terça-feira, 29 de setembro de 2015

DESOBSESSÃO E "CRISE DE ABSTINÊNCIA"


Waldehir Bezerra de Almeida

Desobsessão é tratamento oferecido pelas Casas espíritas aos que sofrem o assédio de Espíritos inferiores, impingindo-lhes sofrimentos psíquicos, físicos e morais. Quando a criatura fica por muito tempo jungida ao Espírito obsessor, cuja carga fluídica é nociva não somente à organização psíquica, mas, também, à estrututa físico-perispiritual, a interrupção do processo de forma apressada gera sintomas desagradáveis no ex-obsidiado, assemelhando-se àqueles que acometem os viciados em drogas, quando não as têm para consumir, vivenciando a crise ou síndrome de abstinência: conjunto de modificações orgânicas que se dão, em razão da suspensão brusca do consumo de droga geradora de dependências física e psíquica. A crise apresenta sintomas como disforia, insônia, ansiedade, irritabilidade, náusea, agitação, taquicardia e hipertensão.
Nós, os trabalhadores da área mediúnica, nem sempre levamos em consideração esse fato. Mas o alerta da Espiritualidade é antigo. A Revista Espírita, de junho de 1864, às páginas 241-242, (edição FEB), publicou uma reportagem intitulada “Relato Completo da Cura da Jovem Obsedada de Marmande”. Dela destacamos fragmentos das informações e orientações dadas pelo Espírito Pequena Cárita:

Meus bons amigos, bani todo o medo; a obsessão está acabada e bem-acabada; uma ordem de coisas estranhas para vós, mas que logo vos parecerão naturais, talvez seja a consequência desta obsessão, mas não obra de Jules [o Espírito obsessor]. [...] Hoje, que conheceis a doutrina, a obsessão ou a subjugação do ser material se vos apresenta não como um fenômeno sobrenatural, mas simplesmente com um caráter diferente das doenças orgânicas. O Espírito que subjuga penetra o perispírito do ser sobre o qual quer agir. O perispírito do obsedado recebe como uma espécie de envoltório, o corpo fluídico do Espírito estranho e, por esse meio, é atingido em todo o seu ser; [...] Quando o Espírito abandona sua vítima, sua vontade não age mais sobre o corpo, mas a impressão que recebeu o perispírito pelo fluido estranho de que foi carregado, não se apaga de repente e continua ainda por algum tempo a influir sobre o organismo. No caso de vossa jovem doente: tristezas, lágrimas, langores, insônias, distúrbios vagos, tais são os efeitos que poderão produzir-se em consequência dessa libertação; mas, tranquilizai-vos, vós, a menina e sua família, pois essas consequências não representarão perigo para ela. [...] Agora é preciso agir sobre o próprio Espírito da menina, por uma doce e salutar influência moralizadora. [...]. (Destacamos.)

Como vemos, na fonte primária do Espiritismo, já encontramos elucidações a respeito da “crise de abstinência”. Essas informações são atualmente confirmadas pelas Entidades espirituais responsáveis pela complementação do Espiritismo, codificado por Allan Kardec. Confiramos.

Afastado do conúbio permanente com Mariana [a obsidiada], graças à interferência dos Benfeitores Espirituais, Guilherme [o obsessor] esteve todo o tempo em tratamento especializado, de modo a refazer o campo mental, secularmente aba¬lado pelo ódio infeliz e destruidor. Mariana, por sua vez, que já vivia aclimatada psiquicamente às vibrações do seu perseguidor, sentiu-lhe a ausência desde o momento em que Saturnino recolhera ao aconchego da prece aquele que se lhe fizera verdugo inconsciente e pertinaz. No dia imediato à primeira incorporação de Guilherme, a jovem, após retornar ao lar, deixara-se abater por forte prostração [...] A jovem amanheceu, portanto, indisposta e perturbada. [...] Ao entardecer, como Mariana continuasse em doloroso desconserto emocional, [...] o irmão Saturnino, [...] interessado em acalmar a família aflita, esclareceu, bondoso: − Mariana, conforme verificamos nos trabalhos espirituais da noite passada, vinha sendo vítima de uma obsessão em grave desenvolvimento. Vinculada pelo passado culposo ao atormentado companheiro que se lhe transformou em adversário vingador, absorveu durante alguns anos as energias deletérias em que se via envolvida, criando um condicionamento psíquico, que, embora desgastando o seu organismo, lhe servia, também e simultaneamente, de sustentação. Libertada da constrição perturbadora, conforme acompanhamos durante os trabalhos desobsesivos, ressente-se e padece as consequências da falta dos fluídos pesados...1 (Destacamos.)

O médico de Nosso Lar enriquece o conhecimento, deixando claro que não devemos ter pressa em desatar os laços obsessivos existentes entre a vítima e o algoz, considerando as intrincadas energias fluídicas das quais se nutrem mutuamente.

