terça-feira, 11 de outubro de 2016

MAGNETISMO o fluido e a vontade

Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Envolvidos no mecanismo da ação pelo magnetismo vamos encontrar, ao fazer uma análise didática, alguns elementos importantes: vontade, fluido vital, confiança, técnica, estudo e amor. Vamos nos deter, neste artigo, mais especialmente nos dois primeiros, buscando entender a relação entre eles e a sua atuação.

A vontade é um dos atributos do Espírito. Representa o nosso querer e juntamente com o pensamento movimenta e dinamiza o ser. Elabora ideias e as expressa através das realizações materiais, tanto quanto da palavra e do intelecto. Sem vontade não somos almas, nos tornamos "coisas". Podemos ter vida, como os animais e as plantas, mas não exercemos o poder do pensamento, já que os dois estão sempre atrelados um ao outro.

Temos o exemplo disso na depressão mais grave, quando se perde a capacidade de exercer a própria vontade. O depressivo não é um objeto, mas se coisifica, torna-se letárgico, vive como num casulo onde as forças maiores da Vida é que lhe movem e conduzem. O objetivo do magnetismo nesse caso será o de reconstituir os canais energéticos a fim de que, restabelecido o trânsito normal das energias, emoções e pensamentos, consiga o doente exercer a sua vontade de forma satisfatória.

Diz o Espírito André Luiz em Missionários da Luz:

Pelo passe magnético, no entanto, notadamente naquele que se baseie no divino manancial da prece, a vontade fortalecida no bem pode soerguer a vontade enfraquecida de outrem para que essa vontade novamente ajustada à confiança magnetize naturalmente os milhões de agentes microscópicos a seu serviço, a fim de que o Estado Orgânico, nessa ou naquela contingência, se recomponha para o equilíbrio indispensável.


A vontade do magnetizador exerce um papel fundamental nos tratamentos. Sem ela não há transmissão fluídica e as técnicas se tornam apenas  movimentos de braços, sem função. O poder curativo do fluido se manifesta através da vontade do operador. Como escreveu Allan Kardec "os fluidos não possuem qualidades sui generis"1, adquirem as do meio, trazem o cunho dos nossos sentimentos positivos ou negativos, bem como podem ser "excitantes, calmantes, penetrantes, adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos, tóxicos, reparadores, expulsivos" etc.

Fluido e vontade são inseparáveis. O perispírito comanda o corpo físico, transmite a este os comandos vindos do Espírito, mas isto só se torna possível por causa do fluido que intermedeia os impulsos perispirituais que agem sobre o organismo biológico. A vontade do Espírito se exerce sobre o corpo utilizando o fluido como recurso que possibilita essa interação.

Van Helmont (1579-1644), médico, químico e fisiologista belga, afirmava que o homem "tem ao alcance da mão uma energia obediente à vontade, ligada ao seu potencial imaginativo, capaz de atuar exteriormente e influir sobre pessoas distantes, muito distantes mesmo".2

Essa capacidade que o fluido possui, ligado à nossa vontade, pode ser compro vada através da eficácia da prece.     Quando oramos por alguém distante emiti mos nossas energias que atravessa o espaço e o alcança onde estiver. Há pés quisas recentes feitas experimentalmente que mostram essa realidade: doentes que recebem preces, mesmo sem saber, obtêm melhoras mais significativas que outros que não são beneficiados pela oração.

Está mais do que demonstrado através de hipnotistas e magnetizadores que a vontade pode ser exercida a distância de forma a não restarem dúvidas quanto à influência do pensamento sobre outras pessoas, mesmo à sua revelia. É possível hipnotizar ou magnetizar alguém a distância, sem que o hipnotizado/magnetizado seja previamente avisado. Nesse caso, a vontade do hipnotizador/magnetizador é o agente através do qual a ação se exerce. Mas como um pensamento pode atuar através do espaço, senão tendo uma substância fluídica, invisível como intermediário? Essa substância é o fluido magnético que nos envolve e interpenetra todo o nosso organismo.



O indivíduo hipnotizado está magnetizado, mesmo sem a intenção do operador e somente assim ele consegue influenciá-lo a vontade, fazendo-o até mesmo cometer atos ridículos durante o estado de transe ou após este, às vezes depois de decorrido muito tempo, meses até. As sugestões tão utilizadas inicialmente pelos magnetizadores, depois pelos estudiosos e praticantes da hipnose de palco  ou terapêutica funcionam com uma vontade exercendo o seu poder sobre a outra. O desejo de um é acatado pelo outro que o comanda até certo ponto porque o tem envolvido no seu magnetismo.

Quando a mulher com hemorragia tocou as vestes de Jesus3 ela atraiu para si o fluido magnético através do poder da sua vontade. Ela tinha o desejo sincero e confiante de curar-se atraindo o recurso curativo do Cristo. Já na cura do paralítico4, a poderosa vontade de Jesus intervém ordenando-lhe: levanta-te e anda! O seu magnetismo envolve o doente e através deste o Mestre comanda a vontade estranha que se lhe submete e, a partir daí, as células orgânicas lhe obedecem, se reordenam e o homem ergue-se a caminhar.

Vamos encontrar a influência da vontade até mesmo na magnetização para produzir o estado de sonambulismo. O magnetizador impregna o sonâmbulo com o seu fluido e o faz porque quer, ou seja, utilizando a sua vontade como instrumento emissor, dosador e direcionador das energias. Com essa operação o perispírito do sujet se desvencilha, em maior ou menor grau, do organismo físico, o que proporciona o transe sonambúlico ou outra espécie de transe mais superficial. O transe mais ou menos profundo, porém, não ocorre por causa do quantum de fluido, mas sim pelo tamanho da vontade do magnetizador. Dessa forma, quanto mais forte e confiante a vontade deste, menos fluido precisará despender para alcançar no sonâmbulo uma emancipação mais completa. Logicamente, isso também dependerá do desenvolvimento da faculdade desse sonâmbulo.

Relatando outro tipo de experiência, podemos conduzir a imaginação de uma pessoa, induzindo-a a acreditar na existência de uma imagem, som ou ideia irreal. Num estado hipnótico a vontade do operador pode incutir uma determinada ideia na mente do hipnotizado fazendo-o acreditar piamente no que não passaria de uma alucinação. Por exemplo, o hipnotizador pode dizer ao indivíduo em transe: "entre mim e você há uma parede de tijolos alta de tal modo que você não consegue me ver, apenas me ouvir". O sujeito de olhos abertos será capaz de enxergar a tal parede em todos os detalhes, lhe impedindo a visão do hipnotizador. Se este assim desejar, fará com que aquele continue enxergando essa parede mesmo não estando mais em estado hipnótico. Ele poderá tocar e sentir a suposta parede através do tato, vê-la com seus olhos e continuará impedido de ver o seu hipnotizador.

Esta obra de Ernesto Bozzano publicada em 1926 mostra o quanto pode a vontade do encarnado como do desencarnado na realização dos fenômenos de objetivação ou materialização do pensamento.
podemos conduzir a imaginação de uma pessoa, induzindo-a a acreditar na existência de uma imagem, som ou ideia irreal.


A obsessão espiritual nada mais é do que uma vontade subjugando a outra. É um verdadeiro processo hipnótico-magnético em que o Espírito, se não consegue submeter o encarnado de imediato, vai-lhe incutindo ideias, sugerindo-lhe imagens, que alcançam a vítima desatenta lentamente, substituindo aos poucos a sua vontade pela do perseguidor. O desejo de perseguição do obsessor  fazem-no emitir voluntariamente ou não as suas energias que envolverão o organismo perispiritual e físico do perseguido, as quais servirão de instrumento pelo qual a vontade doentia alcança o objetivo. Na subjugação, fase mais avançada do processo obsessivo, a vontade do Espírito vai mais longe, consegue mesmo atuar sobre o corpo físico comandando-o ao seu bel prazer, quase sem resistência do obsediado, mostrando um rapport de alto nível.

