É muito
usual nos centros espíritas falar-se que o passe tem suas origens em Mesmer,
contar-se sobre a tina das convulsões e que o médico vienense magnetizava a
água. Estes são alguns dos aspectos do trabalho do mesmo que foi bem mais amplo
e que marcou profundamente a Doutrina Espírita, seja em sua terminologia, seja
nos princípios teóricos nos quais se baseia a sua prática.
As
opiniões sobre Franz Anton Mesmer (1734/1814) são controvertidas ainda hoje.
Alguns o consideram charlatão, outros místico e biógrafos como Zweig são
entusiastas em defender sua erudição e espírito científico, que afirma terem
sido subvalorizados pelas instituições acadêmicas de sua época.
Sua
formação intelectual foi ampla. Possuiu títulos acadêmicos em teologia,
filosofia, direito e medicina. Prosseguiu estudando geologia, física, química,
matemática, filosofia abstrata e música.
Mesmer
iniciou seu trabalho clínico com magnetismo por volta de 1774, quando tornou-se
moda usarem-se ímãs como terapêutica para as doenças do corpo. Entre os métodos
inicialmente adotados, Mesmer aplicava diretamente ímãs sobre regiões enfermas,
friccionava-as, colocava ímãs em bolsinhas de couro para que seus pacientes as
usassem no pescoço, magnetizava água, taças, espelhos, vestidos, instrumentos
musicais e outros objetos por fricção. Procurou um meio de acumular a energia
magnética e conduzi-la. Construiu então o "baquet", ou cuba da saúde,
que viria a ser conhecido como a tina das convulsões. Era um grande tanque de
água em que "duas garrafas cheias de água magnetizada correm convergentes
para uma barra provida de pontas condutoras móveis, das quais os pacientes
podem aplicar algumas nas regiões doentes." (ZWEIG, 1956. p.37)
Posteriormente
o médico vienense abandonaria os ímãs e escreveria um tratado sobre o
"magnetismo animal", onde atribuiria às suas próprias mãos o
desprendimento de uma força que curaria os males orgânicos e impregnaria
objetos. "De todos os corpos da natureza é o próprio homem que atua com
mais eficácia sobre o homem."
No mesmo
ano em que redigiu seus primeiros escritos sobre o magnetismo animal (1776) ele
defendeu uma tese sobre a ação dos astros sobre o homem através de um éter
primordial.
Um dos
momentos importantes da clínica de Mesmer foi em Paris, na década de 80, quando
o povo francês tomou-se daquilo que Zweig denomina "mesmeromania". As
descrições dos biógrafos nos sugerem um misto de magnetização e misticismo.
Mesmer montou três grandes cubas no seu pequeno hospital. Neste ambiente,
tocava-se piano ou harmônio e Mesmer entrava na sala usando uma longa bata de
seda lilás e carregando consigo um bastonete de ferro com o qual tocava as
áreas afetadas dos pacientes. Enquanto caminhava pela câmara era freqüente o
surgimento de convulsionários, principalmente no meio dos pacientes que se
tratavam na cuba. É curioso destacar que os pacientes sob a ação do
magnetizador eram chamados médiuns e o fato se deve à sua condição de meio de
atuação do magnetismo animal.
Uma
comissão científica composta por Lavoisier, Bailly, Jussieu, Guilhotin e
Benjamim Franklin, pelo rei Luís, para pesquisar o fenômeno descreve os
convulsionários como se vê:
"Uns
se mostram tranqüilos; quietos e como enlevados; outros tossem, cospem, experimentam
imensas dores, calor em todo o corpo e têm acessos de suor; outros são presas
de convulsões extraordinárias em número, duração e força. Quando se manifestam
em um deles, se transmite em seguida aos outros. A comissão as viu
prolongarem-se por espaço de três horas, seguidas de expulsão pela boca de uma
espécie de água turva e viscosa, devido à violência dos esforços. Observam-se
nesses escarros algumas gotas de sangue.
