“O
ato de seguir a Jesus não é definido como a sensação de uma luz interior, ou a
percepção de uma consciência intelectual, mas é comparado com a execução de uma
tarefa criativa, consumidora e ativa, como a de colocar a mão no arado e
dirigir uma junta de bois.”
HAROLDO DUTRA DIAS
Narra o Evangelho de
Lucas a pitoresca história do impetuoso candidato a discípulo, cuja lealdade
estava divida entre a obediência aos padrões culturais da sua época e o suave
jugo do Cristo:
Disse também
outro: Senhor, eu te seguirei, mas permita--me despedir-me dos que estão em
minha casa.
Jesus, porém,
lhe disse: Ninguém que põe sua mão no arado e olha para trás é apto para o Reino
de Deus. (Lucas, 9:61-62.)
Muitos intérpretes
salientam que o “despedir-se” da família, no mundo oriental, implicava o pedido
de permissão para partir. A autoridade dos genitores, sobretudo a do pai, era
suprema, motivo pelo qual a pessoa que partia precisava pedir permissão a quem
ficava.
Quando alguém iniciava
um novo empreendimento, costumava visitar seu pai na aldeia a fim de lhe pedir
a bênção e a permissão para o cometimento, ainda quando se tratasse de um homem
independente.
No caso em exame, o
candidato condicionava sua adesão ao Cristo à aprovação dos pais, ou seja,
buscava conciliar a exigência social da sua época com a convocação espiritual
do Mestre.
Em resposta à sua
súplica, Jesus estabelece um programa árduo, mostrando que a tarefa de segui-lo
exige concentração, dedicação e abnegação.
Arar a terra na
Palestina do primeiro século envolvia um conjunto complexo de providências. Joaquim
Jeremias salientou algumas delas:
[...] O arado
palestino, muito leve, é guiado com uma só mão. Esta mão, geralmente a
esquerda, precisa ao mesmo tempo conservar o arado na posição vertical, regular
a sua profundidade mediante pressão, e levantá- lo por sobre pedras e rochas que
estejam em seu caminho. O arador usa a outra mão para guiar o boi teimoso com
um aguilhão com cerca de um metro de comprimento, provido de uma ponta de
ferro. Ao mesmo tempo ele precisa ficar olhando continuamente entre as pernas traseiras
do animal, para não perder o sulco de vista. Esta forma primitiva de arado
requer destreza, atenção, e concentração. Se o arador olhar para os lados, um
novo sulco é aberto fora da linha. Desta forma, quem quiser seguir a Jesus
precisa estar resolvido a quebrar os laços com o passado, e fixar os olhos
apenas no Reino vindouro de Deus [...].2
Não bastasse a
dificuldade de manejo do arado, o processo de aragem do campo desdobrava--se em
múltiplas atividades, tornando a tarefa muito mais exigente do que se imagina à
primeira vista:
[...] A
aração era cuidadosa e minuciosa; logo que se quebrava o restolho depois da
colheita, abriam-se sulcos com margens largas entre eles, para facilitar a absorção
das chuvas. Ao arar, depois das primeiras chuvas, sulcos mais próximos,
divididos por canteiros, eram abertos para propiciar a drenagem; só na terceira
aração, antes da semeadura, os sulcos eram feitos consecutivamente, sem
canteiros entre eles. O trabalho final era o de cobrir a semente... esse implemento
era maior e mais pesado do que o moderno arado árabe, que em geral se parece com
ele [...].3
Kenneth Bailey, após
ter vivido 47 anos em comunidades agrícolas do Oriente Médio, pesquisando os
aspectos culturais e literários que estão por trás dos textos do Novo
Testamento, afirma:
[...] É claro
que a aração era uma operação muito exata, iniciando-se com a abertura de
estrias para a absorção da água. Em um estágio posterior, os sulcos eram feitos
de forma a permitir a drenagem. Uma terceira aração preparava o solo, e uma
quarta cobria a semente depois do plantio. Obviamente qualquer pessoa que desejasse
desincumbir-se de uma responsabilidade destas precisava dar atenção irrestrita ao
que estava fazendo [...].4
Refletindo acerca da
lição do arado, é forçoso concluir que o arador distraído poderá bater com o
arado em uma rocha, quebrar sua ponta de madeira, cansar inutilmente a parelha
de animais, cortar, sem rumo, o campo não arado, ou destruir o trabalho já
realizado. Em suma, o arador deve equilibrar o serviço feito, o que está por
fazer, e aquele que está sendo realizado, já que qualquer distração tornará sua
ação não apenas improdutiva, mas também destruidora.
No tocante ao símbolo
do arado, é valioso o ensino de Emmanuel:
O arado é
aparelho de todos os tempos. É pesado, demanda esforço de colaboração entre o homem
e a máquina, provoca suor e cuidado e, sobretudo, fere a terra para que
produza. Constrói o berço das sementeiras e, à sua passagem, o terreno cede
para que a chuva, o Sol e os adubos sejam convenientemente aproveitados.
É necessário,
pois, que o discípulo sincero tome lições com o Divino Cultivador, abraçando-se
ao arado da responsabilidade, na luta edificante, sem dele retirar as mãos, de
modo a evitar prejuízos graves à “terra de si mesmo”.
....................................................
Um arado
promete serviço, disciplina, aflição e cansaço; no entanto, não se deve
esquecer que, depois dele, chegam semeaduras e colheitas, pães no prato e
celeiros guarnecidos.5
O servidor do Cristo
conhece o cansaço, jamais o desânimo. Conhece o peso e a rotina do arado, mas
aprende no trabalho de cada dia que a disciplina não é um cárcere, é a chave da
porta, como dizia Chico Xavier.
Fonte: Reformador Ano 126 • Nº 2. 157 • Dezembro 2008
1BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Michigan:
Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 32.
2JEREMIAS, Joaquim. As
parábolas de Jesus. 9. ed. São Paulo: Editora Paulus, 2004. Parte III, cap. VI,
p. 196.
3APPELEBAUM. The jewish people in the first century,
apud BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Combined Edition. Michigan: Eerdmans Publishing Company,
1983. Cap. 2, p. 30.
4BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Combined
Edition. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 30.
5XAVIER, Francisco
Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
Cap. 3.
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