Nas curas magnéticas, a vontade do magnetizador possibilita o sucesso das técnicas utilizadas. Sobre isso, vejamos o que escreveu Kardec:

Sabe-se que papel capital desempenha a vontade em todos os fenômenos do magnetismo.
[...] Com o auxílio dessa alavanca, ele atua sobre a matéria elementar e, por uma ação consecutiva, reage sobre seus compostos, cujas propriedades íntimas vêm assim a ficar transformadas.5

Aqui o autor deixou claro a importância  da vontade nas ações realizadas através do magnetismo. Em seguida, ele escreveu:

Tanto quanto do Espírito errante, a vontade é igualmente atributo do Espírito encarnado; daí o poder do magnetizador, poder que se sabe estar na razão direta da força de vontade. Podendo o Espírito encarnado atuar sobre a matéria elementar, pode do mesmo modo mudar-lhe as propriedades, dentro de certos limites. Assim se explica a faculdade de cura pelo contato e pela imposição das mãos, faculdade que algumas pessoas possuem em grau mais ou menos elevado.

Pois é, a força do magnetizador reside na potência da sua vontade, do quanto ele quer e do quão firme e convicto é esse querer. A vontade, embasada no sincero desejo de ajudar, em outras palavras, no amor, dá a capacidade curativa ao fluido que obedece à sua intenção transformando o organismo alheio, doente, entregue docemente à sua vontade, restituindo-se em saúde e harmonia.

1. A Gênese, cap. XIV.
2. Pensamento e Vontade, Ernesto Bozzano.
3. Evangelho de Lucas, VIII: 43-46.
4. Evangelho de Marcos, II: 9-12.
5. O Livro dos Médiuns, segunda parte, cap. VIII.


 Fonte;  JORNAL VÓRTICE    ANO VIII, Nº 07 Dezembro - 2015

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Emancipação da Alma – A ORIGEM DOS CONHECIMENTOS DO SONÂMBULO

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Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

431. Qual a origem das ideias inatas do sonâmbulo e como pode falar com exatidão de coisas que ignora quando desperto, de coisas que estão mesmo acima de sua capa-cidade intelectual?

É que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do que os que lhe supões. Apenas, tais conhecimentos dormitam, porque, por demasiado imperfeito, seu invólucro corporal não lhe consente rememorá-lo. - Allan Kardec, O Livro dos Espíritos.

Somos todos Espíritos, mas o fato de encarnarmos, transformando-nos em almas, impõe mudanças em inúmeros aspectos do ser como pensamento, memória e comunicação. Como Espíritos somos o somatório de todos os conhecimentos e experiências adquiridas e vivenciadas nas diversas encarnações que tivemos. Temos uma história que fomos construindo ao longo da trajetória existencial acumulando aprendizados que juntamos pelos caminhos por onde passamos e devido às escolhas que fizemos.

Na condição de encarnados possuímos conhecimentos que permanecem guardados no íntimo, sem aplicabilidade na existência atual. Em estado sonambúlico, quando o Espírito se desprende do corpo físico, readquire ele a capacidade de acessar os arquivos da memória integral, buscando lá os conhecimentos que transmite.

Continuam os Espíritos na questão 431:

Que é, afinal, um sonâmbulo? Espírito, como nós, e que se encontra encarnado na matéria para cumprir a sua missão, despertando des-sa letargia quando cai em estado sonambúlico.

Para os Espíritos, estar na matéria é como estar  numa prisão que restringe as suas faculdades e que pode ser comparado ao estado letárgico, já que o Espírito não pode agir com toda a liberdade que lhe caracteriza na erraticidade. Como alma, sente todas as restrições infligidas pela condição material. Como Espírito, ele usufrui da liberdade conferida pela sua condição. É deste modo que o sonâmbulo fala com precisão, muitas vezes, de assuntos que desconhece no estado de vigília. Vai buscá-los na memória do Espírito, pois fazem parte do seu aprendizado global. Ao sair do estado sonambúlico, retorna aos limites da memória da vida atual.

Após a resposta do Espírito, Allan Kardec acrescentou um comentário com mais uma alternativa quanto à origem dos conhecimentos do sonâmbulo.

Mostra a experiência que os sonâmbulos também recebem comunicações de outros Espíritos, que lhes transmitem o que devam dizer e suprem à incapacidade que denotam.

Kardec chamou de mediunidade sonambúlica a capacidade do sonâmbulo de intermediar os Espíritos. Isso ocorre quando o sujet desprendido do corpo transmite um comunicado que pertence ao desencarnado, no fenômeno de sonambulismo. Assim temos a junção de dois fenômenos: um anímico e outro mediúnico. Através do sonâmbulo os Espíritos complementam os conhecimentos que o sensitivo não encontra em si mesmo. Na prática temos encontrado aquilo que Allan Kardec também observou: os sonâmbulos fazem isso com mais frequência quando têm que fornecer orientações à forma de tratamento de determinado doente. Com certa facilidade o sonâmbulo descreve as desarmonias físicas, emocionais, energéticas e espirituais. Quando deve expor o tratamento, muitas vezes são os Espíritos que informam, seja através de imagens, de intuições ou de palavras, relatos que o sonâmbulo pode transmitir ao seu magnetizador.

O sonambulismo é a antecâmara da vida que experimentaremos quando deixarmos o mundo material. A encarnação, apesar de necessária, não deixa de causar um certo constrangimento no Espírito por limitar as suas capacidades. Ape-sar disso, no retorno ao Mundo Espiritual pode o Espírito levar na bagagem um maior acervo de experiências como aquelas pessoas que enfrentam determinados desafios buscando superar seus limites físicos, emocionais ou mentais. De forma semelhante, o sonâmbulo conhece e sente antecipadamente os gozos do Espírito liberto do corpo, como prenúncio da vida que usufruirá quando voltar em definitivo para a Pátria Espiritual.

Emancipação da Alma – SONAMBULISMO Fenômeno natural ou doença?


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com


Participar dos EMME - Encontro Mundial de Magnetizadores Espíritas - a cada ano tem sido muito enriquecedor pela oportunidade do contato com as experiências de outras pessoas, reafirmando a necessidade de se estudar e compreender melhor os fenômenos de emancipação da alma, em especial o sonambulismo, visto que ocorrem com frequência e têm crescido cada vez mais.

Conheci uma senhora de pouco mais de 60 anos que possui o dom da dupla vista. Há muitos anos ela consegue, em determinados momentos, enxergar literalmente duas realidades ao mesmo tempo. Apesar de espírita e frequentadora de uma instituição espírita, o desconhecimento a respeito dessa faculdade levou-a a procurar um psiquiatra (já faz alguns anos que ela toma medicamento controlado), o qual provavelmente a diagnosticou como portadora de algum tipo de transtorno.

O estudo da faculdade natural de emancipação, em que a alma encarnada pode libertar-se parcial e temporariamente dos liames mais ostensivos que lhe prendem ao corpo, tem sido desprezado, causando confusão e dificuldades para o entendimento e a orientação dos seus portadores pelas Casas Espíritas.

Durante um seminário na cidade de Goiânia, conheci um jovem de aparentemente 30 e poucos anos, o qual afirmou tomar medicamento controlado desde criança. Ele tinha e tem facilidade em ausentar-se do corpo físico, o que, conforme orientação dos Espíritos Superiores a Allan Kardec, certos organismos físicos facilitam*. Para os que conviviam com ele, as percepções diferenciadas não correspondiam ao conceito de normalidade. Foi levado ao médico pela família, que via naquela fenomenologia uma anormalidade passível de tratamento medicamentoso. Ao término do seminário onde expusemos sobre o tema sonambulismo, ele veio agradecer pela oportunidade que teve de conhecer-se e de tornar claro aquilo que para ele era o drama da sua vida. Agora ele sabia que não era doente, mas sim possuidor da capacidade natural de emancipar-se.

A possibilidade de sair do corpo físico não significa em si uma doença, mas uma evidência de que a vida se posiciona em dois aspectos: a vida de relação e uma vida interior, a vida do Espírito, que pode em certos momentos manifestar as suas faculdades quando o corpo exerce menos a sua influência. O sonâmbulo tem um organismo propício a esse desprendimento do Espírito, o qual revela as suas potencialidades até onde a ligação com o corpo físico lhe possibilite.

