Por Enrique Eliseo Baldovino
Homenagem ao Sesquicentenário de
O Evangelho Segundo o Espiritismo,
de
Allan Kardec
Relendo
o penúltimo artigo (8º) das páginas históricas da Revista Espírita de dezembro
de 1864 (RE dez. 1864–VIII: Comunicação espírita – A propósito da Imitação do
Evangelho [Bordéus, maio de 1864; Grupo de Saint-Jean – Médium: Sr. Rul.],
páginas 395-397),(1) encontramos uma notável instrução ditada pelo Espírito de
Verdade, que comentaremos a seguir, com letra cursiva e menor, transcrevendo a
mensagem original e intercalando as nossas considerações, junto das lúcidas
observações de Allan Kardec.
Comunicação
Espírita
A
PROPÓSITO DA IMITAÇÃO DO EVANGELHO
(Bordéus,
maio de 1864; Grupo de S. João – Médium: Sr. Rul.)
“Um
novo livro acaba de aparecer. É uma luz mais brilhante que vem clarear a vossa
marcha. Há dezoito séculos vim, por ordem de meu Pai, trazer a palavra de Deus
aos homens de boa vontade. Essa palavra foi esquecida pela maioria, e a
incredulidade, o materialismo vieram abafar o bom grão que eu tinha depositado
em vossa Terra. Hoje, por ordem do Eterno, os bons Espíritos, seus mensageiros,
vêm a todos os pontos da Terra fazer ouvir a trombeta retumbante. Escutai suas
vozes; elas são destinadas a mostrar-vos o caminho que conduz aos pés do Pai
celeste. Sede dóceis aos seus ensinamentos; os tempos preditos são chegados;
todas as profecias serão cumpridas.
O
contexto histórico desta profunda comunicação é o mês de maio de 1864, poucos
dias depois do notável aparecimento do livro Imitation de L’Évangile selon le
Spiritisme, de Allan Kardec, lançado em Paris em abril de 1864 (1ª edição),(2)
cujas merecidas comemorações o Movimento Espírita nacional e internacional
estão realizando, por ocasião do Sesquicentenário de O Evangelho segundo o
Espiritismo (a 3ª edição, revista, corrigida e modificada é de 1866).(3) O
Espírito de Verdade usa, de forma clara, uma linguagem eminentemente
evangélica, recordando a passagem de Jesus, na Terra, há 18 séculos – contando
desde a época da Codificação da Doutrina dos Espíritos –, e o próprio Espírito
de Verdade cita, como o faz no Prefácio a L’Évangile selon le Spiritisme, que
“os tempos são chegados”.
“Pelos
frutos se conhece a árvore. Vede quais são os frutos do Espiritismo: casais
onde a discórdia tinha substituído a harmonia voltaram à paz e à felicidade;
homens que sucumbiam ao peso de suas aflições, despertados pelos acordes
melodiosos das vozes de além-túmulo, compreenderam que seguiam por um caminho
errado e, envergonhados de suas fraquezas, arrependeram-se e pediram ao Senhor
a força para suportar suas provações.
O
Espírito de Verdade volta a citar outro formoso ensino do Cristo: “Pelos frutos
se conhece a árvore” (Mateus, 7:15-20). Os frutos opimos e saborosos da
portentosa árvore do Espiritismo são as benesses que Ele espalha pelo mundo,
Doutrina que continua salvando vidas através dos anos, explicando o porquê do
sofrimento, identificando as causas das aflições, ensinando a perdoar, a amar
sem esperar retribuição e norteando mentes e corações para o bem, cujas
conquistas vivenciais devem-se sobremaneira ao elevado esclarecimento e consolo
que a Doutrina Espírita proporciona à Humanidade, no seu aspecto filosófico,
científico e religioso, e com as consequências ético-morais, educacionais,
sociais etc., que decorrem do seu cerne doutrinário.
“Provas
e expiações, eis a condição do homem na Terra. Expiação do passado, provas para
fortalecê-lo contra a tentação; para desenvolver o Espírito pela atividade da
luta; para habituá-lo a dominar a matéria e prepará-lo para os prazeres puros
que o esperam no mundo dos Espíritos.
