Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - agosto/2003
Ela crescera,
tendo o espírito alimentado pelas profecias de Israel.
Desde a
meninice, quando acompanhava a mãe à fonte, para apanhar o líquido precioso,
ouvia os comentários. Entre as mulheres, sempre que se falava a respeito,
perguntavam-se umas às outras, qual seria o momento e quem seria a felizarda, a
mãe do aguardado Messias.
Nas noites
povoadas de sonhos, era visitada por mensageiros que lhe falavam de quefazeres
que ela guardava na intimidade d'alma.
Então,
naquela madrugada, quase manhã do princípio da primavera, em Nazaré, uma voz a
chamou: "Miriam". Seu nome egípcio-hebraico, significa "querida
de Deus".
Ela despertou.
"Que estranha claridade era aquela em seu quarto? Não provinha da porta.
Não era o Sol, ainda envolto, àquela hora, no manto da noite quieta. De quem
era aquela silhueta? Que homem era aquele que ousava adentrar seu quarto?"
"Sou
Gabriel", identifica-se, "um dos mensageiros de Yaveh. Venho
confirmar-te o que teu coração aguarda, de há muito. Teu seio abrigará a glória
de Israel. Conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus. Ele
será grande e será chamado Filho do Altíssimo e o seu reino não terá fim."
Maria
escuta. As palavras lhe chegam, repassadas de ternura e pela sua mente,
transitam os dizeres proféticos.
Sente-se
tão pequena para tão grande mister. Ser a mãe do Senhor. Ela balbucia:
"Eis aqui a escrava do Senhor. Cumpra-se em mim segundo a tua
palavra."
O mensageiro se
vai e ela aguarda. Lucas lhe registraria, anos mais tarde, o cântico de glória,
denominado Magnificat:
"A minha
alma glorifica o Senhor!
E o meu espírito
exulta[de alegria]
Em Deus, meu
Salvador!
Porque, volvendo o
olhar à baixeza da terra,
Para a minha
baixeza e humildade atentou.
E eis, pois, que,
desde agora, e por todos os tempos,
Todas as gerações
me chamarão
Bem-aventurada!
Porque me fez
grandes coisas o Poderoso
E santo é o seu
nome!
E a sua
misericórdia [se estende]
De geração em
geração,
Sobre os que o
temem.
Com seu braço
valoroso
Destruiu os
soberbos
No pensamento de
seus corações.
Depôs dos tronos os
poderosos
E elevou os
humildes.
Encheu de bens os
famintos
E despediu vazios
os ricos.
Cumpriu a palavra
que deu a Abraão,
Recordando-se da
promessa
Da sua
misericórdia!" (Lucas, I, 46 a 55)
Ela gerou
um corpo para o ser mais perfeito que a Terra já recebeu. Seus seios se
ofereceram úberes para alimentar-lHe os meses primeiros. Banhou-O, agasalhou-O,
segurou-O fortemente contra o peito mais de uma vez. E mais de uma vez, deverá
ter pensado:
"Filho meu,
ouve meu coração batendo junto ao teu. Dia chegará em que não te poderei furtar
à sanha dos homens. Por ora, amado meu, deixa-me guardar-te e
proteger-te."
Ela lhe
acompanhou o crescimento. Viu-O iniciar o seu período de aprendizado com o pai,
que lhe ensinou os versículos iniciais da Torá, conforme as prescrições
judaicas, embora guardasse a certeza de que o menino já sabia de tudo aquilo.
Na
sinagoga, O viu destacar-se entre os outros meninos, e assombrar os Doutores. O
seu Jesus, seu filho, seu Senhor. Angustiou-se mais de uma vez, enquanto O
contemplava a dormir. Que seria feito Dele?
No célebre episódio em Jerusalém, seu coração se inquietara a cogitar se não seria aquele o momento do início das grandes dores.
A viuvez
lhe chegou e ela viu o primogênito assumir os negócios da carpintaria. Suas
mãos, considerava, tinham habilidade especial e a madeira se lhe submetia de
uma forma toda particular.
Aquele era um filho diferente. Um olhar bastava para que se entendessem. Tão diferente dos demais, que não tinham para com ela a mesma ternura...
Chegou o
dia em que Ele se foi e ela começou a ter Dele as notícias. A escolha dos
primeiros discípulos, o batismo pelo primo João, no Jordão.
