JÁDER SAMPAIO
jadersampaio@uai.com.br
Belo
Horizonte, Minas Gerais (Brasil)
Uma
análise do livro Um ‘Fluido Vital’ Chamado Ectoplasma, de Matthieu Tubino,
editado por Publicações Lachâtre
Matthieu
Tubino é um professor da Unicamp, com sólida formação em Química, que escreveu
um pequeno livro contendo suas observações pessoais em uma reunião de
tratamento em Centro Espírita, das quais se formulou um conjunto de hipóteses
sobre a ação do ectoplasma em organismos humanos.
Seu livro
é uma obra de divulgação, escrita para o grande público. Além de uma discussão
teórica, o livro repassa ao leitor a técnica de manipulação da substância
desenvolvida pelo autor e sua equipe e apresenta alguns casos, após escrever de
forma clara as suas conjecturas sobre a natureza, possível fisiologia e
alterações psicológicas
associadas
ao acúmulo de ectoplasma.
A
definição de Ectoplasma é uma questão que se estende ao longo do livro. O autor
entende tratar-se de um atributo do organismo, com propriedades similares às
substâncias gasosas e de composição desconhecida. Ele não apresenta alguns
resultados de pesquisadores, como Schrenk-Notzing, que fizeram análises
empregando métodos químicos do ectoplasma expelido por médiuns de
materialização, como se pode ler abaixo:
“Segundo
o resultado desses dois estudos, trata-se de substância albuminóide unida a um
corpo gorduroso e com células análogas às que se encontram no corpo humano.
Particularmente, notável é o grande número de leucócitos; as expectorações, por
exemplo, não contêm jamais tanto. Esta matéria lembra fortemente o líquido
linfático e o quilo do corpo humano, sem, contudo, ser-lhes idêntica”.
(SCHRENK-NOTZING apud ANDRADE, 1984, p. 169.)
Baseando-se
nos relatos de sensações dos pacientes e nas observações do comportamento do
ectoplasma visível, o autor defende a existência de algumas propriedades gerais
desta substância, que seriam:
a) A
semelhança aos gases, como, por exemplo, a possibilidade de ser percebido no
organismo das pessoas como algo volumoso, que provocaria inchaço (até ser
expelido diretamente ou associado a secreções e gases do organismo, como a
coriza, a flatulência, as eructações e as lágrimas, por exemplo);
b) Na sua
apresentação invisível, o ectoplasma seria capaz de provocar sensações e
percepções fisiopsicológicas, tais como náuseas, calores, dores, desconfortos
semelhantes aos provocados por ulcerações, sensação de falta de ar e de
excreção de líquidos (sem que as pessoas ao redor possam ver qualquer
substância);
c) O
ectoplasma estaria associado à ocorrência de fenômenos físicos (movimentos
espontâneos de objetos, formação de corpos ou parte de corpos, quando em sua
forma visível) descritos na literatura espírita, metapsíquica e
parapsicológica;
d) Ele
estaria sujeito à ação da força da gravidade, após ser expelido pelo organismo,
nas suas duas apresentações (visível e invisível).
Segundo
Tubino, o ectoplasma se acumula no organismo e isso pode desenvolver doenças
Esta
última propriedade, no estado invisível, é depreendida das sensações e
percepções de pacientes e de passistas (o autor evita este termo em seu livro).
Tubino
reafirma a idéia de que esta substância seria produzida pelo organismo,
proposta pela literatura, e adiciona a possibilidade de estar associada à
alimentação e à ingestão de amido, com base no relato de pessoas atendidas em
seu trabalho.
Uma
proposição original do autor, com diversas implicações, é a de que o ectoplasma
se acumularia no organismo e que este acúmulo poderia até promover o
desenvolvimento de doenças.
A lista
de doenças é muito ampla, e envolve os diversos sistemas orgânicos. O autor
apresenta o relato de melhoras em pacientes submetidos ao procedimento de
retirada de ectoplasma acumulado, mas, como se trata de pesquisa baseada em
observação, não apresenta o resultado de comparações entre o grupo experimental
e o de controle, o que dificulta a discussão do chamado efeito placebo e da
formação psicológica dos sintomas.
Haveria
também uma dimensão psicológica do acúmulo de ectoplasma no organismo, e este é
um dos temas mais polêmicos do livro. Ao abordar o tema, Tubino destaca dois
grupos de sintomas psicológicos: labilidade do humor (e cita casos de pacientes
depressivos) e tendências paranóicas (que ele descreve como vitimização,
melindres etc.). (1)
O autor
faz uma incursão na psicanálise e revê alguns casos de pacientes de Freud, que,
em sua opinião, apresentariam mal-estares semelhantes aos das pessoas
diagnosticadas como portadoras de acúmulo de ectoplasma.
Encontrando
a palavra streichen no texto freudiano, ele afirma que Freud aplicou passes
para aliviar a dor de Emmy Von R. Tubino parece desconhecer que esta paciente
pertence à pré-história da Psicanálise, período no qual Freud aceitava a teoria
do trauma, tratava através da hipnose e da catarse e estava influenciado pela
teoria da sugestão de Bernheim. Com a mesma paciente, Freud utilizou outros
recursos de base sugestiva para fazer desaparecer os sintomas, como se lê
abaixo:
“Minha
terapia consiste em eliminar esses quadros (2), de modo que ela não possa mais
vê-los diante de si. Para reforçar minha sugestão, passei suavemente a mão por
seus olhos várias vezes”. (FREUD, Obras Completas, Vol. XXII, caso 2.)
