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quarta-feira, 2 de julho de 2014

DO PERIGO DE MAGNETIZAR, MESMO UMA ÚNICA VEZ, SEM INSTRUÇÃO PRELIMINAR (CAPÍTULO XIII)

Tradução De Lizarbe Gomes

Depois das explicações precedentes, torna-se mais fácil compreender que é perigoso magnetizar sem conhecer as consequências do ato que se vai fazer. A maior parte das pessoas que num excesso de bondade, de zelo ou de curiosidade tenta magnetizar, mesmo uma única vez, não tem nenhuma ideia do mal que possam fazer e dos arrependimentos que preparam para toda vida.

Elas evitariam fazer isso antes de ter um conhecimento exato dos efeitos magnéticos. Uma só sessão de magnetização pode, com efeito, comprometer a vida de um homem.
“Um perigo que é nulo nos incômodos leves e recentes, diz Deleuze, é maior nas doenças orgânicas e antigas. Pode-se fazer mal ao se magnetizar uma única vez com energia para dissipar uma dor interior produzida por um abscesso, por um humor que. há vários anos, se conduz, em certas épocas, sobre um órgão. 

Quando perturbamos um movimento que estava estabelecido ou que se excita um movimento contrário, é preciso regularizá-lo para que ele não traga nenhuma desordem. Os acidentes que aconteceram porque se interrompeu bruscamente um tratamento começado não devem ser atribuídos ao magnetismo, mas à imprudência do magnetizador.” (Inst. Prat,. 283)

Quando há sonambulismo, os perigos são mais surpreendentes e também mais terríveis.
De início o contato ou toque de certos corpos leva às vezes a convulsões horríveis que colocam a vida do doente em perigo, eis um exemplo já antigo:

“Eu peguei um garrafa, disse Lehogais a Puységur, para dele me servir da maneira como Catarina (uma sonâmbula) me indicava. A Srta. Rousseau sofria ainda mais, mas não entrava em crise. Catarina se admirou: É singular – disse ela – quero tocar eu mesma esta garrafa”.

Eu a deixei fazer e examinava com atenção o efeito que isso produzia sobre a Srta. Rousseau; mas qual foi minha surpresa de ver, instantaneamente, Catarina cair em convulsões horríveis! Ajudado por minha esposa e por minha filha, eu não podia contê-la. Esta jovem, naturalmente de caráter dócil, cujas crises eram comumente tão calmas, se debatia com uma força surpreendente e entrava em crises assustadoras. Eu custei muito a acalmá-la e, bastante assustado pelo efeito que eu lhe havia causado, prometi a mim mesmo não mais tocá-la. À noite ela se foi mais tranquila, suportou tudo melhor do que de costume sem mesmo se ressentir de nenhuma fadiga do estado em que ficou.

Eu esperava que, não a tocando mais, ela não teria mais crise, mas no dia seguinte, na mesma hora, Catherine teve as mesmas convulsões da véspera! Mais uma vez foi difícil fazê-la retornar. Enfim, durante quatro dias este estado se repetiu.

“O senhor avalia qual era o meu estado de inquietude e o quanto eu me reprovava por ter me servido de um meio o qual conhecia apenas imperfeitamente.”
Sim, sem dúvida, respondeu Puységur, o único perigo que há no uso do magnetismo é servir-se dele sem conhecer seus recursos; sua indiscrição pode ter desorganizado esta jovem pelo resto de seus dias.” (1)

Nas três obras que precedem esta, eu tive ocasião da falar da irreparável infelicidade que aconteceu a um jovem médico cheio de talento, de sinceridade e de boas intenções. Estando convencido da realidade do magnetismo, este jovem não quis se dar ao trabalho de abrir os livros que tratam da matéria. Que se pode aprender, dizia-se naquela época, nos escritos de homens que não são médicos?

Na primeira vez que ele magnetizou para provocar sonambulismo – pois ele nunca ouviu nada sobre medicina magnética – ele teve êxito; mas, apenas adormecida, sua doente lhe disse, vendo o estado em que se encontrava, que ela seria em tal época atacada por tal doença, que ela morreria tal dia e a tal hora! Espantado, sem ter nenhuma prática, apenas alguns conhecimentos de fatos semelhantes, o magnetizador improvisado se contentou em despertar sua sonâmbula, que morreu como ela havia anunciado.