Se o sonambulismo e demais fenômenos de emancipação da alma são naturais, há pessoas, porém, que os expressam em momentos de crise podendo isto significar um fato que necessita de apoio psicológico. A fuga da realidade ou outro motivo qualquer podem ocasionar o desprendimento do Espírito de forma patológica, gerando a crise de ausência e outros transtornos chamados de dissociativos. Estes merecem tratamento psicológico ou psiquiátrico, enquanto aqueles outros se manifestam como sintomas, apesar de per si não denotarem uma doença.

Infelizmente, muitas Casas Espíritas se sentem incapazes de diferenciar o que é passível de tratamento daquilo que se manifesta de forma hígida, mormente no que diz respeito aos fenômenos de emancipação da alma.

Para quem se propõe a tratar doenças (este é o caso da maioria dos Centros Espíritas), identificar quando há uma patologia a ser tratada é indispensável: diferenciar doença orgânica, psicológica e obsessão de fenômeno mediúnico ou anímico não patológico, que precisam mais de orientação do que de tratamento. Percebe-se que o estudo de todos esses aspectos que podem se manifestar no ser humano é uma necessidade básica de todo espírita, a fim de cooperar de maneira eficiente para o bem-estar e a saúde dos que o  procuram.

JORNAL VÓRTICE ANO IX, n.º 03 - agosto - 2016

Leitura Recomendada;

Emancipação da Alma – A ORIGEM DOS CONHECIMENTOS DO SONÂMBULO
Emancipação da Alma – SONAMBULISMO Recurso de investigação da alma
Emancipação da Alma – Telepatia
Emancipação da Alma – Morte Aparente
Emancipação da Alma – Catalepsia
Emancipação da Alma – Letargia
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Emancipação da Alma - O Sono E Os Sonhos II
Emancipação da Alma - O Sono E Os Sonhos
Emancipação da Alma

Emancipação da Alma – SONAMBULISMO Recurso de investigação da alma


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Quando se fala em sonambulismo logo se vem à mente a ideia de pessoas que caminham pela casa, usam o banheiro, conversam, comem ou mesmo saem de casa, tudo isso enquanto dormem. Este fenômeno é tido pela Medicina como “parassonia”, ou seja, fenômeno que acompanha o sono e envolve atividade muscular esquelética ou mudanças do sistema nervoso autônomo, ou ambas (segundo o Dr. José Roberto Pereira Santos, em matéria publicada na Folha Espírita de março de 2005).

Na verdade, esses são sinais de uma faculdade que pode ir muito mais além. Se o sonambulismo rudimentar, como descrito acima, pode servir de estudo a respeito das possibilidades psicofisiológicas humanas, há outras características do sonâmbulo necessitando de pesquisa, como a capacidade de ver a distância ou através de corpos opacos, ler pensamentos, descrever enfermidades suas ou de outras pessoas, receitar medicamentos ou formas de tratamento, ter premonições, etc. Bem estudada pelo Sr. Allan Kardec na Doutrina Espírita, a faculdade sonambúlica seria ainda uma forma de se comprovar a existência da alma e a sua independência com relação ao corpo. Em matéria veiculada na Revista Espírita de julho de 1863 sob o título “Dualidade do Homem Provada pelo Sonambulismo”, o codificador da Doutrina Espírita assim se expressou: “A visão a distância, as impressões que o sonâmbulo sente segundo o meio que vai visitar, provam que uma parte de seu ser é transportada; ora, uma vez que não é seu corpo material, visível, que não muda de lugar, esse não pode ser senão o corpo fluídico, invisível e sensitivo. Não é o fato mais patente da dupla existência corpórea e espiritual?”.

O Codificador inseriu o sonambulismo entre os fenômenos de emancipação da alma, capacidade que todos os encarnados têm de, em certos momentos especiais, libertar-se temporária e parcialmente dos laços que prendem o Espírito à matéria.

No sonambulismo natural ou provocado por efeito de emissão magnética (energias vitais humanas), o Espírito consegue desvincular-se do organismo material e deslocar-se a outros lugares, penetrar os pensamentos alheios de encarnados e desencarnados e ainda expressar conhecimentos que podem estar muito além da sua capacidade intelectual na presente existência. É que os sonâmbulos, em vidas passadas, podem ter adquirido conhecimentos que na atual existência não têm a possibilidade de manifestar e desenvolver devido às circunstâncias que se apresentam (influência do meio em que vivem, falta de acesso à educação escolar etc.).

Entretanto, liberando-se parcialmente do corpo físico, reduzindo as limitações impostas pelo organismo material, encontra os recursos para expressar os conhecimentos que se encontram gravados na sua memória espiritual. De outra sorte, ocorrendo o desprendimento do Espírito do sonâmbulo, este pode sentir a presença, ver e ouvir outros Espíritos transmitindo-lhe mensagens, sendo o sonâmbulo, neste caso, o veículo das comunicações, o que o torna um médium sonâmbulo.

Pouco estudado na atualidade, o sonambulismo serviu muitas vezes aos magnetizadores do passado como forma de diagnóstico e indicação de tratamento de pessoas enfermas. Numerosos exemplos foram descritos pelo Prof. Rivail nas suas obras e, antes dele, esta característica da faculdade já era bastante conhecida e estudada pelos seguidores de Mesmer. Diversos magnetizadores descreveram em seus livros as experiências realizadas, bem como os procedimentos sonambúlicos levados a efeito durante as magnetizações.

Em Magnetismo Curativo, Alphonse Bué relata um caso de cura onde a paciente, de nome Blanche H., 24 anos, era sonâmbula e como tal participou ativamente de todo o tratamento magnético. “(...) Não somente a minha sonâmbula tinha seguido passo a passo a marcha da sua moléstia, determinar-lhe a origem e natureza, ver o estado dos órgãos e predizer a época das suas crises, como ainda, embora não tivesse conhecimento algum da medicina homeopática, havia indicado os remédios que convinham ao seu estado e deviam favorecer a cura”.

Na mesma obra, o autor apresenta o tratamento de Luíza C., que há doze anos sofria de atrofia muscular progressiva. Diz Bué: “Luíza, em sono magnético, seguia diariamente este trabalho de reorganização da Natureza, com interesse crescente; como via perfeitamente o interior do corpo, tinha prazer em pôr-me ao corrente das flutuações que o tratamento imprimia ao seu estado; o que lhe chamava principalmente a atenção era o aspecto dos seus músculos. Não possuindo nenhuma no-ção de anatomia, limitava-se simplesmente a explicar-me a seu modo aquilo que via”.
Pôde também descrever a vida voltando gradativamente aos seus músculos, bem como a crise próxima da qual sairia melhor.

Sendo o Magnetismo e o Espiritismo ciências irmãs, como escreveu Allan Kardec, vale a pena estudar mais a respeito do sonambulismo magnético e, quem sabe, utilizando-o junto aos trabalhos de magnetização, apro-veitar os diversos recursos que ele oferece, contribuindo mais decisivamente para a saúde e o bem-estar do próximo.


quarta-feira, 6 de julho de 2016

Emancipação da Alma – Telepatia

Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Segundo o dicionário Michaelis, telepatia significa a "capacidade que se pretende possuam algumas pessoas de transmitir e receber pensamentos a distância, sem que façam uso dos sentidos naturais". O pensamento é a linguagem do Espírito. Não é formado por palavras, nem imagens, nem nada que tenha uma expressão material. É a forma universal de comunicação, que pode ser entendida por qualquer Espírito em qualquer lugar em que esteja. Sabemos que os encarnados podem comunicar-se de Espírito a Espírito durante o sono quando se encontram desprendidos do corpo adormecido. Há a possibilidade também de comunicarem-se mesmo em estado de vigília, conforme explicaram os orientadores espirituais de Kardec. 