Podem os
transtornos mentais ser explicados e tratados exclusivamente pela ação do ectoplasma?
O caso em
pauta é importante, porque a paciente não melhora substancialmente. A terapia
hipnótica sugestiva possibilita a supressão de alguns sintomas, mas Emmy
desenvolve posteriormente outros equivalentes, apresentando recaídas ao longo
da vida. Freud entende que seus sintomas têm origem psicológica.
A
psicogênese dos sintomas não é desenvolvida satisfatoriamente no livro. Como
leitor, fico em dúvida quanto ao alcance das afirmações de Tubino. Os
transtornos mentais podem ser explicados e tratados exclusivamente pela ação do
ectoplasma sobre o organismo? Sintomas típicos de transtornos mentais são
apenas acúmulo de ectoplasma no organismo? As histéricas de Freud não seriam
neuróticas, mas pessoas que acumulam ectoplasma?
Matthieu
Tubino defende que “a solução do problema do acúmulo de ectoplasma está na
falta de ‘equilíbrio interno’ de cada um” (p. 45) e entende que o sistema de
tratamento focalizado no ectoplasma apenas as auxiliaria a sentirem-se melhor
enquanto procuram sua própria mudança.
Subentende-se
que a mudança é uma mudança de atitudes da pessoa com base na ética espírita e
cristã.
Segue o
livro e o autor volta a perguntar-se sobre a constituição do ectoplasma. Após
um raciocínio breve, conclui que não se pode concluir que se trata de algum gás
conhecido, mas “algo diferente e, de certo modo, ligado ao sistema nervoso”,
porque se pode sentir quando alguém o toca. Contudo, o autor não explica como
ele distinguiu esta sensação de uma sugestão psicológica.
Outra
proposta ousada é a da origem do ectoplasma nos alimentos, ar e água ingeridos.
Tubino defende a existência de um metabolismo paralelo, e apresenta como
evidência desta associação a presença de cheiros durante a liberação de
ectoplasma, como o cheiro “semelhante ao de um cinzeiro com cigarros apagados”
no ambiente em que fumantes são atendidos. Se tivéssemos fumantes, com
abstenção ou redução de uso de cigarro e não ocorresse a liberação de
ectoplasma, apenas a presença em um outro ambiente, será que este cheiro também
não estaria presente?
O autor
descreve a seguir as técnicas e cuidados empregados por sua equipe no trabalho
de liberação de ectoplasma. Preparo dos pacientes, cuidados com o ambiente,
técnicas de manuseio do ectoplasma, ação em situações em que ocorre mal-estar,
entre outros temas, são tratados com objetividade.
A teoria
dos diversos “corpos” auxiliaria a compreensão da
origem
mental das doenças
Por fim,
o autor afirma que algumas pessoas aprendem a ter controle sobre o seu
ectoplasma. Ele cita alguns relatos de pacientes que alegam a melhora de
doenças psicossomáticas após o tratamento, mas não se aprofunda na duração do
seu bem-estar, dizendo apenas que esta depende da já citada mudança de
atitudes, como o abandono do orgulho, da vaidade, da cobiça, da inveja, do
rancor e da mágoa, entre outras atitudes condenadas pelo pensamento cristão.
O leitor
irá ler a explicação de alguns casos de crianças que foram submetidas ao
tratamento e uma discussão sobre a relação entre o duplo etérico e o
ectoplasma. O autor defende a idéia de que a teoria dos diversos “corpos”
auxilia a compreensão da origem mental das doenças e do funcionamento dos
remédios homeopáticos.
Dois
temas ainda compõem o trabalho em resenha. A ectoplasmia visível, utilizada
pelos Espíritos, e um detalhamento da técnica de tatear o ectoplasma, para fins
de diagnóstico. O autor é honesto em afirmar desconhecer o processo através do
qual o ectoplasma visível se tornaria invisível e vice-versa. Faz apenas
algumas metáforas com substâncias conhecidas que mudam de estado.
Ao
concluir a leitura, e com as reflexões da resenha, ficam mais claras as minhas
dúvidas e a contribuição do livro.
Tubino
propõe idéias que possibilitam algum avanço na prática de passes realizados nos
centros espíritas, se devidamente confirmadas. Admiro-lhe a coragem e a
honestidade intelectuais, porque no texto se percebe que ele também tem
dúvidas, mas não se furtou de sistematizar e expor suas observações e a
evolução de sua prática, o que nos possibilita criticar, mas, mais importante,
desenvolver uma agenda de pesquisas que permita testar as idéias
propostas.
Notas:
(1)
Labilidade, em Psicologia, significa instabilidade emocional: tendência a
demonstrar, alternadamente, estados de alegria e tristeza.
(2) Nesta
situação, a paciente sofria com a recordação de seus irmãos jogando animais
mortos nela, o irmão enrolado em um lençol e a visão do corpo da tia no dia do
enterro. Estas cenas surgiram em estado hipnótico.
Fontes
bibliográficas:
ANDRADE,
Hernani G. Espírito, perispírito e alma: ensaio sobre o modelo organizador
biológico. São Paulo: Pensamento, 1984.
FREUD,
Sigmund. Caso 2, Sra. Emmy Von R. da Livônia. In: Edição Eletrônica Brasileira
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago, s.d.
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