luiz. 13ª edição. Capítulo 9 (Mediunidade e fenômeno), p. 99. FEB, 1980.
(5) XAVIER, Francisco C. VIEIRA, Waldo. Opinião Espírita. Ditado pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 4ª edição. Cap. 2: O Mestre e o Apóstolo, p. 25. Uberaba-MG. Comunhão Espírita Cristã: CEC, 1973.
(6) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Guillon Ribeiro. Cap. XXXI: Dissertações espíritas, número IX, com Nota de Kardec. 62ª edição, pp. 458-460. FEB, 1996.
(7) ________. O Evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo VI: O Cristo Consolador, item 5 (Instruções dos Espíritos – Advento do Espírito de Verdade). Mensagem ditada pelo Espírito de Verdade em Paris, 1860, pp. 107-108. Edição histórica. FEB, 2013.
(8) ________. _____. Cap. VI: O Cristo Consolador, item 3 (Consolador prometido), pp. 105-106. Edição histórica. FEB, 2013.
(9) ________. _____. Edição histórica (200 mil exemplares), em comemoração aos 150 anos do lançamento de L’Évangile selon le Spiritisme. Tradução de Guillon Ribeiro. Com 410 páginas. Editora FEB, em parceria com as 27 Federações Espíritas Estaduais, 2013.
(10) ________. Obras Póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro. Ségur, 9 de agosto de 1863 (Médium: Sr. d’A…) Imitação do Evangelho. 22ª edição, pp. 307-310. FEB, 1987.
(11) XAVIER, Francisco Cândido. Livro da Esperança. Ditado pelo Espírito Emmanuel. 1ª edição. Prólogo: Livro da Esperança, p. 12. CEC, 1964.
(12) ________. _____. Pelo Espírito Emmanuel. 1ª edição. Obrigado, Senhor! Página 14. CEC, 1964.



Fonte; MUNDO ESPÍRITA FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ


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sábado, 26 de outubro de 2013

A POSSESSÃO, SEGUNDO KARDEC


“Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz; o homem precisa habituar-se a ela pouco a pouco, do contrário fica deslumbrado.” (Allan Kardec)

Há possessos? Existe a possibilidade de dois Espíritos coabitarem num mesmo corpo? O mergulho cronológico nas obras da Doutrina Espírita nos leva ao seu berço, “O Livro dos Espíritos”:

1857
Questão 473 - Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado nesse corpo?

– O Espírito não entra em um corpo como entrais numa casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material. (1)

Kardec retira suas conclusões, prepara e formula a pergunta seguinte, e os Espíritos respondem:

Questão 474 - Desde que não há possessão propriamente dita, isto é, coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de sua vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada?

– Sem dúvida e são esses os verdadeiros possessos. Mas é preciso saibais que essa denominação não se efetua nunca sem que aquele que sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por desejá-la. Muitos epilépticos ou loucos, que mais necessitam de médico que de exorcismos, têm sido tomados por possessos.

Os Espíritos, aí, fazem uma nítida distinção entre os verdadeiros e os falsos possessos.

Os verdadeiros são os subjugados até ao ponto de sua vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada; os falsos são os que não correspondem aos casos de obsessão, necessitando tratamento médico.

Comenta ainda Kardec, após a resposta dos Espíritos:

“O termo possesso só se deve admitir como exprimindo a dependência absoluta em que uma alma pode achar-se a Espíritos imperfeitos que a subjuguem.”

1858
Se havia alguma dúvida sobre a opinião do Codificador até aquele momento, ele a desfaz no texto da Revista Espírita, por ele dirigida: (2)

“Antigamente dava-se o nome de possessão ao império exercido pelos maus Espíritos, quando sua influência ia até a aberração das faculdades. Mas a ignorância e os preconceitos, muitas vezes, tomaram como possessão, aquilo que não passava de um estado patológico. Para nós, a possessão seria sinônimo de subjugação. Não adotamos esse termo (...) porque ele implica igualmente a idéia de tomada de posse do corpo pelo Espírito estranho, uma espécie de coabitação ao passo que existe apenas uma ligação. O vocábulo subjugação da uma idéia perfeita. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar da palavra; há simplesmente obsedados, subjugados e fascinados.”