“Há
muitas moradas na casa de meu Pai, disse-lhes Eu há dezoito séculos. Estas
palavras, o Espiritismo veio torná-las compreensíveis. E vós, meus bem-amados, trabalhadores
que suportais o calor do dia, que credes ter que vos lamentar da injustiça da
sorte, bendizei vossos sofrimentos; agradecei a Deus, que vos dá meios de
resgatar as dívidas do passado; orai, não com os lábios, mas com o coração
melhorado, para vir ocupar melhor lugar na casa de meu Pai, porque os grandes
serão humilhados, mas, como sabeis, os pequenos e os humildes serão exaltados.”
Espírito de Verdade
Claramente,
o próprio Espírito de Verdade se identifica de novo como sendo Jesus, ao citar
mais um ensinamento evangélico (“Há muitas moradas na casa de meu Pai” [João,
14:2]), e asseverando sem rodeios: «disse-lhes Eu há dezoito séculos” (grifos
nossos). No livro Missionários da Luz, ditado pelo Espírito André Luiz, através
do médium Chico Xavier, o elevado Instrutor Alexandre, falando no Mundo
Espiritual ante uma assembleia, acerca dos temas Mediunidade e fenômeno,
expressou com profunda inspiração:
“(…)
– Mediunidade – prosseguiu ele, arrebatando-nos os corações – constitui “meio
de comunicação”, e o próprio Jesus nos afirma: “Eu sou a porta… se alguém
entrar por mim será salvo e entrará, sairá e achará pastagens”! Por que audácia
incompreensível imaginais a realização sublime sem vos afeiçoardes ao Espírito
de Verdade, que é o próprio Senhor?(4) Ouvi-me, irmãos meus!… Se vos dispondes
ao serviço divino, não há outro caminho senão Ele, que detém a infinita luz da
verdade e a fonte inesgotável da vida! Não existe outra porta para a
mediunidade celeste, para o acesso ao equilíbrio divino que anelais no
recôndito santuário do coração! Somente através d’Ele, vivendo-lhe as sublimes
lições, alcançareis a sagrada liberdade de entrar nos domínios da
Espiritualidade e deles sair, conquistando o pão eterno que vos saciará a fome
para sempre. Sem o Cristo, a mediunidade é simples “meio de comunicação” e nada
mais, mera possibilidade de informação, como tantas outras, da qual poderão
assenhorear-se também os interessados em perturbações, multiplicando presas
infelizes. Lembrai-vos, contudo, de que a lei divina jamais endossou o
cativeiro e nunca sancionou a escravidão! Esquecestes a palavra divina que
pronunciou: “vós sois deuses”? (…) (Grifos nossos)
Observação
de Allan Kardec
Agora
é o próprio Codificador do Espiritismo quem comenta a comunicação do Espírito
de Verdade na referida Revue Spirite, tecendo sensatas considerações em forma
de Nota final, que também transcrevemos a seguir. Seus comentários magistrais
fazem jus à notável frase-síntese que descreve o seu bom senso, frase muito
conhecida em nosso meio: Jesus, a porta. Kardec, a chave.(5)
“Sabe-se
que assumimos menos responsabilidade pelos nomes quando pertencem a seres mais
elevados. Não garantimos mais essas assinaturas do que muitas outras,
limitando-nos a entregar tal comunicação à apreciação de cada espírita
esclarecido. Contudo, diremos que não é possível desconhecer nela a elevação do
pensamento, a nobreza e a simplicidade das expressões, a sobriedade da
linguagem, a ausência de superfluidade. Se ela for comparada com as que foram
inseridas na Imitação do Evangelho (Prefácio e cap. III: O Cristo Consolador),
e que levam a mesma assinatura, posto obtidas por médiuns diferentes e em
épocas diversas, nota-se entre elas uma analogia marcante de tom, de estilo e
de pensamentos, que acusa uma origem única. De nossa parte, dizemos que pode
ser do Espírito de Verdade, porque é digna dEle, ao passo que temos visto
muitas assinadas por este nome venerado ou o de Jesus, cuja prolixidade,
verbiagem, vulgaridade, por vezes mesmo a trivialidade das ideias, traem a
origem apócrifa aos olhos dos menos clarividentes. Só uma fascinação completa
pode explicar a cegueira dos que se deixam apanhar, se não também o orgulho de
julgar-se infalível e intérprete privilegiado dos puros Espíritos, orgulho
sempre punido, mais cedo ou mais tarde, pelas decepções, pelas mistificações
ridículas e por desgraças reais nesta vida. À vista desses nomes venerados, o
primeiro sentimento do médium modesto é o de dúvida, porque ele não se julga
digno de tal favor.”
A
prudência, a humildade e a sabedoria de Allan Kardec são realmente proverbiais.