Hilário e eu, instintivamente, abeiramo-nos de Odila para afastá-la com a presteza possível, mas o instrutor generoso deteve¬-nos com um gesto, advertindo: − A violência não ajuda. As duas [obsessora e obsidiada] se encontram ligadas uma a outra. Separá-las à força seria a dilaceração de consequências imprevisíveis. A exasperação da mulher desencarnada pesaria demasiado sobre os centros cerebrais de Zulmira e a lipotimia poderia acarretar a paralisia ou mesmo a morte do corpo. [...] 2

No livro Loucura e obsessão, temos um caso em que o afastamento do obsessor levou o ex-obsidiado a óbito! Em uma reunião mediúnica, o esclarecedor solicita ao obsessor que ele deixe a sua vítima e ouve a seguinte resposta:

Você pede-me que o liberte e não tem ideia do que solicita. A palavra liberte terá um significado muito profundo, quase terrível para você e para ele, para a família, caso eu concorde com o apelo. Estamos tão intimamente ligados, quanto a planta parasita na árvore que a hospeda. Com o tempo, as raízes da naturalmente enxertada penetraram na seiva da outra, gerando tremenda simbiose. Ambos nos necessitamos para viver. Embora eu aqui me encontre, estou vinculado a ele... Se eu arrancar-me do seu convívio físico e mental, eu me desequilibrarei muito, e o corpo dele morrerá... [...] Seu filho morrerá, então, infelizmente. Sem mim, ele não sobreviverá. Escolha: tê-lo comigo, ou, sem mim, perdê-lo.

O pai do obsesso concordou com a libertação, e o filho desencarnou pouco tempo depois, em razão da crise de abstinência!

A irmã Emerenciana, que acompanhou o caso ao lado de Bezerra de Menezes, pergunta ao Mentor se a desencarnação de enfermo em razão do afastamento do obsessor era frequente, e ele respondeu: − Muito mais constante do que se pode imaginar. A minha primeira experiência, nessa área, ocorreu quando eu me encontrava na Terra. Compreendo a dor dos pais de Alberto, porquanto minha esposa e eu a sofremos nos recônditos da alma, quando um ser querido nosso e nós e seus familiares passamos por idêntico transe. 3(Destacamos.)

Após os ensinamentos acima, diante do irmão que necessita de tratamento desobsessivo, tenhamos pressa em acolhê-lo com caridade, mas sem precipitação, lembrando que a sua cura depende de muitos fatores que vão além da nossa boa vontade. Ministremos-lhe os passes, as orientações evangélicas de vida cristã que a Doutrina Espírita nos oferece e contemos com a sabedoria dos Mentores espirituais da instituição que melhor conhecem cada caso.
Concluindo, não acreditamos em método desobsessivo que não dê primazia ao diálogo com o encarnado e com o desencarnado, ajudando-os para que se elevem moralmente pela evangelização e conquistem a reforma íntima, pois não há obsessão sem consciência culpada, e mente equivocada fazendo-se de justiceira. Observamos que, no plano espiritual, as reuniões mediúnicas com intenção de desfazer a ligação nefasta entre encarnado e desencarnado prima sempre pelo diálogo, buscando sempre a reforma íntima dos envolvidos. Remetemos o prezado leitor ou leitora para o que acontece no “Sanatório Esperança”, dirigido pelo nobre Espírito Eurípedes Barsanulfo, quando atendeu ao irmão Ambrósio, internado naquele hospital. O objetivo era libertá-lo do seu algoz. A certa altura, diz o Venerável Eurípedes Barsanulfo ao estudioso da obsessão, Philomeno de Miranda:

Iremos tentar deslocar algumas das mentes que prosseguem vergastando-o, atraindo os seus emissores de pensamentos destrutivos a conveniente e breve diálogo, para, em ocasião própria, torná-lo mais prolongado, mediante cuja terapia procuraremos liberá-lo das camadas concêntricas de amargura e de culpa, de necessidade de punição e de fuga de si mesmo, até o momento de despertamento do sono reparador, que lhe foi imposto por força das circunstâncias. 4 (Destacamos.)

Feita a prece pelo apóstolo de Sacramento, tudo sucedeu como nas reuniões mediúnicas aqui na Terra: uma das senhoras presentes entrou em transe psicofônico, dando a sagrada oportunidade a que o verdugo de Ambrósio dissesse das suas razões de obsediar Ambrósio. Em seguida travou o diálogo, cujo resultado foi extremamente positivo. (Destacamos.)

1. FRANCO, Divaldo Pereira. Bastidores da obsessão. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 7. ed. Salvador, BA: LEAL, cap.7, p. 133.
2. XAVIER, Francisco Cândido. Entre a terra e o céu. Pelo Espírito André Luiz. 1. ed. especial, Rio de Janeiro, RJ: FEB, 2003, cap. 3, p.21-22.
3. FRANCO, Divaldo Pereira. Loucura e obsessão. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 3. ed. Salvador, BA: LEAL, 1990, capítulos 19 e 20.
4. idem. Tormentos da Obsessão. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 1. ed. Salvador, BA: LEAL, 2001, p. 159.

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