sábado, 1 de agosto de 2015

A SALVAÇÃO SEGUNDO O ESPIRITISMO


Apesar do conceito de “Filosofia” ser um dos mais controversos da história do pensamento, uma das definições que reputamos seja uma das mais úteis e felizes é aquela dada pelo filósofo francês Luc Ferry, para quem a filosofia seria a busca de caminhos para vencer nossas angústias e medos relacionados à vida e à morte, utilizando para isso as nossas próprias forças e a razão1.

Ao seguirmos essa linha, estudando o Espiritismo através do prisma filosófico da salvação, vemos que os aspectos passíveis de serem explorados são números. Neste artigo, porém, ficaremos adstritos a apenas um deles, embora, em nosso entender, o principal. Isto porque, quando se trata de falar de salvação segundo a Doutrina Espírita, a mais importante ideia relacionada ao tema é aquela sintetizada por Allan Kardec na frase: “fora da caridade não há salvação”2. Vamos, então, tentar brevemente entender, interpretar e contextualizar um pouco desta afirmativa do Codificador.

O estudo sistemático do Espiritismo nos leva a compreender que a verdadeira caridade nos impele a praticá-la em suas três formas: benevolência,
indulgência e perdão3. A explicação da abrangência deste conceito, em seu tríplice modo de se manifestar, não será objeto deste artigo, dada a profundidade das sequências que cada um desses aspectos tem nas nossas vidas. Por agora, o que cabe ressaltar é que a prática da caridade não se restringe a servir ao próximo (benevolência), pois em pé de igualdade com ela também se encontram duas outras virtudes: a indulgência e o perdão4.

Partindo-se desta premissa, qual seria considerada a melhor e mais proveitosa caridade a ser feita, para nós e para o próximo? Seria participar da preparação de um “sopão” para os que passam fome? A visita a asilos de idosos ou a orfanatos? A doação de tempo e/ou dinheiro para instituições beneficentes? O auxílio e a visita a doentes? A divulgação da Doutrina Espírita e do bem de uma maneira geral? Compreender e tolerar as imperfeições e limitações do próximo? Perdoar aqueles que nos fizeram o mal? Não importa! Isto porque o fundamental, segundo a filosofia espírita, não é o gesto em si, porém os sentimentos e o (des) interesse que nos impelem a faz ê-lo. É claro que aqueles de nós que já conseguem se doar ao próximo com dedicação e carinho, esmo que não tenham sequer refletido a respeito da razão pela qual fazem isto – se por interesse pessoal ou não –, e assim aprendem a ser felizes, já deram um significativo salto evolutivo, de maneira que agir deste modo será sempre melhor do que não fazer nada ou do que fazer o mal. Isso não nos impede, contudo, de tentar ir um pouco mais além e de buscar entender a essência da caridade ensinada pela doutrina espírita.

Lembremos que a definição do nosso bem estar no plano espiritual não depende da quantidade de gestos bons que fizemos quando encarnados, mas sim da qualidade dos fluidos que envolvem e formam nosso perispírito. Por sua vez, este é determinado pela nossa evolução moral, que não é, segundo a Ciência Espírita, determinada por nossos gestos exteriores, mas sim pela verdadeira vivência das virtudes no nosso íntimo. Vejamos algumas passagens da obra “A Gênese” que bem ilustram isto:

A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do Espírito. (...).



Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio. (...).
(...). Ora, do mesmo modo que os peixes não podem viver no ar; que os animais terrestres não podem viver numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões, os Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos fluidos mais etéreos. Não morreriam no meio desses fluidos, porque o Espírito não morre, mas uma força instintiva  os mantêm afastados dali, como a criatura terrena se afasta de um fogo muito ardente ou de uma luz muito deslumbrante. Eis aí por que não podem sair do meio que lhes é apropriado à natureza; para
mudarem de meio, precisam antes mudar de natureza, despojar-se dos instintos materiais que os retêm nos meios materiais; numa palavra, que se depurem e moralmente se transformem.5

Portanto, o “céu”, ou seja, a salvação, para aqueles que bem compreendem o Espiritismo, é um estado da alma, como bem ensinaram Kardec e os espíritos em diversas passagens da codificação, dentre elas a seguinte:

“A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto outro,  unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima
impressão. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. (...). Nessa imensidade ilimitada, onde está o Céu? Em toda parte. Nenhum contorno lhe traça limites.”6

A mesma coisa disse Jesus no Evangelho de Lucas:

“Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está dentro de vós.”7

A parábola denominada de “O Óbolo da Viúva”, contada por Jesus, também ilustra esta ideia. Ali se narra que:

Estando Jesus sentado defronte do gazofilácio, a observar de que modo o povo lançava ali o dinheiro, viu que muitas pessoas ricas o deitavam em abundância. – Nisso, veio também uma pobre viúva que apenas deitou duas pequenas moedas do valor de dez centavos cada uma. – Chamando então seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu muito mais do que todos os que antes puseram suas dádivas no gazofilácio; – que todos os outros deram do que lhes abunda, ao passo que ela deu do que lhe faz falta, deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento.8

Por que a viúva, que pouco deu comparado às pessoas ricas, tinha mais mérito? Porque o sentimento que a movia para ajudar era sincero e verdadeiro, capaz de sacrificar até mesmo suas próprias necessidades e interesses. Portanto, pouco importa, ao final, que a quantidade doada seja grande, se o sentimento por trás do gesto é pequeno.