420. Podem os Espíritos comunicar-se, estando completamente despertos os corpos? 

"O Espírito não se acha encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Segue-se que pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, se bem que mais dificilmente.“ (O Livro dos Espíritos)

O organismo físico é um empecilho a esse tipo de comunicação devido à sua densidade. Mesmo assim, certas pessoas possuem essa faculdade relativamente desenvolvida pela qual seus perispíritos se expandem significativamente e quando tocam os fluidos perispiríticos de outrem conseguem permutar impressões e pensamentos "que dá causa a que duas pessoas se vejam e compreendam sem precisarem dos sinais ostensivos da linguagem". (O Livro dos Espíritos, comentário à questão 421) E complementa Allan Kardec: "Poder-se-ia dizer que falam entre si a linguagem dos Espíritos".

Alguns telepatas são mais habilitados a captar o pensamento alheio. Outros são melhores emissores. E ainda outros conseguem fazer bem as duas coisas. Há aqueles que por uma espécie de simpatia especial se comunicam entre si telepaticamente, às vezes com muita facilidade e precisão. Essas são raras, embora a faculdade telepática seja comum a todas as pessoas. Dir-se-ia que todos nos comunicamos uns com os outros de Espírito a Espírito, apesar de não percebermos, permanecendo essas relações a nível profundo só entendível e percebido pelo Espírito não chegando à consciência de vigília.

No processo de interação telepática dificilmente há uma perfeita captação daquilo que está passando na mente do outro. Os pensamentos podem ser percebidos mesclados ou não às emoções relativas aos mesmos, com mais ou menos detalhes, com maior ou menor precisão. Por exemplo: suponhamos alguém que está passando por momentos de tristeza relativos ao falecimento de um ente querido. Um telepata menos desenvolvido captará somente uma ideia de perda, sem saber definir a que se refere. Um  outro perceberá a angústia que o acompanha relacionando-a à morte de alguém. Um sensitivo mais capacitado "verá" a imagem do enterro, as pessoas que estavam  presentes, identificará o morto e ainda poderá descrever como eram as relações entre os dois.

Essa é mais uma faculdade que revela a capacidade de emancipação do encarnado e que nos capacita a entrar em contato com outros através do pensamento, de Espírito a Espírito. Mostra o quanto a mente, como atributo da alma, pode funcionar independentemente dos sentidos físicos .


sexta-feira, 1 de julho de 2016

Estudo sobre a mediunidade


SILVIO E CLARICE SENO CHIBENI

1. Introdução

A mediunidade desempenha papel essencial no estabelecimento da base experimental da ciência espírita e nas atividades dos centros espíritas. Seu estudo sistemático e contínuo possibilita a correta compreensão tanto de sua natureza como de suas finalidades, habilitandonos a dela obter seguros e produtivos resultados, com vistas ao nosso aperfeiçoamento intelectual e moral.

Esse estudo deve necessariamente estar centralizado no mais completo e profundo tratado que já se escreveu sobre a mediunidade: O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec. Os presentes apontamentos devem ser tidos unicamente como uma exposição incompleta de alguns tópicos importantes, destinada a facilitar posteriores contatos com essa obra fundamental e a vasta literatura subsidiária surgida desde sua publicação, em 1861.

No Vocabulário Espírita que forma o capítulo 32 desse livro, Kardec dá como sinônimos  os termos mediunidade e medianimidade, definindo-os como “a faculdade dos médiuns”.
Quanto à palavra médium, Kardec explicita o seu significado em várias passagens de suas obras, como por exemplo nesse mesmo Vocabulário, onde se encontra esta definição sucinta:

MÉDIUM (do latim, medium, meio, intermediário). Pessoa que pode servir de intermediário entre os Espíritos e os homens.

Ao analisar os conceitos de médium e de mediunidade, faz notar que a palavra médium comporta duas acepções distintas, expressas com clareza neste trecho da Revue Spirite:¹

Acepção ampla:
Qualquer pessoa apta a receber ou a transmitir comunicações dos Espíritos é, por issomesmo, médium, quaisquer que sejam o modo empregado e o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência oculta até à produção dos mais insólitos fenômenos.

Acepção restrita:
Em seu uso ordinário, todavia, esse termo tem uma aplicação mais restrita, aplicando-se às pessoas dotadas de um poder mediador suficientemente grande, seja para a produção de efeitos físicos, seja para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra.

Quando analisamos um texto ou um discurso onde o termo médium aparece, é importante reconhecer em qual desses sentidos está sendo empregado, a fim de se evitarem mal-entendidos e discussões sem fundamento. Assim, por exemplo, a afirmação feita no parágrafo 159 de O Livro dos Médiuns de que “todos [os homens] são quase médiuns” deverá ser entendida apenas na acepção ampla do termo, pois sabemos, pela questão 459 de O Livro dos Espíritos, que todos somos passíveis de receber a influência dos Espíritos, ainda que sob a forma sutil de intuição. Incorreremos em grave equívoco se concluirmos daí que todos somos mais ou menos médiuns no sentido restrito e usual da palavra, ou seja, se julgarmos que todos podemos produzir manifestações ostensivas, tais como a psicofonia, a psicografia, os efeitos físicos etc.

2. A natureza da mediunidade

Limitando-nos daqui para frente à acepção restrita do termo 'médium', que é a mais usual e relevante, estaremos, no que se vai seguir, entendendo a mediunidade como a aptidão
especial que certas pessoas possuem para servir de meio de comunicação entre os Espíritos e os homens.

A questão que naturalmente surge neste ponto é a de se determinar qual é a natureza da faculdade mediúnica: quais as suas causas, por que surge somente em determinadas pessoas e em modalidades e graus diversos, se é passível de desenvolvimento forçado mediante alguma técnica etc.

Um aspecto central relativo à natureza da mediunidade acha-se exposto na resposta à questão que Kardec endereçou aos Espíritos no parágrafo 226 de O Livro dos Médiuns:²

O desenvolvimento da mediunidade guarda proporção com o desenvolvimento moral dos médiuns? “Não; a faculdade propriamente dita prende-se ao organismo; independe do moral. O mesmo, porém, não se dá com o seu uso, que pode ser bom ou mau, conforme as qualidades do médium.”

Como observamos pela resposta dos Espíritos, a capacidade de servir de “ponte” entre o mundo espiritual e o mundo material está ligada a fatores de ordem orgânica. Esse ponto encontra-se exarado em vários lugares das obras de Kardec e de outros autores espíritas abalizados, passando, no entanto, despercebido à maioria das pessoas, mesmo espíritas.

Já em 1859 Kardec afirmava, em seu livro Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas que “essa faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento.”³ Em O Livro dos Médiuns as referências nesse sentido são numerosas. No parágrafo 94, por exemplo, que trata das manifestações físicas espontâneas, os Espíritos informam que a aptidão de ser médium de efeitos físicos “se acha ligada a uma disposição física”. Bem mais adiante, ao estudar a formação dos médiuns (§ 209), Kardec retorna ao assunto:

Têm-se visto pessoas inteiramente incrédulas ficarem espantadas de escrever [mediunicamente] a seu mau grado, enquanto que crentes sinceros não o conseguem, o que prova que esta faculdade se prende a uma disposição orgânica.

Notemos que nesta última passagem há referência a mais um princípio importante: a mediunidade não depende das convicções filosóficas ou das crenças religiosas do médium.

Por fim, em resposta à questão 19 do parágrafo 223 desse mesmo livro os Espíritos esclarecem que “a mediunidade propriamente dita independe da inteligência bem como das qualidades morais” do médium. Portanto a mediunidade independe também do desenvolvimento intelectual do médium.4

Resumindo o que vimos até aqui:
A mediunidade é a faculdade especial que certas pessoas possuem para servir de intermediárias entre o Espíritos e os homens. Ela tem origem orgânica, e independe:
- da condição moral do médium;
- de suas crenças;
- de seu desenvolvimento intelectual.

