Fabiano P. Nunes
Por mais de dois milênios, o enigma da real aparência de Jesus tem
sido motivo de infindáveis especulações, inquietando o imaginário de
religiosos, devotos, artistas e investigadores científicos.
Desde a época da renascença cultural, a arte tem sido inspirada
por modelos de um homem-Jesus com finos e belos traços europeus, olhos azuis e
cabelos com matizes do louro. Conquanto esse arquétipo mental continue
dominando o psiquismo de grande parte da cristandade até os dias atuais, não existem
evidências histórico-científicas que confirmem tal pressuposição.
Sob o rigor do método científico, a carta dirigida pelo senador
Públio Lentulus – personagem ainda não identificado pelos historiadores1 –
ao imperador romano Tibério, contendo uma
descrição física e moral de Jesus, tem sido considerada apócrifa2, por
ora.
De igual modo, a autenticidade de O Sudário de Turim – o lençol de
linho longo e desigual que exibe a imagem, frente e costas, de um indivíduo
crucificado, a qual muitos acreditam pertencer a Jesus – tem sido duramente
contestada por renomados pesquisadores3, sobretudo em função dos
resultados de testes com o carbono-14 feitos em fragmento do Sudário, que não
demonstraram uma datação compatível com o século I.
O assunto da legitimidade do Sudário ainda carece de maiores
verificações científicas para lograr concordância na comunidade científica. Além disso, nenhum dos oito autores - nove, para os exegetas que
não consideram Paulo como o autor da Epístola aos Romanos - dos 27 livros que
compõem o Novo Testamento ofereceu qualquer informação direta quanto aos
aspectos corporais de Jesus, levando muitos pesquisadores a acreditarem que a
feição de Jesus não apresentaria diferenças em relação aos traços faciais
característicos do grupo étnico hebreu da região da Judeia, como pode, por
exemplo, ser inferido pela análise dos relatos evangélicos sobre a prisão de
Jesus no Jardim do Getsêmani. Naquela ocasião, os soldados do Templo de
Jerusalém não conseguiram distingui-Lo dentre os demais discípulos, sendo necessária
a autodenominação feita
por Jesus e o beijo de Judas Iscariotes, para que se O identificassem sem
equívocos4. Por outro lado, há indícios bíblicos de que a aparência de
Jesus viria ser bastante desgastada pelas duras pelejas de sua vida.
No
livro de Isaías5, o profeta que trouxera as ricas anunciações sobre o
advento do Messias Hebreu nos oferece as notícias proféticas acerca do Ungido
de Deus: “Ele cresceu diante dele como um renovo, como raiz que brota em
terra árida; não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso
olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos
homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento, como uma pessoa
de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele.” Poder-se-ia,
ainda, fazer uma ilação sobre uma aparência envelhentada de Jesus no relato
contido em O Evangelho Segundo João6: “Abraão, vosso pai,
exultou por ver o meu Dia. Ele o viu e encheu-se de alegria!” Disseram-lhe,
então, os judeus: “Não tens ainda cinquenta anos e viste Abraão!” Jesus
lhes disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: antes que Abraão existisse, EU
SOU”. Então apanharam pedras para atirar nele;”
Nesse
relato do Evangelista João6, constata-se que Jesus fora confundido pelos
Doutores da Lei com um homem de quase cinquenta anos, não obstante ainda fosse um
moço com trinta e poucos anos, em virtude
de uma vida especialmente áspera para com Ele: perseguições intermináveis desde
a infância, orfandade e precoce arrimo à família, pobreza, trabalhos
extenuantes, incompreensões e caridade ininterrupta com absoluto olvido de si
mesmo.
A
despeito do nobre esforço de investigadores em desvelar a aparência de Jesus, seria
realmente importante conhecer Suas verdadeiras linhas físicas? Com base na voluntária
inexistência de informes legada pelos Seus mais admiráveis discípulos, acreditamos
que não. Observaremos
que Lucas de Antioquia, a quem são atribuídos a autoria de O Evangelho
Segundo Lucas e de Atos dos Apóstolos, na condição de o primeiro
investigador do “Jesus Histórico”, não dispensara qualquer
atenção à Sua aparência fisionômica.