Aliás, vivêssemos nós sujeitos a uma “contabilidade moral” – precisa, atemática e absoluta
–, como explicaríamos a salvação de Paulo de Tarso, um exemplo de vida em que se pode ver o salto de um Espírito ainda cheio de más paixões para se transformar em Espírito bom em uma mesma encarnação9? Fosse implacável a lógica ensinada por Jesus em advertência a Pedro10, Paulo ainda teria tido de reencarnar inúmeras vezes a fim de expiar todas as injustiças e mortes pelas quais foi responsável em relação ao cristianismo e seus adeptos. Contudo, muito mais importante do que a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente) é o princípio segundo o qual “o amor cobre a multidão de pecados”. Foi justamente o que Paulo entendeu e viveu.

Nós, porém, muitas vezes entendemos estes conceitos equivocadamente, achando – e, pior, divulgando – que todo mal que sofremos é consequência de um erro que cometemos no passado, ou que todo mal/erro que praticarmos hoje terá que ser necessariamente sofrido de volta no futuro. E não percebemos que esta ideia nos joga dentro de uma lógica perversa e insolúvel, que só poderia ser legitimada por um Deus sádico e malvado.

Aliás, a parábola dos “Trabalhadores da Última Hora” também nos ensina muito a este respeito. Dentre as várias lições que podem ser extraídas desta passagem, uma delas, que por agora vai nos interessar, diz respeito ao fato de que para ser “salvo” não é preciso “trabalhar” no bem a mesma e precisa quantidade daqueles que começaram primeiro, mas sim integrar-se ao trabalho com o mesmo amor e piedade11.

Sobre o assunto também é importante lembrar a questão 919 de O Livro dos Espíritos, que trata do autoconhecimento. Ali, Santo Agostinho pede que nos perguntemos, ao nos questionarmos sobre nossa conduta diária, se teríamos vergonha de nós mesmos, caso fossemos chamados de volta ao mundo dos espíritos, “onde nada pode ser ocultado, notadamente nossos pensamentos”.

A provocação feita por Santo Agostinho é bastante válida e nos faz lembrar uma alegoria contada por Platão no livro “A República”. Nela um pastor, chamado Giges, encontra por acaso um anel que lhe dá poderes para ficar invisível às outras pessoas. Aproveitando-se desta sua nova e inesperada faculdade, Giges muda seu caráter e passa a praticar uma série de más ações: mata o rei, seduz a rainha e assume o poder12. E então, como será que nos comportaríamos se encontrássemos o anel de Giges, de Platão, e nos tornássemos invisíveis? Será que continuaríamos nos preocupando com nossa conduta ética? Será que resistiríamos à tentação e aos prazeres do mal se soubéssemos que nossos atos não seriam testemunhados pelos olhos dos outros?

Outra alegoria interessante pode ser extraída de uma conhecida obra de ficção. No filme “Drácula”, dirigido por Francis Ford Coppola, são exibidas diversas passagens em que o vampiro conversava de um modo educado e cavalheiresco com as pessoas, porém sua sombra, que seprojetava atrás da cena, movia-se de modo independente, denunciando e refletindo assim o seu real pensamento e vontade.

Pois bem. Deixando de lado o fantasioso destas alegorias, poderíamos comparar nossas faculdades, na erraticidade, às de Giges quando usa o anel, e nosso perispírito à “sombra do Drácula”, pois nosso Espírito ali, além de invisível a muitos, não possuirá mais a máscara do corpo físico, que possibilita a contenção dos nossos pensamentos dentro de limites bem mais estreitos, o
que nos permite assim ser até mesmo hipócrita diante do outro, sem que queles que convivem conosco necessariamente percebam essa falsidade de sentimentos. Tal como Kardec nos ensinou:

“Criando imagens fluídicas, o  pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a ideia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico;
que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo.”13

Assim, por maior que seja a quantidade de tempo que tenhamos dedicado em nossa encarnação praticando a beneficência, se não tivermos melhorado ossos sentimentos e promovido verdadeiramente nossa moralização íntima, domando assim nossas paixões, de nada esse bem exterior terá adiantado. Talvez isto penas nos faça sentir mais culpados.

Portanto, a caridade que salva, aquela preconizada por Kardec, não é um gesto, mas um estado de espírito, que deve estar presente em nós permanentemente, pois a qualquer momento poderemos ser chamados a praticá-la – p. ex., numa simples conversa, diante da dificuldade de pessoas que não conhecemos, em horas e lugares inesperados, etc. –, e não apenas em momentos pré- determinados e reservados por nós para fazer o bem, como aqueles em que estamos no grupo espírita. Logo, conclui-se que fora dos verdadeiros sentimentos que nos impelem à caridade, ou seja, fora da vivência legítima e sincera das virtudes em nosso íntimo, é que não há salvação.

Vemos, portanto, que é um equívoco interpretar a prática da caridade segundo um entendimento de “troca”, de uma “contabilidade das boas ações”. Contudo, parece-nos que, apesar da compra e venda de indulgências como meio de garantir um lugar no “céu” ter deixado de existir faz muitos séculos, nós talvez ainda tragamos em nosso subconsciente – o que em boa parte se explica pela reencarnação – a mesma lógica de troca e barganha com Deus, por meio da qual eu obtenho a salvação bastando para isso apenas fazer algum gesto exterior de natureza caritativa. Daí porque ainda hoje muitos de nós continuamos pretendendo “comprar o céu”, não mais com dinheiro, porém acumulando o bem apenas pela prática de tais gestos, sem se importar intimamente em reformar o caráter réprobo que ainda carregamos.