Eis um outro fato que prova como é perigoso, com as melhores intenções, impor as mãos sobre um doente sem ter nenhuma idéia das consequências da magnetização. Há um mês, um padre muito estimado e sábio físico me encaminhou uma senhora cuja filha de dezoito anos sofria da tísica; ele disse às duas que elas podiam confiar em mim.

A mãe, que conhecia o magnetismo apenas por ter visto fazer passes em sonâmbulas, anunciou sua determinação ao confessor: ela foi vê-lo com sua filha:
- Mas meu pai – lhe disse a senhora – eu vi magnetizar; em seguida a doente se torna sonâmbula; se o senhor quisesse magnetizar minha filha, nós saberíamos em que nos deter em sua doença. O confessor se recusou, dizendo que, apesar de seu desejo de ser útil, ele nada entendia de magnetismo.

Mas a mãe, insistindo bastante e acreditando que só os homens podem magnetizar, mostrou-lhe a maneira de passar a mão diante do rosto. O padre pareceu surpreso que tal maravilha pudesse resultar de uma ação tão simples. A mãe da doente lhe suplicou ainda para tentar, afirmando que ela conhecia o Sr. Aubin Gauthier apenas de reputação ao passo que ela tinha nele, como homem e como confessor, uma ilimitada confiança.

Convencido, o padre elevou uma mão trêmula, desceu-a, depois recomeçou e continuou durante alguns minutos. Com efeito, a jovem adormeceu e o padre, depois de contemplar por um instante este espetáculo novo para ele, disse a doente:
- Você se tornou sonâmbula, minha filha?
- Sim, meu pai!
- Você poderá então nos dizer por si mesma o que pensa de sua doença?
- Meu estado é horrível!! É tarde demais, eu não escaparei!!

Com esta notícia arrasadora, a mãe entrou em desespero; o padre, desolado por ter servido de instrumento pelo qual se chegou a semelhante resultado, se apressou em destruir a ligação magnética e despertou a doente que não mais pode se tornar sonâmbula novamente.
Provocou-se assim, nesta jovem, uma crise útil para a qual a natureza estava preparada, e se a doente devia estar sonâmbula apenas por uma única vez, era preciso ao menos aproveitar para lhe dar o tempo de melhor ver o seu estado e indicar a si mesma os remédios convenientes.

Um homem que é verdadeiramente magnetizador se conduz de outra forma; ele sabe que um sonâmbulo, na primeira inspeção de seu interior, algumas vezes se assusta com o progresso de sua doença e com o estado em que ele se encontra. É por isso que ele lhe inspira a calma que o ajuda a apreciar sua posição e indicar os remédios que podem salvá-lo, testemunha Puységur.

(...)
Os fatos provam, evidentemente, ser necessário, em magnetismo, ter conhecimentos especiais e, acima de tudo, muita calma. Para prová-lo, citarei ainda Deleuze:
“Há sonâmbulos que experimentam repugnância em examinar seu mal; eles se assustam ao ver a desordem interior em seus órgãos. Neste caso, você não partilhará os temores de seu sonâmbulo; você empregará o poder de sua vontade para determiná-lo a trazer o mais escrupuloso exame de sua doença, a considerar sem medo o interior de seu corpo, como se este corpo lhe fosse estranho e a fazer esforços para descobrir os meios de cura.

Se você tiver calma, se você sabe querer, seu sonâmbulo lhe obedecerá certamente; ele se tranquilizará e lhe explicará o perigo presente e os meios de remediá-lo. Talvez você não consiga curá-lo, mas você procurará todo o alívio possível e você saberá o que deve lhe esperar.

Não perca a esperança, mesmo quando lhe afirmarem que sua doença é incurável; seguidamente tenho visto sonâmbulos dizerem, nas primeiras sessões que seria impossível de arrancá-los da morte e, em seguida, encontrar-se a maneira de recuperá-los.” (Inst. Prát., 121 e 122)
(...)
AUBIN GAUTHIER

(1) Puységur, Memórias, 38 – Felizmente a natureza veio em socorro da doente; depois de fortes dores e de uma febre terçã que durou um mês, sua saúde retornou.

Jornal Vórtice ANO III, n.º 06, novembro/2010



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