Fica bastante claro que, para ele, até aqui, não existia possessão.

1861
O texto acima é parecido com o exarado no “O Livro dos Médiuns” (3), com uma diferença significativa no parágrafo, qual seja, a troca da palavra “ligação”, por “constrangimento”.

1862
Momentaneamente, temos a impressão de que estariam respondidas as indagações formuladas na inicial, mas, apesar dessas considerações, o termo possessão reaparece na Revista Espírita: (4)

“Ninguém ignora que quando o Cristo, nosso muito amado mestre, encarnou-se na Judéia, sob os traços do carpinteiro Jesus, aquela região havia sido invadida por legiões de maus Espíritos que, pela possessão, como hoje, se apoderavam das classes sociais mais ignorantes, dos Espíritos encarnados mais fracos e menos adiantados (...) é preciso lembrar que os cientistas, os médicos do século de Augusto, trataram, conforme os processos hipocráticos, os infelizes possessos da Palestina e que toda sua ciência esbarrou ante esse poder desconhecido. (Erasto)”

Na mesma revista e no mesmo ano, (5) Kardec, nos “Estudos sobre os Possessos de Morzine”, acrescenta a seguinte consideração:

“O paroxismo da subjugação é geralmente chamado de possessão.”

1863
A retomada do termo tinha uma razão, e Kardec é bem incisivo na sua opinião na Revista Espírita, sobre os mesmos Possessos de Morzine, que certamente o impressionaram e influíram na mudança de sua conceituação sobre possessão, e valeram doze citações no índice remissivo da Revista Espírita (1862, 63, 64, 65 e 68), além de outros estudos, na mesma revista, como, por exemplo, quando analisa “Um Caso de Possessão”. (6) (7) Senão vejamos:

“Temos dito que não havia possessos, no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.(...) Não vendo senão o efeito, e não remontando à causa, eis por que todos os obsedados, subjugados e possessos passam por loucos (...). Eis um primeiro fato, que o prova, e apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade. (...)”

(O Sr. Charles) Declarou que, querendo conversar com seu velho amigo, aproveitava o momento em que o Espírito da Sra. A..., a sonâmbula, estava afastado do corpo, para tomar-lhe o lugar. (....). Eis algumas de suas respostas.

– Já que tomastes posse do corpo da Sra.A... poderíeis nele ficar ?
– Não; mas vontade não me falta.
– Por que não podeis ?

– Porque seu Espírito está sempre ligado ao seu corpo. Ah! Se eu pudesse romper esse laço eu pregaria uma peça.
– Que faz durante este tempo o Espírito da Sra. A....
– Está aqui ao meu lado; olha-me e ri, vendo-me em suas vestes.

O Sr. Charles (...) era pouco adiantado como Espírito, mas naturalmente bom e benevolente. Apoderando-se do corpo da Sra. A... não tinha qualquer intenção má; assim aquela Sra. nada sofria com a situação, a que se prestava de boa vontade.

Aqui a possessão é evidente e ressalta ainda melhor dos detalhes, que seria longo enumerar. Mas é uma possessão inocente e sem inconvenientes.

Na mesma página, no entanto, Kardec descreve um caso de possessão da Sra. Júlia, agora dirigida por um Espírito malévolo e mal intencionado.

Há cerca de seis meses tornou-se presa de crises de um caráter estranho, que sempre corriam no estado sonambúlico, que, de certo modo, se tornara seu estado normal. Torcia-se, rolava pelo chão, como se se debatesse, em luta com alguém que a quisesse estrangular e, com efeito, apresentava todos os sintomas de estrangulamento.

Acabava vencendo esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos, derrubava-o a sopapos, com injúrias e imprecações, apostrofando-o incessantemente com o nome de Fredegunda, infame regente, rainha impudica, criatura vil e manchada por todos os crimes, etc. Pisoteava como se acalcasse aos pés com raiva, arrancando-lhe as vestes. Coisa bizarra, tomando-se ela própria por Fredegunda, dando em si própria redobrados golpes nos braços, no peito, no rosto, dizendo: “Toma! Toma! É bastante,  infame Fredegunda? Queres me sufocar, mas não o conseguirás; queres meter-se em minha caixa, mas eu te expulsarei.” Minha caixa era o termo que se servia para designar o próprio corpo.(...)