Mas o Espiritismo é muito exigente, pois não basta viver e praticar a beneficência. Essa vivência, além de ser sincera e verdadeira, tem que se assentar no mais puro desinteresse14. E este desinteresse abrange inclusive as consequências que daí possam advir à nossa condição na vida futura. Vejamos o que os Espíritos dizem a este respeito, na questão 897 de O Livro dos Espíritos:

897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem sem visar a qualquer recompensa na Terra, mas esperando que lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha a ser melhor a sua situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso?

“O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com desinteresse.”

a) – Contudo, todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para forrar-se à penosa condição desta vida. Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse objetivo.
Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos esperar coisa melhor do que temos na Terra?

“Não, certamente; mas aquele que faz o bem sem ideia preconcebida, pelo só prazer de ser agradável a Deus e ao seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso, que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais depressa do que seu irmão que, mais positivo, faz
o bem por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.” (894)

b) – Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos? Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a ideia de que nos seja levado em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade  emendarmo-nos, vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos aproximarmos dos Espíritos bons e de nos elevarmos?

“Não, não. Quando dizemos fazer o bem queremos significar ser caridoso. Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual devem todos tender.”
 Importante lembrar, por fim, que essa salvação pela caridade independe de sermos adeptos do Espiritismo, bem como do fato de sermos frequentadores ou trabalhadores de qualquer grupo espírita15. De fato, pouco importa quantas vezes alguém foi para o estudo ou quantas aulas ou palestras  ministrou, ou quantos artigos sobre Espiritismo escreveu, se isto não ocasionou uma melhoria verdadeira no íntimo do indivíduo. Porém, parece que às vezes preocupamo-nos mais em “converter” as pessoas ao Espiritismo do que em tentar ser um exemplo de homem de bem.
Preocupamo-nos demasiadamente em salvar o mundo e os outros, quando deveríamos primeiramente trabalhar para nos salvar de nós mesmos, dos  nossos vícios, de nossos defeitos e de nossos apegos aos bens materiais. Façamos isto e já estaremos fazendo muita coisa, por nós, pelos outros e pelo
mundo também.

E apesar de nossa meta ser um dia conseguirmos agir por desinteresse, devemos ter consciência de que não o conseguiremos imediatamente. Então comecemos a agir no bem, ainda que de início isto ocorra por interesse “na nossa salvação”, e aí aos poucos o desinteresse irá ganhando lugar. Isto nos faz recordar mais uma belíssima frase de Kardec que, ao comentar os efeitos do pensamento no homem, lembra que “se o egoísmo o levava a desconhecer as consequências, para outrem, de um pensamento perverso, pessoalmente seu, por esse mesmo egoísmo ele se verá induzido a ter bons pensamentos, para elevar o nível moral da generalidade das criaturas, atentando nas consequências que sobre si mesmo produziria um mau pensamento de outrem16.

Desta forma, se alguém quiser saber se, após a morte, será “salvo”, se terá um “bom lugar” no mundo espiritual, que pergunte a si mesmo: as virtudes, o bem e o amor já fazem parte indissociável do meu ser e do meu íntimo? Estou pronto para expor aos outros – porque, na erraticidade, não terei mesmo como esconder – tudo aquilo que penso, já que, mesmo invisível (espírito) para os encarnados, eu só pensarei nas virtudes, no bem e no amor? Minha vida passou a girar fundamentalmente em torno da caridade desinteressada? Independentemente de onde, como ou a quem fiz o bem, eu o fiz e continuaria a fazer, desinteressadamente, sem esperar nada em troca, mesmo que eu me tornasse invisível e soubesse que ninguém estaria fiscalizando meus atos? Eu já estou habituado em tentar me tornar uma pessoa de bem, independentemente da minha condição financeira ou social? Enfim, se essa pessoa conseguir responder sim a estas perguntas, então não deve se preocupar com sua sorte futura, se conseguirá se salvar ou se irá para “o céu”, pois na verdade ela já estará salva e habitando-o aqui mesmo!

Daniel A. Lima - 10 de Novembro de 2011

Referência;