No parágrafo 200 de O Livro dos Médiuns, Allan Kardec deixa claro que “não há senão um único meio de constatar [a existência da faculdade mediúnica em alguém]: a experimentação.” Ou seja, só poderemos saber que uma pessoa é médium observando que efetivamente é capaz de servir de intermediário aos Espíritos desencarnados.

Isso naturalmente remete à importante questão do desenvolvimento da mediunidade. Por sua importância e pelas confusões e equívocos a que se tem prestado, merece ser abordada numa seção especial.

3. O desenvolvimento da mediunidade

Uma primeira observação a ser feita é que se a presença da faculdade mediúnica em uma pessoa independe de sua condição moral, intelectual e de crença, ninguém poderá tornarse médium tão-somente pelo fato de moralizar-se, ou de estudar, ou de aderir às convicções  espíritas. É evidente que essas atitudes serão de imenso proveito para a criatura, pois a colocarão em condições de compreender e utilizar bem a faculdade mediúnica que porventura possua.

É significativo, a esse respeito, que Kardec tenha alertado já no terceiro parágrafo da Introdução de O Livro dos Médiuns que muito se enganaria aquele que “supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns.” Lança mão, a seguir, de uma comparação muito clara e objetiva, que esclarece o assunto à saciedade (os destaques são nossos):

Se bem que cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que não têm o gênio de algumas dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam no emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista.

O caráter espontâneo da faculdade mediúnica é ainda destacado no parágrafo 208 de O Livro dos Médiuns (o destaque é nosso): 
Se os rudimentos da faculdade [mediúnica] não existem, nada fará que apareçam[...]. 
No capítulo intitulado “Manifestações dos Espíritos” de Obras Póstumas (parágrafo 6, nº 34) encontramos esta densa passagem (destaque nosso):

O desenvolvimento da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos; depende, portanto, do organismo e pode ser desenvolvida quando exista o princípio; não pode, porém, ser adquirida quando o princípio não exista.

E no parágrafo 198 de O Livro dos Médiuns, que trata da diversidade das faculdades mediúnicas, lemos ainda:

Em erro grave incorre quem queira forçar a todo custo o desenvolvimento de uma faculdade que não possua. Deve a pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça possuir o gérmen. Procurar à força ter as outras é, antes de tudo, perder tempo, e, em segundo lugar, perder talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.

Encerrando esse parágrafo, Kardec transcreve comunicação mediúnica de Sócrates sobre o desenvolvimento da mediunidade, que contém grave advertência:

Quando existe o princípio, o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais inequívocos. Limitando-se à sua especialidade, pode o médium tornar-se excelente e obter grandes e belas coisas; ocupando-se de tudo, nada de bom obterá. Notai, de passagem, que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas faculdades é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nuncam deixam impune. Os bons abandonam o presunçoso, que se torna então joguete dos mentirosos. Infelizmente, não é raro verem-se médiuns que, não contentes com os dons que receberam, aspiram, por amor-próprio ou ambição, a possuir faculdades excepcionais, capazes de os tornarem notados. Essa pretensão lhes tira a qualidade mais preciosa: a de médiuns seguros.

Apenas como exemplo de opinião de um outro autor, corroborativo da de Allan Kardec, vejamos como Emmanuel responde à questão 384 de seu livro O Consolador, questão essa que versa especificamente sobre o tema que estamos focalizando:

Dever-se-á provocar o desenvolvimento da mediunidade?
— A mediunidade não deve ser fruto de precipitação nesse ou naquele setor da atividade doutrinária, porquanto, em tal assunto, toda a espontaneidade é indispensável, considerando-se que as tarefas mediúnicas são dirigidas pelos mentores do plano espiritual.
Logo em seguida, em resposta à questão 386, o conceituado Espírito reitera:
Ninguém deverá forçar o desenvolvimento dessa ou daquela faculdade, porque, nesse terreno, toda a espontaneidade é necessária; observando-se contudo, a floração mediúnica espontânea, nas expressões mais simples, deve-se aceitar o evento com as melhores disposições de trabalho e boa-vontade [...].5

Precisamos portanto estar vigilantes quanto à opinião, infelizmente tão comum no meio espírita, de que as pessoas que aparecem nas casas espíritas devem, cedo ou tarde, ser encaminhadas às chamadas “sessões de desenvolvimento mediúnico”. São dois os motivos mais freqüentemente alegados para esse tipo de recomendação: 1) o empenho e dedicação com que alguém se interesse pelo Espiritismo, sugerindo, segundo julgam, que tem “todas as condições” para exercer a mediunidade; 2) os desequilíbrios variados de saúde ou de comportamento que apresente, notadamente quando venham desafiando a perícia dos médicos.

Ora, no primeiro caso dever-se-ia ponderar que as boas disposições da pessoa deverão ser aproveitadas antes de mais nada em seu aperfeiçoamento intelectual e moral, e, em se tratando de sua colaboração nas atividades do centro espírita, naquele setor ao qual mais se ajuste por sua formação profissional, seus interesses e disponibilidades, quais sejam a condução de estudos, a evangelização infanto-juvenil, a administração, a biblioteca, as visitas fraternas, a costura de enxovais, a faxina, a distribuição de alimentos, a acolhida aos novos freqüentadores etc., ou os trabalhos mediúnicos, se os sinais de mediunidade se apresentarem de forma espontânea.

No segundo caso, que é o mais freqüente, seria preciso compreender que o mero fato de alguém encontrar-se desequilibrado significa que não pode ser inserido no grupo mediúnico, sob o risco de comprometer o seu bom funcionamento. A mediunidade em si é uma faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com os desajustes físicos, mentais e espirituais da criatura. Estes surgem por motivos específicos, e requerem o tratamento médico, psicológico ou espírita adequado ao caso. Somente após seu retorno à normalidade é que a pessoa poderá participar, como médium, dos trabalhos mediúnicos, se a faculdade surgir espontaneamente. O exercício da mediunidade não é recomendável na presença de determinadas enfermidades físicas, como por exemplo, nas doenças contagiosas, ou onde o equilíbrio orgânico esteja “por um fio” e a atividade mediúnica envolva situações que emocionem muito o médium. No caso dos desequilíbrios mentais e espirituais, o exercício mediúnico não pode nunca ser iniciado, ou continuado. Um médium nessas condições não poderá contribuir positivamente, além de gerar dificuldades para o grupo, facilitando mesmo a atuação de Espíritos interessados na instalação da desarmonia, dos melindres, das suspeitas, do enregelamento das relações entre os membros.

O desenvolvimento mediúnico a ser promovido nos centros espíritas não deve nunca ser entendido como o aprendizado de técnicas e métodos para fazer surgir a mediunidade, pois que não os há nem pode haver, mas exclusivamente como o aprimoramento e direcionamento útil e equilibrado das faculdades surgidas de forma natural, o que pressupõe o aperfeiçoamento integral do médium, por meio do estudo sério e de seus esforços incessantes para amoldar suas ações às diretrizes evangélicas.

Ressaltemos, outrossim, que os núcleos espíritas não deverão iniciar qualquer trabalho mediúnico, quer de desenvolvimento (no sentido correto do termo), quer, menos ainda, de assistência aos Espíritos enfermos, se não estiverem seguros de que dispõem de colaboradores suficientemente preparados, por seus conhecimentos doutrinários, por seu equilíbrio psicológico e por sua conduta cristã, que disponham de tempo para encetar com regularidade tão delicada tarefa.

Resumindo o que foi visto nesta seção:
- A mediunidade é uma faculdade natural, que surge espontaneamente.
- Não se deve procurar desenvolvê-la enquanto não aflorar por si só.
- O desenvolvimento da mediunidade deve ser entendido unicamente como a sua educação, o seu aprimoramento, a sua disciplina, o seu direcionamento útil para o bem.

- A mediunidade não é a causa primária dos desequilíbrios orgânicos e psicológicos.
- O exercício da mediunidade não deve ser colocado como a culminação obrigatória das atividades do cooperador da casa espírita.