Tais
convulsões se caracterizam por irreprimíveis e repentinos movimentos dos membros
e de todo o corpo, contrações na garganta, tremores na região abdominal
(hipocôndrio) e na do estômago (epigástrio), perturbações e fixidez do olhar,
gritos agudos, eructações, choros e acessos selvagens de riso. Seguem-se logo
prolongados estados de cansaço e abatimento, languidez e prostração. O menor
ruído inesperado os sobressalta em extremo e se tem observado que as mudanças
de tom e compasso nas melodias que se interpretam ao piano influem nos
enfermos, de modo que um crescendo os excita mais e aumenta a violência dos
acessos nervosos.
Nada mais
estranho do que o espetáculo dessas convulsões e quem não as viu não pode
imaginá-las. Não pode também ninguém deixar de se surpreender ao ver, de uma
parte, a calma perfeita de uma série de pacientes e, de outra a excitação dos
restantes; os diversos incidentes que se produzem e a simpatia que reina entre
eles; vêem-se enfermos que sorriem reciprocamente e conversam com grande
delicadeza e afabilidade, o que abranda seus espasmos. Com sua força magnética
Mesmer conserva-os subjugados e, se se acham num estado aparente de prostração,
seu olhar e sua voz os reanimam num instante."
Junto aos
convulsionários houve um outro tipo de reação, a dos médiuns sonambúlicos.
Estes caíam em um estado semelhante ao sono e eram passíveis de sugestões.
Mesmer, entretanto, não deu o devido valor a este fenômeno, valor que só veio a
ser dado pelo Marquês de Puységur. Puységur estudou os médiuns sonambúlicos
(latim: ambulo = passear, andar; somnus = sono) e descreveu coisas importantes
sobre eles, como a inexplicável capacidade que possuem de andar de olhos
fechados por lugares perigosos sem caírem ou acidentarem-se. Falou de um
"sens interieur" ou uma dupla vista (no inglês: second sight). Os médiuns
sonambúlicos podiam responder perguntas e um aprofundamento em suas faculdades
acabou evoluindo para as chamadas reuniões mediúnicas do início do século XIX.
Estas reuniões traziam muitos elementos do Mesmerismo, como a
"cadeia" de participantes, popularmente conhecida nos dias de hoje
como "corrente" ou "fechar a corrente", que era a colocação
das pessoas ao lado da cuba da saúde.
O trabalho
de Mesmer desencadeou uma série de escolas que sucederam-no na tentativa de
trabalhar com a ampla fenomenologia levada a público pela mesmeromania.
Observam-se algumas tendências através do esquema abaixo:
1) Escola
Fluidista. Explica os fenômenos pela exalação de uma substância nervosa
corporal. Dos muitos ramos que esta escola possui podemos citar Deleuze,
Reichembach, entre outros.
2) Escola
Animista. Explica os fenômenos pela atuação da vontade sobre a consciência.
Podemos citar os trabalhos de Barbarin (sugestão), James Braid (hipnose) e os
desencadeados por eles como os de Charcot e Bernheim.
3) Escola
Espiritualista. Explica os fenômenos pela ação de entidades extracorpóreas
sobre a consciência. Podemos citar a Teosofia (Blavatsky) e o Espiritismo
(Kardec).
Ressalva-se
que as escolas não são mutuamente exclusivas, isto é, a explicação de uma
escola não elimina a explicação de outras, embora alguns dos autores acima
citados tivessem reduzido seu trabalho ao seu campo teórico e não dessem
notícias dos outros.
O trabalho
de Kardec cabe nas três classificações, uma vez que ele relativiza os fenômenos
e atribui causas diferentes a fenômenos diferentes. A grande ênfase do seu
trabalho, entretanto, reside no desenvolvimento da terceira hipótese, que ele
desenvolve no sentido de diferenciá-la do seu objeto de trabalho e não buscando
aprofundar-se nela.