Outrossim,
notaremos que Paulo de Tarso, o grande apóstolo que tivera a experiência de ver
o Cristo na Sua condição de espírito puro (I Cor 9:1; I Cor 15:8) e com Ele se
comunicar em várias ocasiões (Gal 1:12;
I Cor 11: 23), cujas epístolas são consideradas magistrais dissertações acerca
da doutrina cristã, igualmente não franqueara nenhuma consideração sobre as
feições do Mestre, ainda que indiretamente.
No
entanto, é Allan Kardec – alcunha do cientista e pedagogo francês H.L.D. Rivail
– quem, 143 anos antes dos grandes autores contemporâneos, apresenta a luz da
exegese perfeita para mais esta temática,
novamente desvelando extraordinária sintonia com o próprio pensamento do Cristo7.
Em A gênese8, o apóstolo do cristianismo da Idade Moderna9 lega
à ciência hermenêutica admirável interpretação para a irrelevância do
conhecimento da real feição de Jesus: [...] “Como homem, tinha a organização
dos seres carnais,
mas como espírito puro, desprendido da matéria, devia viver mais da vida
espiritual do que da vida corporal, da qual não possuía as fraquezas.
Sua
superioridade sobre os homens não resultava das qualidades particulares do seu
corpo, mas das do seu espírito, que dominava a matéria de uma maneira
absoluta, e da qualidade do seu perispírito, constituído da parte mais
quintessenciada dos fluidos terrestres.” [...]
O
Espiritismo também tem por missão restituir o cristianismo ao seu sentido genuinamente
espiritual9, porquanto, nesse capítulo, o fi el servo lionês de O
Espírito de Verdade conduz-nos o entendimento acerca dos fanais que
verdadeiramente devem arrebatar o cristão sincero: a vida, os ensinos e a
obra do Cristo.
Consonante
com a visão dos Evangelistas, de Paulo de Tarso e de Allan Kardec, apreende-se,
pois, ser condição essencial para fazermos uma imersão na clareza diamantina
dos ensinos de Jesus que libertemo-nos integralmente de toda e qualquer forma
de idolatria, desvinculando-nos dos atavismos multisseculares que ainda possam
se nos agrilhoar, com o fito de incorporarmos o exato espírito do cristianismo,
definitivamente fi xando-nos na alma seus sublimes e verazes conteúdos.
Referências:
1.
Publius Lentulus. In: Wikipédia – A enciclopédia livre. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Publius_Lentulus. Acesso em abril de 2011.
2.
Oliveira, Therezinha. Estudos espíritas do Evangelho. Campinas, SP: Allan Kardec Ed, 2005. 6. Ed. p. 110.
3.
Zugibe, Frederick T. Crucifi cação de Jesus. As conclusões
surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal.
Tradução de Paulo Cavalcante. São Paulo: Ideia & Ação, 2008. 455 p.
4.
Debarros, Aramis C. Doze homens, uma missão. Curitiba, PR:
Editora Luz e Vida, 1999. 338p.
5.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova
edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002. 3 a. Impressão: 2004. Isaías, cap.
53, vers. 1-4, p. 1340.
6.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São
Paulo: Paulus, 2002. 3 a. Impressão: 2004. O Evangelho Segundo
João, cap. 8, vers. 56-59, p. 1867. 7. KARDEC, Allan. Obras póstumas.
Tradução de Guillon Ribeiro. 33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003. Segunda parte,
p.307-308.
8.
KARDEC, Allan. A gênese. Os milagres e as predições
segundo o Espiritismo. Tradução de Albertina Escudeiro Sêco. 2. Ed., Rio de
Janeiro: CELD. ed. 2008. Cap. XV, item 2. p. 332
9.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos.
Ano sexto, novembro de 1863. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2006. p. 476.
ICEB - Instituto de Cultura Espírita do Brasil - III - no 28 - Julho
/ 2011
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