4. Os mecanismos da mediunidade

Na presente seção procuraremos reunir alguns informes sobre os mecanismos da faculdade mediúnica, ou seja, sobre como se dá o fenômeno mediúnico. A fonte básica continuará sendo Allan Kardec. Iniciemos com este trecho, já parcialmente transcrito, do capítulo “Manifestações dos Espíritos” de Obras Póstumas (§ 6, n° 34; o destaque é nosso):

O fluido perispirítico é o agente de todos os fenômenos espíritas, que só se podem produzir pela ação recíproca dos fluidos que emitem o médium e o Espírito. O desenvolvimento da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos.

Esmiuçando as informações aqui contidas, notamos:

1) O perispírito desempenha papel de capital importância no processo mediúnico.
2) Sendo o perispírito “o agente de todos os fenômenos espíritas”, e estes só podendo produzir-se pela ação recíproca dos fluidos que emitem o médium e o Espírito, temos como regra sem exceções que, ocorrendo um fenômeno de comunicação com o mundo espiritual, necessariamente haverá a participação de um médium. Em alguns casos, como em certas manifestações de efeitos físicos, não se nota a presença do médium, mas podemos estar certos de que haverá alguém, em algum lugar, servindo de médium ainda mesmo que este não esteja consciente do papel que desempenha. Também percebemos que serão vãos os esforços de certos pesquisadores que, desprezando a riquíssima contribuição do Espiritismo para o estudo daquilo que (impropriamente) denominam “paranormalidade”, tentam detectar o Espírito unicamente por meio de aparelhos. Se algum instrumento chegar a registrar um spírito, é porque houve a participação oculta de algum médium. Neste caso, seria mais confiável analisar a manifestação diretamente, sem o recurso indireto de instrumentos, que sempre constituem fonte adicional de incertezas.6

3) A presença da faculdade mediúnica em alguém liga-se à possibilidade de seu perispírito “expandir-se”. Veremos logo mais que essa “expansão” do corpo espiritual pode ser entendida como a sua parcial desvinculação do corpo físico.

4) A efetivação da comunidade exige, além da “expansão” do perispírito do médium, a
assimilação deste com o perispírito do Espírito comunicante, ou seja, tem de haver sintonia entre ambos. Esse fato importante, de que o médium em geral não é capaz de comunicar-se indiscriminadamente com todos os Espíritos, é exposto em Obras Póstumas imediatamente após o trecho que acabamos de transcrever (§ 6, nº 35; os grifos são nossos):

As relações entre os Espíritos e os médiuns se estabelecem por meio dos respectivos perispíritos, dependendo a facilidade dessas relações do grau de afinidade existente entre os dois fluidos. Alguns há que se combinam facilmente, enquanto outros se repelem, donde se segue que não basta ser médium para que uma pessoa se comunique indistintamente com todos os Espíritos. Há médiuns que só com certos Espíritos podem comunicar-se ou com Espíritos de certas categorias, e outros que não o podem a não ser pela transmissão do pensamento, sem qualquer manifestação exterior.

No exame do assunto do item 3, podemos colher subsídios em André Luiz, o autor espiritual que tanto tem contribuído para a extensão de nosso conhecimento científico acerca da mediunidade. Em sua obra Evolução em Dois Mundos, ao analisar a fase evolutiva em que se elaborava a faculdade de desprendimento do veículo perispiritual durante o sono (capítulo 17, item “Mediunidade espontânea”), adianta esta valiosa informação (grifamos):

Consolidadas semelhantes relações com o Plano espiritual [...], começaram na Terra os movimentos de mediunidade espontânea, porquanto os encarnados que demonstrassem capacidades mediúnicas mais evidentes, pela comunhão menos estreita entre as células do corpo físico e do corpo espiritual, em certas regiões do campo somático, passaram das observações durante o sono às da vigília, a princípio fragmentárias, mas acentuáveis com o tempo [...].

Vemos, assim, que o respeitado cientista deixa entrever a correlação íntima entre a possibilidade de contato com a realidade espiritual durante a vigília (mediunidade) e um certo “afrouxamento” das ligações entre as células do perispírito e as suas correspondentes do corpo material. Prosseguindo, André Luiz explicita mais essa correlação:

Quanto menos densos os elos de ligação entre os implementos físicos e espirituais, nos órgãos da visão, mais amplas as possibilidades na clarividência, prevalecendo as mesmas normas para a clariaudiência e modalidades outras, no intercâmbio entre as duas esferas [...].

Refletindo um pouco sobre as assertivas de André Luiz, verificamos, inicialmente, que não conflitam com a explicação dada por Kardec, em termos da capacidade de expansão do perispírito do médium. Há, pelo contrário, até um reforço, já que a noção de “expansão” é aquisuficientemente abrangente e flexível para permitir ulteriores elaborações e detalhamentos, dentro da natureza eminentemente progressiva do Espiritismo. Podemos compreender, deste modo, a “expansibilidade” do perispírito como a sua faculdade de desvinculação parcial e temporária do corpo físico, passando, nesse estado especial, a partilhar da realidade do mundo espiritual para nela colher impressões diversas, sem no entanto perder a possibilidade de atuação sobre o corpo denso.

É fundamental deixar claro que o que acabamos de expor não corrobora de modo algum a idéia popular de que no processo mediúnico o Espírito do médium “sai” e “dá lugar” ao Espírito comunicante, que passaria então a servir-se diretamente do corpo do médium. Os Instrutores Espirituais já esclareceram a Kardec, no importante capítulo “Do papel do médium nas comunicações espíritas” de O Livro dos Médiuns que essa idéia não corresponde à realidade. A mensagem sempre passa pelo Espírito do médium, mesmo quando ele nãoguarda disso a consciência ao despertar do transe. Vejamos o que dizem no item sexto do parágrafo

O Espírito que se comunica por um médium transmite diretamente o seu pensamento, ou este tem por intermediário o Espírito do médium?

“É o Espírito do médium que é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve ara
falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar à grande distância uma notícia e, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente que a receba e transmita.”

Compreendemos então que, em última instância, o comando do veículo físico só pode ser feito pelo seu próprio “dono”. Poderíamos dizer que o corpo material é feito “sob medida” para cada Espírito, e que não “serve” para nenhum outro. O Espírito estranho não tem como agir diretamente sobre as células materiais formadas sob a influência de outro Espírito e para o seu próprio uso.

É interessante notar que nas questões seguintes à transcrita os Espíritos frisam — mesmo enfrentando uma oposição inicial de Kardec — que essa é uma regra absoluta, sem exceções, nem mesmo na mediunidade dita “mecânica”, ou ainda nos casos de efeitos físicos onde uma mensagem inteligente é transmitida (tiptologia, escrita por meio de pranchetas etc).
Vemos, na questão 10 do referido parágrafo, que os Espíritos expressam indiretamente sua desaprovação a esse modo de denominar a mediunidade na qual o médium não guarda consciência do conteúdo da comunicação: o médium jamais atua como máquina, mecanicamente.
Resumindo o conteúdo desta seção:
- O perispírito desempenha papel essencial em todos os processos mediúnicos.
- A faculdade mediúnica liga-se à possibilidade de o perispírito desvincular-se parcialmente do corpo físico durante a vigília.
- A comunicação não se efetiva sem que haja sintonia entre os perispíritos do médium do Espírito.
- A comunicação espiritual, ainda que de efeitos físicos, sempre passa pelo Espírito do médium.

5. As modalidades mediúnicas

Um aspecto importante dos esclarecimentos de André Luiz é que permitem compreender não somente como se dá o fenômeno mediúnico, mas também o porquê da existência de diferentes modalidades de mediunidade. Observamos, pelos trechos citados, que a faculdade mediúnica será deste ou daquele tipo conforme a região do organismo em que as células do perispírito apresentem maiores possibilidades de desvinculação das que lhe correspondem no corpo físico. Desse modo, segundo o exemplo dado, se for nos órgãos da visão que ocorre a maior liberdade das células do perispírito, a mediunidade assumirá a forma de vidência; se nos órgãos da audição, a de audiência; se nos da fala, a de psicofonia, e assim por diante.