O Codificador compara esta comunicação da Revista Espírita às elevadíssimas
mensagens do Espírito de Verdade que constam no citado Prefácio de Imitation de
L’Évangile e no capítulo: Le Christ Consolateur, sendo que estas instruções são
dignas da autoria do nome venerado de Jesus. Mas Kardec, na sua grande
humildade, prefere “entregar tal comunicação à apreciação de cada espírita
esclarecido”.
Jesus
e o Espírito de Verdade
A
mesma e clara identificação do Espírito de Verdade com o Cristo encontra-se
também no cap. XXXI de O Livro dos Médiuns,(6) na dissertação IX, que possui
uma oportuna e explicativa Nota de Kardec, após a profunda mensagem assinada
por Jesus de Nazaré:
“(…)
Venho, como outrora, aos filhos transviados de Israel; venho trazer a verdade e
dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como outrora a minha palavra,
tem que lembrar aos materialistas que acima deles reina a imutável verdade: o
Deus bom, o Deus grande, que faz germinar a planta e que levanta as ondas.
Revelei a Doutrina Divina; como o ceifeiro, atei em feixes o bem esparso na
Humanidade e disse: Vinde a mim, vós todos que sofreis! (…) Espíritas!
amai-vos, eis o primeiro ensino: instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades
se encontram no Cristianismo; são de origem humana os erros que nele se
enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgais o nada, vos clamam vozes:
Irmãos! nada perece; Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da
impiedade”.
A
mesma mensagem, com poucas variações, encontra-se em O Evangelho segundo o
Espiritismo,(7) agora assinada pelo Espírito de Verdade (Paris, 1860).
O
Consolador prometido
Por
tudo isso, o lúcido Codificador cita no cap. VI: O Cristo Consolador, a promessa
do Consolador prometido, feita outrora por Jesus e registrada no Evangelho de
João, 14:15 a 17 e 26:
“Se
me amais, guardai os meus mandamentos; e Eu rogarei a meu Pai e Ele vos enviará
outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: O Espírito de
Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não
conhece. Mas quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em
vós. Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que o Pai enviará em meu
nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho
dito”.(8)
A
Doutrina Espírita é Jesus de volta
O
Espiritismo é, de forma incontestável, o Cristianismo redivivo, porque nos
ensina a colocar em prática o Evangelho de Jesus, isto é, a imitá-lO (Imitation
de L’Évangile), a emular o Cristo, ora revivido pelos elevados ensinos da
Doutrina Espírita, que restaura a Sua palavra e os Seus exemplos, sendo que O
Evangelho segundo o Espiritismo contém a explicação das máximas morais do
Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação às diversas
circunstâncias da vida. A epígrafe do Codificador Allan Kardec é muito
profunda, racional e belíssima, em todos os sentidos: “Fé inabalável só o é a
que pode encarar frente a frente à razão, em todas as épocas da Humanidade”.
Em
boa hora saiu a lume a edição histórica de O Evangelho segundo o
Espiritismo,(9) em comemoração aos 150 anos do lançamento dessa extraordinária
Obra, com o selo da Editora FEB – Federação Espírita Brasileira, em parceria
com as 27 Federativas Espíritas Estaduais, em cujo número encontra-se a nossa
centenária FEP – Federação Espírita do Paraná.
É
tanta a importância desse Livro, pela sua considerável influência sobre a vida
prática das nações (que extraíram, extraem e extrairão dele instruções
excelentes), que, durante a codificação de Imitation de L’Évangile selon le
Spiritisme, Allan Kardec teve que se recolher à sua residência da Ville Ségur,
conforme narra Obras Póstumas, sob o título: Imitação do Evangelho (Ségur, 9 de
agosto de 1863; médium: Sr. d’A…).(10)Durante a confecção desta Obra, os
Espíritos Superiores disseram a Kardec: “(…) Conta conosco e conta sobretudo
com a grande alma do Mestre de todos nós, que te protege de modo muito
particular. (…) Nossa ação, principalmente a do Espírito de Verdade, é
constante ao teu derredor e tal que não a podes negar. (…)”
O
Evangelho segundo o Espiritismo: o Livro da Esperança
No
primeiro centenário (1964) do lançamento de L’Évangile selon le Spiritisme, o
Espírito Emmanuel, pela psicografia do médium Francisco Cândido Xavier,
escreveu, à época, um Prólogo comemorativo aos 100 anos da publicação de “O
Evangelho segundo o Espiritismo”, e intitulou esse proêmio duma forma
comovedora: Livro da Esperança, o que deu também o nome ao mesmo livro.