1 Para uma abordagem ampla do conceito de filosofia enquanto soteriologia, ou seja, enquanto estudo da salvação através da razão,
ver o excelente livro de Luc Ferry, “Aprender a Viver”.
2 Capítulo XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
3 Ver a questão 886 de O Livro dos Espíritos: Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? “Benevolência
4 Para uma análise mais ampla do tema, ver o artigo “Caridade e Amor”, de Silvio Seno Chibeni, em
http://www.geak.com.br/site/upload/midia/pdf/caridade_e_amor_-_silvio_chibeni.pdf
5 As três passagens foram extraídas, respectivamente, dos itens 9, 10 e 11, Cap. XIV, da obra “A Gênese”.
6 O Céu e o Inferno, Primeira Parte, Doutrina, Capítulo III - O Céu, item 06.
7 Lucas 17: 20 e 21.
8 Marcos, 12: 41 a 44; e Lucas, 21: 1 a 4.
9 Para um melhor entendimento da vida de Paulo de Tarso, conferir a obra “Paulo e Estevão”, psicografada por Francisco Cândido
Xavier.
10 “Pedro, embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão.” (Mateus 26: 52)
11 Para uma correta compreensão da palavra “Piedade”, ver o artigo de Terezinha Colle, “Sobre a Palavra Piedade”, em
http://www.geak.com.br/site/upload/midia/pdf/sobre_a_palavra_piedade.pdf
12 A República, Livro II.
13 A Gênese, Cap. XIV, item 15.
14 Ver a questão 893 de O Livro dos Espíritos.
15 982. Será necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas para termos assegurada a nossa sorte
na vida futura?
“Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não crêem, ou que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria
absurdo. Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.” (165-799)
A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos atinentes ao futuro. Apressa o
adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que
nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam retardar-lhe a
felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.
- Ver também a parábola do bom samaritano, no ESE, cap. XV, e ainda o item 9 deste mesmo capítulo.
16 Obras Póstumas, Capítulo “Fotografia e Telegrafia do Pensamento”. A frase de Kardec se se assemelha a esta outra, de Sócrates: “Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade.”

ARREPENDIMENTO, EXPIAÇÃO, PROVA, REPARAÇÃO


Terezinha Colle

O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus, e o mal tudo o que desta se afasta. Assim, fazer o bem é conformar-se à lei de Deus;fazer o mal é infringi-la.1

Parece haver, por parte de muitas pessoas, uma certa dificuldade para entender suas relações com as leis divinas. Talvez isso se dê por causa da ideia equivocada que se tem sobre a justiça divina e a maneira como ela se processa. Essa situação de dúvidaé geradora de incredulidade, podendo causar sofrimento e mesmo o afastamento do homem de seu Criador.

Como na escala dos mundos a Terra é um dos mais inferiores, nela habitam homens imperfeitos que, vendo-se fragilizados pelas faltas cometidas, e muitas vezes sem forças para lutar, temem buscar em Deus o auxílio de que necessitam para retomar o caminho do bem, adiando assim sua própria felicidade.

Com as luzes do progresso intelecto-moral a humanidade abandonou a ideia das penas eternas e, por conseguinte, a ideia de inferno como lugar de punição e de um céu para a ociosidade eterna.
No entanto, mesmo tendo abandonado essas ideias equivocadas, o homem ainda se debate para compreender como deve se comportar diante dos reveses da vida e perante as leis de Deus, inscritas em sua própria consciência.

À Ciência espírita estava reservada a tarefa de esclarecer o homem sobre como se processa a justiça divina com vistas ao aperfeiçoamento moral das criaturas. 

Essa Doutrina veio trazer um novo conceito inerente à lei de progresso, de adiantamento moral da humanidade, quando ocorre de o homem infringir as leis divinas e se afastar do caminho do bem. Esse conceito é o de: REPARAÇÃO.

Nosso objetivo é buscar, nos textos de Kardec, uma melhor compreensão das palavras ARREPENDIMENTO, EXPIAÇÃO, PROVA e REPARAÇÃO, para que possamos compreender o que elas significam no contexto da doutrina espírita.

Algumas considerações sobre os termos: arrependimento e penitência.

Comecemos pelo arrependimento, que é o primeiro movimento da alma infratora, rebelde ou, como se diz comumente, pecadora, que deseja reajustar-se às leis divinas. 

A palavra francesa utilizada por Kardec, referindo-se ao arrependimento, foi repentant. E aqui vale uma breve reflexão sobre esse termo, para que possamos compreender melhor a ideia que lhe está associada na ciência da alma.

A palavra repentant é relativa a Repentance, que “é a dor que se experimenta pelos pecados e que leva a uma mudança de atitude chamada conversion [conversão].
Esses dois estados, repentance e conversion, são de tal forma solidários, tão organicamente ligados, que  o Antigo Testamento os exprime frequentemente por uma
mesma palavra, tanto uma leva à outra. O arrependimento do pecado consiste em ‘voltar’, em ‘retornar’ a Deus.

Ocorre que a Igreja católica romana substituiu a noção de repentance [arrependimento] pela de penitence [penitência], que tomou na tradução latina do Novo Testamento (Vulgata).2 A penitência, da qual a Igreja romana fez um sacramento, é mais uma atitude eclesisástica e ritual do que uma transformação moral profunda. Ela corresponde à concepção católica da salvação pelas obras.” 3

Em que isso poderia comprometer o nosso entendimento?
Primeiramente, por que Kardec jamais utilizou as palavras penitence (penitência) e penitent (penitente), e isso porque certamente sabia que essas palavras são carregadas de significados que não correspondem à verdadeira noção de arrependimento proposta pelo Espiritismo. Nas obras de Kardec em língua francesa encontram-se essas palavras, mas somente nos textos em que estavam originalmente inseridas, como é o caso das citações do Novo Testamento.

Acontece que alguns tradutores, ao verterem os textos originais de Kardec para o português, substituíram o termo repentance, que deveria ser traduzido por arrependimento, por penitente, o que compromete seriamente a ideia.