Devemos notar, no entanto, que os órgãos a que se refere André Luiz são, conforme e depreende de outras passagens de sua obra, não tanto os órgãos periféricos — olhos, ouvidos, mãos etc. —, mas fundamentalmente as regiões do cérebro responsáveis por seu comando. De fato, a ciência mostrou que há no cérebro grupos de neurônios (células nervosas) mais ou menos especializados para as diversas faculdades sensoriais e motoras. No caso da visão, por exemplo, tais neurônios recebem, através do nervo óptico, os impulsos elétricos gerados na retina do olho, sinais esses que a alma interpreta como imagens. O mesmo se dá, mutatis mutandis, com os demais sentidos. No caso das funções motoras, ao comando da alma determinados centros cerebrais enviam, através dos diferentes nervos, impulsos elétricos aos músculos, resultando daí os movimentos corporais.

Kardec dividiu os médiuns em duas grandes categorias: os de efeitos físicos e os de efeitos intelectuais. Os primeiros são “aqueles que têm o poder de provocar efeitos materiais, ou manifestações ostensivas”; os segundos, “os que são mais especialmente próprios a receber e a transmitir comunicações inteligentes” (O Livro dos Médiuns, parágrafo 187). Para fins didáticos, é conveniente subdividir a categoria de efeitos inteligentes em dois grupos: efeitos sensoriais (percepção da realidade espiritual na forma de uma impressão dos sentidos) e efeitos intelectuais propriamente ditos (transmissão de uma mensagem inteligente pela palavra escrita, oral, por gestos etc.).

Apresentaremos agora um quadro sinótico com os principais tipos de fenômenos mediúnicos, associados às diversas modalidades mediúnicas. Trata-se de uma adaptação do que foi elaborado por Jayme Cerviño em seu livro Além do Inconsciente, reunindo apenas as modalidades mais importantes. Nesse interessante e original livro, o autor infere, a partir de estudos clássicos da psicologia experimental e da neurofisiologia, bem como de investigações sobre os fenômenos espíritas, quais regiões do encéfalo estariam associadas às diferentes categorias de fenômenos espíritas.7

a) - EFEITOS INTELECTUAIS (mediunidades de expressão cortical)
a.1) Efeitos estritamente intelectuais (córtex frontal)
a.1.1) intuição, psicografia, psicofonia, psicopraxia.
a.2) Efeitos sensoriais (córtex extrafrontal)
a.2.1) vidência, audiência, sensitividade.

b) - EFEITOS FÍSICOS (mediunidades de expressão subcortical)
b.1) Telergia
b.1.1) sons, luzes, movimentos, curas.
b.2) Teleplastia
b.2.1) materializações
b.3) Somatização
b.3.1) transfiguração
b.3.2) estigmatização

6. O exercício da mediunidade 

Na seção 2 deste trabalho vimos que se deve fazer uma distinção clara entre a mediunidade, enquanto faculdade, e o seu uso ou exercício. Se a faculdade em si é neutra, o mesmo não vale para o seu uso, que pode ser bom ou mau, dependendo da condição moral do médium.

Na Introdução de O Livro dos Médiuns Kardec destaca entre os objetivos da obra a orientação para que a mediunidade seja empregada de modo útil. Um requisito essencial para isso é a compreensão de sua natureza e mecanismos, no que o Espiritismo tem contribuído de forma decisiva. Respeitando a liberdade humana, ele não poderia prescrever normas de conduta para os médiuns de maneira cega, impositiva, sem um esclarecimento racional da sua necessidade. É facil constatar a justeza da afirmação de Kardec, nessa mesma Introdução, de que “as dificuldades e os desenganos com que muitos topam na prática do Espiritismo se originam na ignorância dos princípios desta ciência”.

A preocupação com a compreensão e o exercício corretos da mediunidade vem sendo partilhada pelos espíritas sérios, que se conscientizaram da necessidade do crescimento espiritual do médium para que sua faculdade seja bem empregada. Muitos dos grandes autores espíritas dos dois planos da vida nos têm legado estudos e lições preciosas sobre a mediunidade e seu objetivo. Procuraremos, no que se vai seguir, compilar alguns desses ensinamentos.

Comecemos, no entanto, com O Livro dos Médiuns, em cujo parágrafo 226 Kardec pergunta aos Espíritos (nº 3):

Os médiuns que fazem mau uso de suas faculdades, que não se servem delas para o bem, ou que não as aproveitam para se instruírem, sofrerão as conseqüências dessa falta?

“Se delas fizerem mau uso, serão punidos duplamente, porque têm um meio a mais de se esclarecerem e não o aproveitam. Aquele que vê claro e tropeça é mais censurável do que o cego que cai no fosso.”

A questão da responsabilidade moral do uso da mediunidade é semelhante à das demais faculdades do homem. Aquele que emprega mal a inteligência, a palavra, os dotes artísticos ou a força física arcará com as conseqüências desse emprego, devendo expiar e reparar as faltas cometidas. No caso da mediunidade há um agravante, conforme se salienta na resposta dada, pois ela é poderoso recurso iluminativo.

É por meio da mediunidade que nos certificamos de nossa natureza imortal, fato de suma importância, em torno do qual gira todo o Espiritismo e sua doutrina moral. É ela que nos desvenda a vida futura, possibilitando-nos conhecer de modo abrangente os efeitos de nossas ações. Ajuizaremos então com mais acerto sobre o que nos convém ou não fazer, com vistas à nossa felicidade integral.

Para nós, os encarnados, a mediunidade constitui advertência contra o equívoco de tudo considerarmos do ponto de vista de nossos interesses materiais e imediatos, incentivando-nos a lutar contra o egoísmo, o embrutecimento dos prazeres, a estagnação do conhecimento.

Para os desencarnados sofredores, revoltados ou aturdidos, representa muitas vezes via preferencial de despertamento, possibilitando-lhes retomar o progresso espiritual. A maioria das instituições espíritas em nosso país hoje em dia centraliza sua atuação mediúnica precisamente nessa tarefa, tão louvável pelos benefícios que espalha, mas também tão delicada em sua condução, exigindo muito preparo da equipe, quer no que concerne ao conhecimento doutrinário e à disciplina, quer quanto ao espírito fraterno e à devoção incondicional ao bem do próximo.

A esse respeito adverte Emmanuel no capítulo “Examinando a mediunidade” do livro Encontro Marcado:

O exercício da mediunidade nas tarefas espíritas exige larga disciplina mental, moral e física, assim como grande equilíbrio das emoções.

Na obra Educação e Vivência, lição “Mediunidade e problemas”, o Espírito Camilo tece as seguintes considerações, ainda dentro desse tópico:

Tristemente, porém, muitas dessas criaturas que se sabem ou se imaginam médiuns não são bafejadas pelos recursos de amadurecido estudo, a fim de que compreendam o que é que se passa nesse vasto território dos fenômenos psíquicos. Seria de esperar que os indivíduos que se embrenham pelos bosques das percepções mediúnicas fossem caindo em si, aprendendo que todos terão que dar conta desses talentos formidáveis que lhes são concedidos, nas experiências terrenas, na condição de empréstimo, proporcionando liberdade e ventura íntimas, logrando evadir-se dos tormentosos episódios do pretérito culposo ou negligente.

E em Cintilação das Estrelas (capítulo 32) esse lúcido Espírito prossegue no assunto: Em mediunidade é importante que o médium se aplique em melhorar-se a si próprio, ampliando as percepções, iluminando-se a cada hora, nas lutas que deve enfrentar, na pauta do cotidiano. O desenvolvimento da mediunidade marcha ladeando o desenvolvimento do médium. Quanto melhor o indivíduo, maior a sua fulgência mediúnica no bem. Aprimore-se o homem para que se lhe ampliem as posições de sensibilidade mediúnica.