Um dia, para livrar-se de sua adversária, tomou de uma faca e vibrou contra si mesma, mas foi socorrida a tempo de evitar-se um acidente.

Vemos, aí, a luta de dois Espíritos pelo mesmo corpo. Este Espírito, Fredegunda, foi posteriormente evocado em sessões mediúnicas e convertido ao bem. (8)

Mas, voltando aos Possessos de Morzine, (9) diz Kardec referindo-se ao perispírito:

“Pela natureza fluídica e expansiva do perispírito, o Espírito atinge o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza. (...) Como se vê, isto é inteiramente independente da faculdade mediúnica (...)”

Estes últimos, sobretudo (os possessos do tempo de Cristo), apresentam notável analogia com os de Morzine.

Na mesma revista e no mesmo ano, selecionamos e pinçamos, para dimensionarmos a extensão daquela possessão coletiva: (10)

“Os primeiros casos da epidemia de Morzine se declararam em março de 1857 (...) e em 1861 atingiram o máximo de 120. (...)

(...) o caráter dominante destes momentos terríveis é o ódio a Deus e a tudo quanto a ele se refere.”

1864
Ainda sobre a possessão da Sra. Júlia (12), refere-se Kardec na Revista Espírita, (11):

“No artigo anterior (1863) descrevemos a triste situação dessa moça e as circunstâncias que provavam uma verdadeira possessão.”

O grau de intensidade das possessões e sua reatividade a tentativa de exorcização, vai bem descrita na Revista Espírita: (12)

“Desde que o bispo pisou em terras de Morzine”, diz uma testemunha ocular, “sentindo que ele se aproximava, os possessos foram tomados de convulsões as mais violentas; e (...) soltavam gritos e urros, que nada tinham de humano. (...)

As possessas, cerca de setenta, com um único rapaz, juravam, rugiam, saltavam em todos os sentidos. (...) A última resistiu a todos os esforços; vencido de fadiga e de emoção, ele (o bispo) teve que renunciar a lhe impor as mãos; saiu da igreja trêmulo, desequilibrado, as pernas cheias de contusões recebidas das possessas, enquanto estas se agitavam sob suas benções.” (...)

Encontramos no Evangelho segundo o Espiritismo (13) a seguinte referência sobre possessão e reforma íntima:

“(...) para isentá-lo da obsessão, é preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado trabalhe pela sua própria melhoria, o que as mais das vezes basta para se livrar do obsessor, sem recorrer a terceiros. O auxílio destes se faz indispensável, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque aí não raro o paciente perde a vontade e o livre arbítrio.”

No mesmo livro (14), há considerações sobre as causas da possessão:

“O Espírito mau espera que o outro, a quem ele quer mal, esteja preso ao seu corpo e assim, menos livre, para mais facilmente o atormentar, ferir nos seus interesses, ou nas suas mais caras afeições.

Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo dos que apresentam certa gravidade, quais os de subjugação e possessão.”

1867
Ainda na Revista Espírita (15) encontramos informações de como é esta perda do livre arbítrio e como impedi-la:

“Objetar-me-eis, talvez, que nos casos de obsessão, de possessão, o aniquilamento do livre arbítrio parece ser completo. Haveria muito a dizer sobre esta questão porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado, como foi possível constatar em muitas ocasiões. (...)

Procedeis em relação aos Espíritos obsessores ou inferiores que desejais moralizar (...) algumas vezes conscientemente, quando estabeleceis, em torno deles uma toalha fluídica, que eles não podem penetrar sem vossa permissão, e agis sobre eles pela força moral, que não é outra coisa senão uma ação magnética quintessenciada.”

1868

Em “A Gênese”, (16) Kardec disserta sobre domicílio espiritual, típico caso de coabitação, ou como agora quer Hermínio Miranda, “condomínio espiritual, com síndico e convenção”.

“Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado, tomando-lhe o corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção.

De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito serve-se dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra (...)”

“Na obsessão há sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria seu fato a outro encarnado.”

“Quando é mau o Espírito possessor, (...) ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o (...)”

Seguindo ainda, no mesmo livro:

“Parece que ao tempo de Jesus, eram em grande número, na Judéia, os obsidiados e os possessos (...) Sem dúvida, os Espíritos maus haviam invadido aquele país e causado uma epidemia de possessões.” (17)

Com as curas, as libertações do possessos figuram entre os mais numerosos atos de Jesus.(...) “Se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é que o reino de Deus veio até vós.” (S. Mateus, cap. XII, 22 e 23) (18)

Deduzimos com base no exposto que, para que exista possessão, é preciso que o Espírito obsessor identifique-se com o Espírito encarnado; aquele atinge o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza; o aniquilamento do livre arbítrio parece ser completo, porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado, pois o encarnado é que atua conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido e portanto aquela dominação não se efetua nunca sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por desejá-la; em vez de agir exteriormente ao Espírito encarnado, toma-lhe o corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono, pois isso só se pode dar pela morte, por isso, a possessão é sempre momentânea, temporária e intermitente. Para se libertar da possessão, é preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado trabalhe para sua própria melhoria, estabelecendo em torno de si uma toalha fluídica, que eles não possam penetrar sem sua permissão, agindo sobre eles pela força moral, por uma ação magnética quintessenciada. Na possessão isto só é possível, com a ajuda indispensável de terceiros.

Portanto, respondendo às indagações iniciais deste trabalho, podemos dizer que Kardec analisou todas as facetas e prismas da possessão e concluiu que existe possessão e também coabitação.

Uma obra, como a da Codificação Espírita, é indivisível e portanto deve ser analisada como um todo, jamais devendo ser fragmentada ou dividida, na análise de seu conteúdo; existem vários temas, nas obras básicas (O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo O Espiritismo, A Gênese, O Céu e o Inferno) e na Revista Espírita, em que as verdades foram estudadas à luz dos conhecimentos adquiridos no dia-a-dia e suas opiniões, às vezes alteradas, sem que correspondessem a uma mudança de idéia, mas, sim, a uma evolução de verdade em verdade, degrau a degrau na escada ascensional do conhecimento, como convém a um cientista sábio, astuto, inteligente, honesto e, antes de tudo, humilde, coisa rara, aliás.

A fé raciocinada sob a égide desta humildade, aconselhada e praticada pelo mestre lionês, levou-o à busca incessante da verdade, que sempre caracterizou suas ações, a correta elucidação conceptual de possessão, incitando-nos também a libertarmo-nos de duas outras, a dos dogmas e a do fanatismo.

Tenhamos igual têmpera e nos deixemos contaminar pela sua lição e pelo seu exemplo; a lição inclina, o exemplo arrasta.

FERNANDO A. MOREIRA
fermorei@uol.com.br

Bibliografia:

(1) KARDEC, Allan . O Livro dos Espíritos, ed. FEB, 1987, perg. 473, pg. 250.
(2) Revista Espírita , 1858, pg. 278.
(3) KARDEC, Allan . O Livro dos Médiuns, ed. FEB, 1982 , item 240, pg. 300.
(4) Revista Espírita, 1862, pg. 109.
(5) Idem , 1862, pg. 359.
(6) Idem , 1863, pg. 373.
(7) KARDEC, Allan . Obsessão, ed. “O Clarim”, 1993, pg. 225.
(8) Idem , pg. 229.
(9) Revista Espírita, 1863 pg. 01.
(10) Idem, 1863, pg. 103.
(11) Idem, 1864, pg. 11.
(12) Idem, 1864, pg.225.
(13) KARDEC, Allan . O Evangelho Segundo o Espiritismo, ed. FEB, 1995, pg. 432.
(14) Idem, pg. 171.
(15) Revista Espírita, 1867, pg. 192.
(16) KARDEC, Allan . A Gênese, ed. FEB, 1980, pg. 306.
(17) Idem, pg. 330.
(18) Idem, pg. 329.


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