O termo penitência, que deu origem à palavra penitenciária, traz em si um certo peso, uma ideia de punição, de castigo; sugere uma pena imposta por um tribunal, e não uma transformação moral profunda e voluntária, fruto do amadurecimento do senso moral, como é o caso do arrependimento. Embora nos dicionários da língua portuguesa as palavras arrependimento e penitência geralmente apareçam como sinônimas, o significado de penitência que predomina é: “Pena imposta pelo confessor. Um dos sete sacramentos da Igreja. Qualquer sacrifício para expiação de pecados (jejuns, orações etc.). Castigo. Incômodo, tormento.” 4 “Castigo público imposto pelo tribunal da Inquisição.”5

Como não comprometer o entendimento do significado de uma palavra que traz a ideia de transformação moral profunda e voluntária, quando a substituímos por outra que traz a de uma imposição de outro tribunal que não seja o da própria consciência do infrator?

É possível submeter alguém à força, exigir uma abjuração, uma confissão que não venha da intimidade, mas não é isso o que faz a alma dobrar-se sobre si mesma, como é o caso do arrependimento.

Outro inconveniente bem pode ser o de confundirmos o verdadeiro sentido do arrependimento com prática exteriore, ou obras feitas para agradar a Deus com intuito de obter seu perdão, sem corrigirmos nossos pensamentos, sentimentos e atos. Eis o que escreveu Kardec sobre este assunto:

“O arrependimento é o primeiro passo para a melhoria; mas não basta por si só, é preciso ainda a expiação e a reparação. Arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências.

O arrependimento suaviza as dores da expiação, porque traz a esperança e prepara o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa; o perdão seria então uma graça e não uma anulação.

“O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tardio, o culpado sofre por mais tempo. 

A expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais, que são a consequência da falta cometida, seja desde a vida presente, seja, após a morte, na vida espiritual, seja numa nova existência corporal, até que os últimos traços da falta sejam apagados.” 6

Kardec, sempre coerente em todos os preceitos da Doutrina, referindo-se aos Espíritos que ainda não foram tocados de arrependimento, não os chama de impenitentes, chama-os de endurecidos.

Os maus Espíritos são aqueles que ainda não foram tocados de arrependimento; que se deleitam no mal e nenhum pesar por isso sentem; que são insensíveis às reprimendas, repelem a prece e muitas vezes blasfemam do nome de Deus. São essas almas endurecidas que, após a morte, se vingam nos homens dos sofrimentos que suportam, e perseguem com o seu ódio aqueles a quem odiaram durante a vida, seja pela obsessão, seja exercendo sobre eles qualquer influência funesta

Referindo-se aos Espíritos arrependidos, diz o Mestre:

Seria injusto incluir na categoria dos maus Espíritos os Espíritos sofredores e arrependidos que pedem preces; estes últimos podem ter sido maus, porém, já não o são desde o momento que reconhecem suas faltas e as lamentam; são apenas infelizes; alguns começam mesmo a gozar de uma felicidade relativa.7

Expiações, provas e reparação

Vejamos agora a palavra EXPIAÇÃO, conforme o próprio Kardec a define:
Pena que sofrem os Espíritos em punição de faltas cometidas durante a vida corporal. A expiação, como  sofrimento moral, se dá no estado errante; como sofrimento físico, ela se dá no estado corporal. As vicissitudes e os tormentos da vida corporal são, ao mesmo tempo, provas para o futuro e uma expiação para o passado.8

No entanto, “A expiação, no mundo dos Espíritos e na Terra, não é um duplo castigo para o Espírito; é o mesmo que continua na Terra, como complemento, com vistas a lhe facilitar sua melhora por um trabalho efetivo; depende dele tirar disso proveito. Não lhe é preferível voltar à Terra com a possibilidade de ganhar o céu, a ser condenado a deixa-la sem remissão? Essa liberdade que lhe é concedida é uma prova da sabedoria, da bondade e da justiça de Deus, que quer que o homem tudo deva aos seus esforços e seja o artífice do seu futuro; se é infeliz, e o é por mais ou menos tempo, não pode disso se quiexar senão de si mesmo: a via do progresso lhe está sempre aberta.9

Ainda segundo o Mestre, o que são PROVAS:

Vicissitudes da vida corporal pelas quais os Espíritos se depuram de acordo com a maneira como as sofrem. Segundo a doutrina espírita, o Espírito livre do corpo, reconhecendo sua imperfeição, escolhe ele mesmo, por um ato de seu livre-arbítrio, o gênero de provas que julga o mais próprio ao seu adiantamento, e que sofrerá em uma nova existência. Se escolher uma prova acima de suas forças ele sucumbe, e seu adiantamento é retardado.10

De tudo o que foi dito acima, nota-se claramente que a liberdade do infrator é sempre preservada, inclusive na escolha das provas por que terá de passar. E isso é perfeitamente compreensível no processo de reabilitação moral do Espírito imortal, uma vez que o que prescrevem as leis divinas é o progresso efetivo, a regeneração dotransgressor, e não um sofrimento que nada produza de útil.

E quanto à REPARAÇÃO, como entendê-la no contexto da ciência espírita?
Vejamos o que dizem os Sábios da imortalidade:

“A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. Aquele que não repara as suas faltas nesta vida, por fraqueza ou má-vontade, se encontrará, numa existência ulterior, em contacto com as mesmas pessoas que dele tiveram queixas, e em condições escolhidas por ele mesmo, de maneira a poder lhes provar seu devotamento, e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito. 