Mantinha
contato constante, providenciando quem lhe fizesse chegar a túnica tecida no
lar, sem nenhum costura, sempre alva. Em cada fio, um pouco do seu amor e da
sua saudade.
Quando Ele
a veio visitar e a acompanhou a Caná, às bodas da sua parenta, ela sabia que
Ele a obedeceria, providenciando o líquido para que os convivas se pudessem
deliciar, saindo da embriaguez em que haviam mergulhado.
Acompanhou-lHe a trajetória de glórias humanas, e as injustas alusões ao Seu messianato, aos Seus dizeres.
Em Nazaré,
quando quase O mataram, tomou-se de temores. Contudo, ela sabia que Ele viera
para atender os negócios do Pai. Por vezes, visitava a carpintaria, e parecia
vê-lo, ainda uma vez, nos quadros da saudade.
Tanto
quanto pôde, acompanhou o seu Jesus e recebeu-lhe o carinho. Ele era tão
grande, e, entretanto, atendia-lhe o coração materno, os pedidos. Quantas vezes
ela intercedera por um ou outro?
Quando os
dias de sombra chegaram, Ela acompanhou, junto a outras mulheres, as trágicas
horas. Ao ver o corpo chagado do filho, o sangue coagulado nas feridas abertas,
a túnica tão alva, que ela tecera com tanto desvelo, toda manchada, sentiu as
lágrimas inundarem-lhe os olhos.
Porém, era
necessário ser forte. Seu filho lecionara as lições mais belas que jamais os
ouvidos humanos haviam escutado. Ele cantara as belezas do Reino dos Céus, no
alaúde do lago de Genesaré, e prometera as bem-aventuranças aos que abraçassem
os inovadores ensinos.
Ao pé da
cruz, junto ao Apóstolo João, ouviu a expressão do carinho filial se externar,
outra vez: "Mulher, eis aí teu filho". E a confia ao jovem apóstolo.
Ela
estaria presente, quando das Suas aparições, após a morte. Vê-lO-ia mais de uma
vez. E compreenderia: aquele corpo era diferente. Não era o que fora gerado em
seu ventre. Embora se deixasse tocar, para dar-se a conhecer, era de substância
muito diversa aquele corpo. Ela o sabia.
Viu-O
desaparecer perante os olhos assombrados dos quinhentos discípulos, na
Galiléia, na Sua despedida.
E,
amparada por João, seguiu a Éfeso, mais tarde. Ali, numa casinha de onde podia
ouvir o mar, balbuciando cantigas, viveu o Amor que Ele ensinara. Tornou-se a
mãe dos desvalidos e logo sua casa se enchia de estranhos viandantes,
necessitados e enfermos que desejavam receber os cuidados de suas mãos e ouvir
as delícias das recordações daquele que era o Caminho, a Verdade e a Vida.
Numa tarde
serena, ela atendeu um homem. Serviu-lhe o alimento e seu coração extravasou
saudade. Quanta a tinha do filho amado.
Então, o viajor
se deu a conhecer:
"...minha
mãe, sou eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a
Rainha dos Anjos." 2
João,
chamado às pressas, ainda lhe pôde assistir o derradeiro suspiro e o espírito
liberto adentrou a Espiritualidade.
Ainda e sempre
amorosa, seu primeiro pensamento foi visitar os cristãos que estavam em Roma,
sofrendo o martírio e os foi animar a cantar, enquanto conduzidos ao suplício, na
arena circense.
Mais
tarde, notícias nos chegariam de que a suave mãe de Jesus, Maria, foi por Ele
incumbida de assistir os foragidos da vida, os infelizes suicidas; detalhes do
Hospital Maria de Nazaré nas zonas espirituais; do seu desvelo maternal para
com tais criaturas.
Maria,
espírito excelso, exemplo de mulher, esposa, mãe.
Bibliografia:
1.PEREIRA, Yvonne A. No
hospital "Maria de Nazaré". In:___. Memórias de um suicida. 5. ed.
Rio [de Janeiro]: FEB, 1975. pt. I, cap. III.
2.XAVIER, Francisco Cândido.
Maria. In:___. Boa nova. Pelo espírito Irmão X. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB,
1963. cap. 30.
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