Esse
preâmbulo foi ditado por Emmanuel em Uberaba-MG, em 18 de abril de 1964, o qual
registrou o seguinte no seu parágrafo final:
“É
por isso, leitor amigo, que em nos associando aos teus anseios de sublimação,
que se nos irmanam na mesma trilha de necessidade e confiança, diante do
Primeiro Centenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, nós te rogamos
permissão para nomear este livro despretensioso de servidor reconhecido, como
sendo Livro da Esperança”.(11)
Obrigado,
Senhor!
Finalmente,
repitamos com Emmanuel,(12) parafraseando o exórdio do citado Livro da
Esperança, mas agora referindo-nos às merecidas comemorações do
Sesquicentenário de Luz de L’Évangile selon le Spiritisme, com profunda
gratidão ao Cristo:
“Oh!
Jesus! No luminoso centenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em vão
tentamos articular, diante de Ti, a nossa gratidão jubilosa!… Permite, pois,
agradeçamos em prece a Tua abnegação tutelar e, enlevados ante o Livro Sublime,
que Te revive a presença entre nós, deixa que Te possamos repetir, humildes e
reverentes: Obrigado, Senhor!…”
Referências bibliográficas:
(1) KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal
de Estudos Psicológicos. Tradução de Júlio Abreu Filho. Dezembro de 1864, pp.
395-397. EDICEL.
(2) ________. Imitation de L’Évangile selon
le Spiritisme. 1re édition, com XXXVI-443 páginas. Paris, les éditeurs du Livre
des Esprits (35, Quai des Augustins); Ledoyen, Dentu, Fréd. Henri, libraires,
au Palais-Royal, et au bureau de la Revue Spirite. Imprimerie de P.-A. Bourdier
et Cie (Paris, 30, rue Mazarine). Abril de 1864.
(3) ________. L’Évangile selon le Spiritisme.
3e édition, com XXXV-444 páginas. Paris, les éditeurs du Livre des Esprits;
Dentu, Fréd. Henri, libraires, au Palais-Royal, et au bureau de la Revue
Spirite, 59, rue et passage Sainte-Anne. Imprimerie de P.-A. Bourdier et Cie
(Paris, 6, rue des Poitevins). 1866.
(4) XAVIER, Francisco Cândido. Missionários
da Luz. Ditado pelo Espírito André Luiz. 13ª edição. Capítulo 9 (Mediunidade e
fenômeno), p. 99. FEB, 1980.
(5) XAVIER, Francisco C. VIEIRA, Waldo.
Opinião Espírita. Ditado pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 4ª edição. Cap.
2: O Mestre e o Apóstolo, p. 25. Uberaba-MG. Comunhão Espírita Cristã: CEC,
1973.
(6) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns.
Tradução de Guillon Ribeiro. Cap. XXXI: Dissertações espíritas, número IX, com
Nota de Kardec. 62ª edição, pp. 458-460. FEB, 1996.
(7) ________. O Evangelho segundo o
Espiritismo. Capítulo VI: O Cristo Consolador, item 5 (Instruções dos Espíritos
– Advento do Espírito de Verdade). Mensagem ditada pelo Espírito de Verdade em
Paris, 1860, pp. 107-108. Edição histórica. FEB, 2013.
(8) ________. _____. Cap. VI: O Cristo
Consolador, item 3 (Consolador prometido), pp. 105-106. Edição histórica. FEB,
2013.
(9) ________. _____. Edição histórica (200
mil exemplares), em comemoração aos 150 anos do lançamento de L’Évangile selon
le Spiritisme. Tradução de Guillon Ribeiro. Com 410 páginas. Editora FEB, em
parceria com as 27 Federações Espíritas Estaduais, 2013.
(10) ________. Obras Póstumas. Tradução de
Guillon Ribeiro. Ségur, 9 de agosto de 1863 (Médium: Sr. d’A…) Imitação do
Evangelho. 22ª edição, pp. 307-310. FEB, 1987.
(11) XAVIER, Francisco Cândido. Livro da
Esperança. Ditado pelo Espírito Emmanuel. 1ª edição. Prólogo: Livro da
Esperança, p. 12. CEC, 1964.
(12) ________. _____. Pelo Espírito Emmanuel.
1ª edição. Obrigado, Senhor! Página 14. CEC, 1964.Fonte; MUNDO ESPÍRITA FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ
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