As
influências do mesmerismo na obra de Kardec são claras.
"Allan
Kardec reconhece que o estudo do magnetismo despertou o seu interesse desde
1820; o que fez dizer a certos adversários do Espiritismo, como René Guenon,
que os médiuns de Allan Kardec estavam hipnotizados pelo fundador do
Espiritismo e que falavam segundo a vontade dele. (...) O magnetismo, escreve
Kardec em 1858, preparou o caminho do Espiritismo e os rápidos progressos desta
última doutrina são devidos, incontestavelmente, à vulgarização dos
conhecimentos sobre a primeira. Dos fenômenos do magnetismo, do sonambulismo e
do êxtase às manifestações espíritas, não há mais que um passo..."
Uma
primeira influência é a da terminologia. Kardec "redefiniu" muitos
termos do magnetismo. Muitos leitores do Espiritismo acreditam que ele criou as
palavras, mas não é verdade: Kardec criou conceitos novos. Palavras como
espírito e médium são anteriores ao codificador. O sentido atribuído a elas por
Kardec é que é singular à Doutrina Espírita; são conceitos a partir dos quais
ela se constitui.
Médium,
para o mesmerismo, é a pessoa que se coloca sob a ação do magnetizador. Para
Kardec, "todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos
espíritos é, por este fato, médium." (Kardec, 1861. cap. XIV)
O termo
médium sonambúlico cabe também às duas ciências com acepções diferentes. Para o
mesmerismo este seria qualquer pessoa que entra em estado sonambúlico mediante
a aplicação do magnetismo. Em Kardec os médiuns sonambúlicos seriam apenas os
sonâmbulos capazes de acusar a presença de espíritos e servirem como seus
intérpretes ou intermediários. (Kardec, 1861. § 172 a 174)
A noção de
um éter primordial está presente em "O Livro dos Espíritos" e em
"A Gênese", ampliada e discutida com o nome de "Fluido Universal
ou Fluido Cósmico". Em ambos Kardec também trata de temas como letargia,
sonambulismo, dupla vista, convulsionários e outros temas importantes ao
mesmerismo.
Há três
mensagens atribuídas a Mesmer, publicadas na Revista Espírita (1864, p.303 e
1865, p. 153).
Kardec
publicou diversos artigos sobre o magnetismo na Revista Espírita. Neles, Kardec
faz assertivas como: "O Espiritismo liga-se ao magnetismo por laços
íntimos, como ciências solidárias." Ou então: "Os espíritos sempre
preconizaram o magnetismo, quer como meio de cura, quer como causa primeira de
uma porção de coisas..." Kardec queixou-se dos ataques desfechados por
adeptos do mesmerismo em sua época contra o Espiritismo, defendeu os
magnetizadores e seu tratamento à base de toques e passes magnéticos,
defendeu-os também contra ações judiciais movidas por pacientes insatisfeitos.
Relatou o tratamento pelo hipnotismo e descreveu o caso de pacientes tratados
por Braid e Broca e por outros acadêmicos da época.
A
incorporação dos "passes magnéticos" e da "água
magnetizada" ao movimento espírita, não é uma mera transposição de
práticas, uma vez que Kardec estudou e propôs a ação e intervenção dos
espíritos no tratamento magnético, ampliando a noção de fluido.
O
conhecimento do Mesmerismo e de outras doutrinas contemporâneas a Kardec
facilitam o estudo da obra do codificador e nos permite fazer leituras mais
precisas. Obviamente, o sentido atual de magnetismo, postulado pela Física,
difere bastante do sentido do magnetismo de Mesmer. Ignorar este aspecto é
perder o sentido de muitas afirmações do codificador. Muitos enganos cometidos
por leitores e comentaristas desavisados, e muitas vezes polemistas contumazes,
seriam mais facilmente esclarecidos se conhecêssemos melhores as nossas raízes.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Extraído de SAMPAIO,
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de 2004)
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