Têm-se infelizmente observado muitos agrupamentos mediúnicos descuidados quanto às superiores finalidades da mediunidade, bem como quanto às diretrizes doutrinárias que devem guiar sua prática. Não raro desenvolvem suas atividades de forma ritualística, tratando os médiuns como simples máquinas de comunicação. No momento do intercâmbio, os trabalhadores assumem posturas formais, como que denotando concentração e devoção ao bem, mas que nem sempre se fazem acompanhar das atitudes íntimas correspondentes.
Manoel Philomeno de Miranda comentou esse tópico no capítulo intitulado “Mediunidade e viciação”, do livro Sementeira da Fraternidade (p. 123):

O médium é filtro por cuja mente transitam as notícias da vida além-da-vida. 
Nesse sentido, consideramos a concentração mental de modo diverso dos que a comparam a interruptor de fácil manejo que, acionado, oferece passagem à energia comunicante, sem mais cuidados... A concentração, por isso mesmo, deve ser um estado habitual da mente em Cristo, e não uma situação passageira junto ao Cristo.

Já analisamos na seção 3 a situação na qual o aparecimento da faculdade mediúnica se dá juntamente com desequilíbrios físico-espirituais variados, destacando o erro dos que consideram tais distúrbios como uma conseqüência da mediunidade em si. Em Educação e Vivência (p. 111), Camilo enfoca outro ângulo dessa questão:

A decantada “mediunidade de provas” não passa de episódio no qual alguém em provas e sérias expiações recebeu da Divina Misericórdia as excelências da sensibilidade mediúnica, através de cujas portas será chamado ou convocado à assunção de responsabilidades, bem como ao cumprimento dos deveres para com Deus, através do próximo.

Dessa forma a mediunidade, mesmo quando se apresente assinalada por impertinentes padecimentos dos médiuns, representa para eles a mão da Celeste Providência evitando dores maiores e tormentos mais acerbos.

A origem do nosso sofrimento, da nossa aflição, não reside na mediunidade, mas na bagagem de desacertos que ainda trazemos, acumulada nesta e em vidas pregressas. É por isso que nossos recursos mediúnicos, neutros em si mesmos, amiúde ainda se ligam aos mundos de sombra. Mal empregada, a mediunidade significará cultivo da ignorância, a disseminação da dúvida e da mentira, o insuflamento do egoísmo e do orgulho, da vaidade e do personalismo, o verbo e o texto degradantes, a manipulação de forças mentais deletérias, a porta aberta às obsessões.

No capítulo 39 do livro Sementeira da Fraternidade, Vianna de Carvalho descreve a mediunidade como “canal cósmico por onde transitam seguras as consolações e esperanças para o atribulado espírito humano„ (p. 179), destacando outro aspecto da mediunidade: o consolo que prodigaliza ao homem em sua vida de incertezas e de dores. Que de mais belo existe do que saber que o abismo que se imagina existir entre nós e os entes queridos que já partiram não é intransponível; que os sofrimentos que não conseguimos evitar têm causas justas ligadas ao nosso passado!...

Dádiva com que a misericórdia divina nos favorece, informando-nos de nossa natureza de seres imortais, a mediunidade bem empregada reveste as formas de esclarecimento acerca da vida além-túmulo, de consolo para os que perderam a esperança, de advertência salvadora para os equivocados, de amparo para os que cambaleiam, de recursos terapêuticos para os que enfermaram, de despertamento para os sofredores e os trânsfugas do dever que já cruzaram a aduana da morte. Daí a necessidade de desenvolvermos esse abençoado talento, nos trabalhos da caridade, nos exercícios constantes de benevolências para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, de perdão das ofensas, conforme a questão 886 de O Livro dos Espíritos.

Reconheçamos, acima de tudo, que mais importante do que sermos bons médiums, o que toca à faculdade, é sermos médiums bons, a serviço de Jesus. Æ
__________
1 - 1859, p. 33; L'Obsession, p. 87. Ver também O Livro dos Médiums, parágrafo 159.
2 - Nesta e demais citações de O Livro dos Médiums e de Obras Póstumas utilizamos os textos originais, aproveitando em grande parte as traduções publicadas pela Federação Espírita Brasileira.
3 - Vocabulário Espírita, item 'Médium'. Ver também O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 24, § 12.
4 - Outras referências sobre a origem orgânica da mediunidade podem ser encontradas por exemplo, em O Livro dos Espíritos, Introdução, item 4; O Livro dos Médiums, parágrafo
174; Revue Spirite, 1859, "Écueils des médiums" (p.33; L'Obsession, p.88); Estudos Espíritas, de Joana de Ângelis, capítulo "Mediunidade".
5 - Todos os destaques são nossos. Ver também, sobre esse ponto, André Luiz, Nos
Domínios da Mediunidade, cap. 1, pp. 18-9, e Yvonne Pereira, Devassando o Invisível, cap. 10, p. 216.

6 - Esse é um ponto que merece reflexão, em vista da ampla divulgação em nossos dias da chamada "transcomunicação instrumental" (TCI). Em artigos anteriores (Chibeni 1984, 1988 e 1994) analisamos, à luz da moderna filosofia da ciência, a questão da cientificidade do Espiritismo e de sistemas alternativos, procurando mostrar que, do mesmo modo como entendia Kardec, o Espiritismo é uma disciplina genuinamente científica, enquanto que esses sistemas não. Contrariamente ao que em geral assumem os proponentes da TCI, o mero emprego de aparelhos não assegura a cientificidade de nenhuma disciplina; eles só são usados nas ciências ordinárias porque o seu objeto de estudo - a matéria - presta-se à análise quantitativa, e muitos de seus aspectos só podem ser observados com aparelhos. Já o objeto de estudo do Espiritismo - o elemento espiritual - não é passivel de análise quantitativa, como tão apropriadamente fez notar Kardec em várias de suas obras.

7 - Note-se que, como toda classificação, esta não é absoluta, pois o estabelecimento de fronteiras nítidas entre diferentes modalidades mediúnicas não é possível. Lembremos ainda que o encéfalo é a parte do sistema nervoso contida na caixa craniana; o córtex cerebral corresponde à parte mais externa desse órgão, e coordena a inteligência, os sentidos, os reflexos condicionados ou adquiridos; o subcórtex, que inclui vários órgãos da base do encéfalo - tálamo, hipotálamo, cerebelo - é a sede dos reflexos incondicionados ou inatos: instintos, atividades fisiológicas, emoções.

Fonte; Reformador AGOSTO, 1997 ANO 115 Nº 2.021

Referências bibliográficas

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— Evolução em Dois Mundos. (Médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.) 1ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1959. CAMILO. Cintilação das Estrelas. (Médium José Raul Teixeira.) Niterói, Fráter, 1992.
— Educação e Vivência. (Médium José Raul Teixeira.) Niterói, Fráter, 1993. CERVIÑO, J. Além do Inconsciente. 2ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1968. CHIBENI, S. S. “Espiritismo e ciência”, Reformador, maio de 1984, pp. 144 -47 e 157-59.
— “A excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, pp. 328-333, e dezembro de 1988, pp. 373-378.
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— Encontro Marcado. (Médium Francisco Cândido Xavier.) 6ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira. JOANNA DE ÂNGELIS, Estudos Espíritas. (Médium Divaldo P. Franco.) 2ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1982.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985).
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— L'Évangile selon le Spiritisme. (Reprodução fotográfica da 3ª edição francesa.) 1ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1979.
— Oeuvres Posthumes. Paris, Dervy-Livres, 1978. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
— L'Obsession. (Extratos da Revue Spirite.) Farciennes, Éditions de L'Union Spirite, 1950. PEREIRA, Y. A. Devassando o Invisível. 4ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1963. PHILOMENO DE MIRANDA, Manoel. “Mediunidade e viciação”, in: Sementeira da Fraternidade. (Ditado por Espíritos diversos a Divaldo Pereira Franco.) 3ª ed., Salvador, Livraria Espírita Alvorada Editora, 1979. Capítulo 25, pp. 121-24.
VIANNA DE CARVALHO. “Hipnose e mediunidade”, in: Sementeira da Fraternidade. (Ditado por Espíritos diversos a Divaldo Pereira Franco.) 3ª ed., Salvador, Livraria Espípita Alvorada Editora, 1979. Capítulo 39, pp. 177-81.