Nadja do
Couto Valle
Ainda há
um quase estranhamento ocidental diante do desapego característico do pensamento
oriental, porque nossa cultura é de posse, de apego, e enquanto os budistas,
por exemplo, exercitam-se no desapego, como, aliás, também fazemos nós, os
espíritas, o mundo ocidental não
incorpora a morte como parte da vida, pensando-se nela mais como um castigo.
Conclui-se
então que devemos educar também para a morte, para a perda, o que implica
mudança de percepção, de hábitos, de escala de valores.
A Doutrina
Espírita1 nos ensina que diariamente fazemos esse tipo de exercício, quando
damos repouso ao corpo físico, numa espécie de “treinamento” para o momento de
nossa desencarnação. Já a experiência de quem parte é tratada/exemplifi cada
por Kardec em O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo, enquanto
que a de quem fica é abordada em O Evangelho segundo o Espiritismo,
particularmente em se tratando da perda de pessoas amadas e de mortes
prematuras2. Essa é uma grande dificuldade para a maioria das criaturas, mesmo
em se tratando de adultos.
A Mentora
Espiritual Joanna de Ângelis nos adverte para o fato de que sentimos falta do corpo,
da voz etc. de quem desencarnou e, observamos nós, também do partilhamento ou
mesmo da dependência de várias ações e providências próprias de quem partiu.
Ora, se
essa experiência já é tão marcante para adultos, ela por certo é
particularmente tocante para a sensibilidade infantil, tão ligada ainda aos
referenciais de concretude, como, aliás, nos informa a psicogenética de Jean
Piaget. Ele nos fala dos diversos estágios por que passa o desenvolvimento do indivíduo, que apresenta estruturas variáveis como
formas de organização da atividade mental, sob um duplo aspecto: motor ou intelectual,
e afetivo, que, por sua vez, apresentam-se nas duas dimensões, individual e
social (interindividual)3.
A experiência da perda de um ente querido, para a
criança, repercute fundamente em seu psiquismo, pois, como o próprio Piaget
pontua, desde o período
pré-verbal, há “um paralelo constante entre a vida afetiva e a intelectual”4 e destacamos
que a perda é muito particularmente sentida nos períodos dos dois aos sete anos
(1ª. infância) e na infância dos sete aos doze anos.
Toda
perda gera luto, que sempre provoca sensação de tristeza, desinteresse pelo
mundo externo, perda da capacidade de amar e lidar com aspectos práticos da vida.
As pesquisas classificam vários tipos de luto5, mas destacamos o luto da
criança6, assunto delicado e desafiador, mesmo para educadores,
do qual abordamos alguns aspectos principais, em uma linha de educação para a
perda.
Por
exemplo, variando as coisas e/ou o modo de fazê-las, preparando a criança para
viver a udança; dando a ela a oportunidade de ver os pais, avô, avó, tios, primos,
dando atenção a outras pessoas, com
isso afastando-se física e psicologicamente dela, assim ensinando a adaptação ao
afastamento; estimulando-a a ser independente e a exercitar a criatividade para
encontrar soluções como novas maneiras de fazer as coisas.
Como a
informação a respeito do fenômeno da morte, nos encontros de ação evangelizadora
e no culto do Evangelho no lar, não elimina a dor da perda, há cuidados, providências
e comportamentos dos adultos que se recomendam: não subestimar as perdas infantis
(como a queda do sorvete ou o brinquedo
quebrado); comunicar a perda real ocorrida na família, pois esse é um direito
da criança, mas como dizer?
Em
primeiro lugar, não usar eufemismos, como “o titio foi para o céu” etc., do contrário
a criança vai fi car esperando que ele volte, mas pode acabar ficando com raiva,
pois ele não se despediu dela, não telefona,
não passa e-mail etc.; quanto ao comparecimento ao
funeral, é
aconselhável deixar a sensibilidade da criança escolher, e se ela se arrepender,
não repreendê-la, mas cuidar para que ela se afaste do cenário sem qualquer
comentário negativo; explicar a causa da morte – salvo em caso de situações chocantes,
como suicídio, assassinato, carbonização etc. – para que ela não fique eventualmente
com sentimento
de culpa por ter dito, em algum momento, que “desejava” a morte
do tio (no caso de nosso exemplo), pois às vezes as crianças – e até os adultos
– dizem coisas desse tipo, sem intenção, obviamente. Nos dias subsequentes,
adultos devem deixar transparecer, com equilíbrio, a sua dor diante das
crianças, e cuidar para que a criança não fique com a impressão de que a
família ficou sem controle: ela precisa sentir-se segura; por isso, não
se deve tomar qualquer decisão que reforce o sentimento de perda da criança,
como mudá-la de casa e/ou transferi-la da escola (sempre que possível, naturalmente),
mas deve-se manter a rotina o mais inalterada possível; evitar a postura de que
ela é “coitadinha”; e não censurá-la se apresenta agitação motora ou baixo
rendimento escolar, distração, hiperatividade ou desorganização, falta de
apetite e/ou de vontade de brincar etc. Se esses sintomas se prolongarem,
recomenda-se consulta a especialistas.
Enfim,
reafirmar sempre a esperança, e deixar claro para a criança que todos vamos desencarnar
um dia, que toda desencarnação tem uma causa, que a vida real é diferente de
filmes, novelas e desenhos animados, nos quais os protagonistas voltam
fisicamente da morte. Mas assegurar que todos continuamos a viver em outro
plano, e que o reencontro com nossos afetos está garantido pelo
amor de Deus e de Jesus.
Referências
1KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos.Tradução de Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 1991. Q.400 a 455. Kardec trata da emancipação
da alma em suas diversas manifestações e mecanismos.
2 KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon
Ribeiro. 102. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1990. Cap. V, item 21.
3,4 PIAGET, Jean. Seis
estudos de psicologia. Tradução de Maria Alice Magalhães d’Amorim e
Paulo Sérgio Lima Silva. 12. impressão. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária Ltda., 1984. p. 13-27.
5,6 COUTO VALLE, Nadja do. Pelos
caminhos da educação 1. Rio de Janeiro: Edilar, 2007. Cap. 10, “Lutos”,
p. 139-156. Para “Como falar de morte a uma criança”, p. 145-150.
ICEB - Instituto de Cultura Espírita do Brasil / Ano III - no 32 -
Novembro / 2011
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