Nem todas as faltas trazem prejuízo direto e efetivo; nesses casos, a reparação se realiza fazendo-se o que se deveria fazer e não foi feito, cumprindo os deveres negligenciados ou desprezados, as missões em que se faliu; praticando o bem em contrapartida ao que se fez de mal: isto é, sendo humilde se foi orgulhoso, afável se foi áspero, caridoso se foi egoísta, benevolente se foi malevolente, laborioso se foi preguiçoso, útil se foi inútil, temperante se foi dissoluto, bom exemplo se o foi mal, etc. É assim que o Espírito progride tirando proveito do seu passado.”

“A necessidade da  reparação é um princípio de rigorosa justiça que podemos considerar como a verdadeira lei de reabilitação moral dos Espíritos. É uma doutrina que nenhuma religião havia ainda proclamado.

Entretanto, algumas pessoas a repelem porque acham mais cômodo poder apagar seus malefícios por um simples arrependimento, que não custa mais que palavras e a ajuda de algumas fórmulas; crendo-se assim quites, verão mais tarde se isso lhes basta.
Poderíamos lhes perguntar se esse princípio não é consagrado pela lei humana, e se a justiça de Deus pode ser inferior à dos homens? Se se dariam por satisfeitas com um indivíduo que, tendo-as arruinado por abuso de confiança, se limitasse a dizer que lamenta infinitamente. Por que recuariam diante de uma obrigação que todo homem honesto se impõe cumprir como um dever, na medida de suas forças?

Quando esta perspectiva da reparação for inculcada na crença das massas, ela será um freio bem mais poderoso que o inferno e as penas eternas, porque ela diz respeito à atualidade da vida, e o homem compreenderá a razão de ser das circunstâncias penosas de onde ele se acha colocado.11

A expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação

Em face de tudo o que foi exposto poderíamos supor que todo sofrimento experimentado nesta vida resulta de uma falta cometida, mas assim não é. Vejamos o que dizem os Espíritos:

“Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste  mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e apressar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação. Provas e expiações, todavia, são sempre sinais de relativa inferioridade, porquanto o que é perfeito não precisa ser provado. Pode, pois, um Espírito haver chegado a certo grau de elevação e, nada obstante, desejoso de adiantar-se mais, solicitar uma missão, uma tarefa a executar, pela qual tanto mais recompensado será, se sair vitorioso, quanto mais rude haja sido a luta. Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de alma elevada, de nobres sentimentos inatos, que parece nada de mau haverem trazido de suas precedentes existências e que sofrem, com resignação toda cristã, as maiores dores, somente pedindo a Deus que as possam suportar sem murmurar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que provocam queixas e impelem o homem à revolta contra Deus.

Sem dúvida, o sofrimento que não provoca queixumes pode ser uma expiação; mas é indício de que foi buscada voluntariamente, antes  que imposta, e constitui prova de forte resolução, o que é sinal de progresso.” 12

Então uma expiação pode ser imposta? E como ficaria a liberdade? Consultemos os Espíritos:

Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples, ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?

“Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazeis com a criancinha. Pouco a pouco, porém, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, deixa-o senhor de proceder à escolha, e só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau caminho, por desatender os conselhos dos Espíritos bons. A isso é que se pode chamar a queda do homem.”

- Quando o Espírito goza do livre-arbítrio, a escolha da existência corporal dependerá sempre exclusivamente de sua vontade, ou essa existência lhe pode ser imposta, como expiação, pela vontade de Deus?

“Deus  sabe esperar, não apressa a expiação. Todavia, pode impor certa existência a um Espírito, quando este, pela sua inferioridade ou má-vontade, não se mostra apto acompreender o que lhe seria mais benéfico, e quando vê que tal existência servirá para a purificação e o progresso do Espírito, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.”13

Os Espíritos em expiação vieram de outros mundos: são exóticos na Terra

O Epiritismo vem nos esclarecer, também, sobre a situação do mundo em que vivemos:

“A Terra pode ser considerada ao mesmo tempo um mundo de educação para os Espíritos pouco avançados, e de expiação para os Espíritos culpados. Os males da humanidade são consequência da inferioridade moral da maioria dos Espíritos encarnados.
Pelo contato de seus vícios, eles se tornam reciprocamente infelizes e punem-se uns aos outros. 14

Vejamos o que diz Santo Agostinho sobre esse assunto:

(…)“Nem todos os Espíritos que encarnam na Terra vão para aí em expiação. As raças a que chamais selvagens são formadas de Espíritos que apenas saíram da infância e que na Terra se acham, por assim dizer, em curso de educação, para se desenvolverem pelo contacto com Espíritos mais adiantados. Vêm depois as raças semi-civilizadas, constituídas desses mesmos Espíritos em via de progresso. São elas, de certo modo, raças indígenas da Terra, que aí se elevaram pouco a pouco em longos períodos seculares, algumas das quais hão podido chegar ao aperfeiçoamento intelectual dos povos mais esclarecidos.

“Os Espíritos em expiação, se nos podemos exprimir dessa forma, são exóticos, na Terra; já viveram noutros mundos, donde foram excluídos em consequência da sua obstinação no mal e por se haverem constituído, em tais mundos, causa de perturbação para os bons.15 Tiveram de ser degredados, por algum tempo, para o meio de Espíritos mais atrasados, com a missão de fazer que estes últimos avançassem, pois levam consigo inteligências desenvolvidas e o gérmen dos conhecimentos que adquiriram. Daí vem que os Espíritos em punição se encontram no seio das raças mais inteligentes. Por isso mesmo, para essas raças é que de mais amargor se revestem os infortúnios da vida.
É que há nelas mais sensibilidade, sendo, portanto, mais provadas pelas contrariedades e desgostos do que as raças primitivas,  cujo senso moral se acha mais embotado.”

“A Terra, conseguintemente, oferece um dos tipos de mundos expiatórios, cuja variedade é infinita, mas  revelando todos, como caráter comum, o servirem de lugar de exílio para Espíritos rebeldes à lei de Deus. Esses Espíritos têm aí de lutar, ao mesmo tempo, com a perversidade dos homens e com a inclemência da Natureza, duplo e árduo trabalho que simultaneamente desenvolve as qualidades do coração e as da inteligência.
É assim que Deus, em sua bondade, faz que o próprio castigo redunde em proveito doprogresso do Espírito.”16

Se assim é, e se não pertencemos às raças chamada selvagens ou indígenas da Terra, somos os Espíritos em expiação, somos exóticos neste mundo, ou seja, vivemos em outros mundo e para cá fomos degredados, como alunos expulsos da escola por causa de sua rebeldia…

Assim fica mais fácil compreender as palavras do Espírito de Verdade, quando diz: 

“Venho, como outrora,  entre os filhos transviados de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinem as plantas e se levantem as ondas. Revelei a doutrina divinal. Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso na Humanidade e disse: “Vinde a mim, todos vós que sofreis.”

Mas os homens ingratos se desviaram do caminho reto e largo que conduz ao reino de meu Pai e enveredaram pelas ásperas sendas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana; quer que, ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, isto é, mortos segundo a carne, porquanto não existe a morte, vos socorrais mutuamente, e que se faça ouvir não mais a voz dos profetas e dos apóstolos, mas a dos que já não estão mais no corpo, a clamar: Orai e crede! pois a morte é a ressurreição, e a vida a prova escolhida, durante a qual as virtudes que houverdes cultivado crescerão e se desenvolverão como o cedro.

Homens fracos, que  compreendeis as trevas das vossas inteligências, não afasteis o facho que a clemência divina vos coloca nas mãos para vos clarear o caminho e reconduzir-vos, filhos perdidos, ao regaço de vosso Pai. 

Sinto-me por demais  tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Crede, amai, meditai sobre as coisas que vos são reveladas; não mistureis o joio com a boa semente, as utopias com as verdades.

Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgáveis o nada,  vozes vos clamam: “Irmãos! nada perece. Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade.”17

Encerramos com um apelo afetuoso do nosso querido Lamennais:

“Pobres ovelhas desgarradas, sabei ver o bom Pastor que vem de longe e que em vez de querer banir-vos para sempre de sua presença, ele mesmo vem ao vosso encontro para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso exílio voluntário; dirigi vossos passos para a morada paterna: o pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso retorno à família.”18

Referência;

1 O livro dos Espíritos, item 630.
2 Tradução feita por São Jerônimo, no século IV.
3 Dictionnaire  Encyclopédique de la Bible A. Westphal – Repentance.
4 Michaelis – Moderno dicionário da língua portuguesa, verbete: penitência.
5 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, vocábulo: penitência.
6 O Céu e o Inferno, cap. VII - As penas futuras - Código penal da vida futura, 16ª.
7 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVIII - Coletânea de preces espíritas - IV - Preces pelos que já não são da
terra - Pelos Espíritos arrependidos, item 73.
8 Instruções práticas sobre as manifestações espíritas - Vocabulário Espírita – EXPIAÇÃO.
9 O Céu e o Inferno - Primeira Parte – Doutrina, cap. V - O Purgatório, item 6.
10 Instruções práticas sobre as manifestações espíritas - Vocabulário Espírita – PROVAS.
11 O Céu e o Inferno, cap. VII - As penas futuras - Código penal da vida futura, 17ª e comentário de Kardec.
12 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V - Bem-aventurados os aflitos -Causas anteriores das aflições, item 9.
13 O Livro dos Espíritos, item 262
14 O que é o Espiritismo? Cap. III, item 132.
15 Veja-se: Doutrina dos Anjos decaídos e da perda do Paraíso, em A Gênese, cap. XI - Gênese espiritual, itens 43 a 49.
16 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III - Há muitas moradas na casa de meu Pai - Instruções dos Espíritos -
Mundos de expiação e de provas, itens 14 e 15.
17 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI - O Cristo consolador - Instruções dos Espíritos - Advento do Espírito de Verdade, item 5.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

JESUS E O AMOR AO PRÓXIMO


Terezinha Colle

O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.1

Vicente de Paulo

 O amor talvez seja um dos temas mais explorados de todos os tempos e também um dos mais empolgantes. Os gregos Antigos tinham várias palavras para designar esse sentimento, em suas diversas manifestações.

A recomendação para que a humanidade ame é muito antiga e sempre atual. No Antigo Testamento vamos encontra-la, na seguinte passagem: “Amarás Yahvé, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças.2

Encontramos, também na Bíblia, a recomendação de amor ao próximo, em  Levítico, 19,18: “Não te vingarás e não guardarás rancor pelos filhos de teu povo, mas amarás teu próximo como a ti mesmo.”

Muitos séculos depois um fariseu, doutor da lei, faz a Jesus a seguinte pergunta: “Mestre, qual o mandamento maior da lei?” Jesus respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua  alma e de todo o teu espírito; este o maior e o primeiro mandamento. E aqui tendes o segundo, semelhante a esse: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo. – Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.”3

Como dissemos no início, havia vários termos gregos para designar tipos de amores diferentes.

Um deles é o amor eros, que muito resumidamente poderíamos dizer que é o amor paixão, o amor de posse, o amor egoísta. É o amor que devora para suprir uma falta, uma necessidade, o amor carnal.

Depois tem o amor philia, que já é um amor pelo outro, pelo que o outro é. Poderíamos dizer que é uma passagem do amor puramente carnal ao amor espiritual, do amor por si mesmo ao amor pelo outro. É o amor entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre amigos. Mas ainda pode ser um amor condicionado, um amor que também espera amor em troca.

Jesus, ao prescrever o amor, utilizou o termo agapè, que vem do verbo grego agapan, que significa “querer bem”, para designar o amor mais autêntico, o amor incondicional.

É esse mesmo termo que Jesus utiliza, de acordo com João, ao dizer: “Nisto, todos vos reconhecerão como meus discípulos: por esse amor que tereis uns pelos outros.”4 O termo agapè, de que Jesus se utilizou é o que se costuma traduzir como caridade.

Com o passar do tempo, as más traduções e as falsas interpretações, como saber o real sentido da palavra caridade proferida por Jesus?

No século XIX, quando elaborava a ciência espírita, o sábio Allan Kardec fez a seguinte pergunta aos Espíritos: qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? Obteve a seguinte resposta: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”

E Kardec acrescenta: “O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejaríamos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.5

Vicente de Paulo, um dos Espíritos que colaborou com a ciência espírita diz: “Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina mediante a qual governa Deus os mundos.”6

Ao observar uma mãe animal amamentando seu filhote, arriscando ou sacrificando a própria vida para defendê-lo, quem diz que aí não se encontra o germe do amor em forma de instinto?

Talvez seja esse o sentido das palavras de Lázaro, quando disse: “O amor resume a doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito.7

O Cristo foi e continua sendo o maior exemplo de amor incondicional que a humanidade pode conhecer. Espírito puro, de nada precisava deste planeta imperfeito, nem mesmo da gratidão daqueles a quem ajudava; ele fez o bem pelo bem, e amou simplesmente porque o amor é a sua natureza.

“Jesus ia por toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do reino e curando todos os langores e todas as enfermidades no meio do povo. - Tendo-se a sua reputação espalhado por toda a Síria, traziam-lhe os que estavam doentes e afligidos por dores e males diversos, os possessos, os lunáticos, os paralíticos e ele a todos curava. - Acompanhava-o grande multidão de povo da Galiléia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judéia e de além Jordão. (S. Mateus, 4:23 a 25.)

De todos os fatos que dão testemunho do poder de Jesus, os mais numerosos são, não há contestar, as curas. Queria ele provar dessa forma que o verdadeiro poder é o daquele que faz o bem; que o seu objetivo era ser útil e não satisfazer à curiosidade dos indiferentes, por meio de coisas extraordinárias.

Aliviando os sofrimentos, prendia a si as criaturas pelo coração e fazia prosélitos mais numerosos e sinceros, do que se apenas os maravilhasse com espetáculos para os olhos. Daquele modo, fazia-se amado, ao passo que se se limitasse a produzir surpreendentes fatos materiais, conforme os fariseus reclamavam, a maioria das pessoas não teria visto nele senão um feiticeiro, ou um mágico hábil, que os desocupados iriam apreciar para se distraírem.

Assim, quando João Batista manda, por seus discípulos, perguntar-lhe se ele era o Cristo, a sua resposta não foi: “Eu o sou”, como qualquer impostor houvera podido dizer. Tampouco lhes fala de prodígios, nem de coisas maravilhosas; responde-lhes simplesmente: “Ide dizer a João: os cegos veem, os doentes são curados, os surdos ouvem, o Evangelho é anunciado aos pobres.” O mesmo era que dizer: “Reconhecei-me pelas minhas obras; julgai da árvore pelo fruto”, porquanto era esse o verdadeiro caráter da sua missão divina.8

Encerremos com as palavras de Sócrates, o nobre filósofo grego, ao referir-se ao amor:

Chamo homem vicioso a esse amante vulgar, que mais ama o corpo do que aalma. O amor está por toda parte em a Natureza, que nos convida ao exercício da nossa inteligência; até no movimento dos astros o encontramos. É o amor que orna a Natureza de seus ricos tapetes; ele se enfeita e fixa morada onde se lhe deparem flores e perfumes. É ainda o amor que dá paz aos homens, calma ao mar, silêncio aos ventos e sono à dor.


1 O Livro dos Espíritos, item 888.
2 Deuteronômio, 6,5.
3 S. Mateus, 22: 34 a 40.
4 João, 13,35.
5 O Livro dos Espíritos, item 886.
6 O Livro dos Espíritos, item 888
7 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI - Amar o próximo como a si mesmo, Instrução dos Espíritos - A lei de amor, item 8.

8 A Gênese » Os milagres segundo o Espiritismo, cap. XV - Os milagres do Evangelho, Curas, Numerosas curas operadas por Jesus, itens 26 e 27.