Resumo:
Neste
trabalho desenvolve-se um estudo das paixões da alma com base na seção
intitulada "Paixões" do capítulo "Da perfeição moral" de O
Livro dos Espíritos, bem como em tópicos da obra de René Descartes As Paixões
da Alma.
1.
Introdução
Abrindo
a seção sobre as paixões de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta: [2]
907.
Será intrinsecamente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na
Natureza?
Antes
de analisarmos a resposta dos Espíritos, detenhamo-nos um pouco sobre a própria
questão.
O
primeiro ponto a ser notado é que Kardec indaga acerca do princípio originário
das paixões, e não delas próprias, ou seja, procura esclarecimento sobre a
origem, a fonte de onde promanam as paixões.
A
segunda observação importante é que há, na pergunta, uma afirmação categórica:
esse princípio do qual provêm as paixões está na Natureza, isto é, faz parte da
ordem natural das coisas.
Ora,
o conceito ordinário de paixão, adotado pelo homem comum, traz consigo uma conotação
negativa evidente: associa-se paixão a desequilíbrio, tumulto emocional ou desvios
patológicos do sentimento, sendo mesmo freqüente ouvir-se frases como 'Isto não
é amor, é paixão', ou 'Fulano está cego de paixão'.
A
questão proposta por Kardec motiva-se exatamente pelo conflito entre essa
acepção vulgar do termo 'paixão' e a análise filosófica das paixões (de que
trataremos na seção seguinte), que indica serem elas provenientes de causas
naturais. Considerando que tudo aquilo que pertence à ordem natural obedece a
uma sabedoria e a uma bondade supremas, tendo, em outras palavras, sido
instituído por Deus, como poderia essa fonte sábia e boa levar, em última
instância, a sentimentos intrinsecamente maus?
Vejamos
o que respondem os Espíritos:
"Não,
a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio
que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem
levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o
mal."
A
resposta corrobora, portanto, aquilo que está implícito na afirmação de Kardec:
o princípio originário das paixões é bom, tendo sido "posto no homem para
o bem". O mal que vulgarmente se associa às paixões é o resultado de uma
distorção do sentimento original. Do contexto é justo depreender que essa
distorção corre por conta do livre arbítrio humano na condução de seus sentimentos,
não podendo ser imputada à fonte natural e neutra de onde provêm.
Na
questão seguinte, de número 908, Kardec indaga como se pode "determinar o
limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más", obtendo
esta resposta:
"As
paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se
torna perigoso desde que passe a governar. Uma paixão se torna perigosa a
partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um
prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para outrem."
Vemos,
pois, que o limite natural das paixões se estabelece com base em dois
critérios:
1)
a capacidade de seu controle; e, 2) os males que possam causar a terceiros ou
àquele próprio que as vivencia.
2. A
natureza das paixões
Inegavelmente,
dada a ordinária carga negativa associada ao conceito de paixão, a afirmativa
de Kardec e dos Espíritos de que a fonte original das paixões é boa tende a causar
estranheza na maioria das pessoas. Por tal motivo julgamos importante fazer uma
incursão, ainda que breve e simplificada, nos domínios da filosofia, que tem as
paixões como um de seus temas mais discutidos. Os fundamentos dessa afirmativa
serão, desse modo, elucidados.
Como
ocorre com boa parte dos vocábulos das línguas naturais, a palavra 'paixão' comporta
diversos significados. Na acepção popular em nossos dias, ela designa certos sentimentos
fortes, exacerbados, tumultuados, que em geral se associam à afeição votada a
pessoas e mesmo a coisas e atividades: 'Matou-se por paixão', 'É apaixonado por
carros', 'Tem paixão pelo futebol'.
Do
ponto de vista filosófico, porém, o termo 'paixão' possui significados mais
amplos e neutros quanto ao bem e ao mal. Em seu significado etimológico, paixão
se contrapõe a ação. Isso fica mais claro nas línguas inglesa e francesa, em
que esses vocábulos, passion e action, estão mais próximos de sua origem
latina. Ação atuar, agir; paixão sofrer a ação, recebê-la passivamente.
Nesse
sentido básico, e hoje em dia em desuso, poder-se-ia dizer que ação e paixão
são como as faces de uma mesma moeda. Sempre que algo age, alguma outra coisa
sofre paixão. Eu bato na mesa ação; a mesa recebe a pancada paixão. O mesmo
fenômeno que para mim é ação, para a mesa é paixão.
Aqui
estamos interessados não em coisas em geral, mas no ser humano, que pode, ele também,
agir e sofrer paixão. Nesse caso, porém, o conceito de paixão se tornará mais específico,
como veremos.
Na
visão de homem estabelecida pelo Espiritismo, ele é um ser dual, composto de
corpo (matéria) e alma (espírito). Embora remonte à Antigüidade, essa visão
dualista tornou-se proeminente na filosofia a partir da contribuição de René
Descartes (1596-1650). Um dos maiores filósofos e cientistas de todos os
tempos, Descartes foi o principal responsável pela inauguração da filosofia
moderna, renovando amplamente as teorias e conceitos filosóficos anteriores.
Esteve ainda entre os criadores da ciência moderna, ao lado de Galileo e
Newton, Boyle e Huygens, entre outros.
Em
sua doutrina, o sábio francês dissociou da alma a função de mantenedora da vida
orgânica, tomando-a unicamente como o ser pensante, independente da matéria.
Uma análise cuidadosa revela muitos pontos comuns entre as visões espírita e
cartesiana do homem. Não podemos adentrar esse vasto e difícil assunto neste
pequeno texto. Iremos apenas destacar alguns elementos mais diretamente ligados
à questão das paixões. O último livro de Descartes publicado durante sua vida
trata especificamente das paixões, intitulando-se justamente As Paixões da Alma
(Les Passions de l'Âme, 1649). Essa obra exerceu grande influência no futuro
das discussões filosóficas acerca das paixões, só sendo
rivalizado, no século seguinte, pelas obras do grande filósofo escocês David
Hume (1711-1776), escritas dentro de perspectiva filosófica bastante diversa.
Dadas
as grandes transformações por que passou a física em nosso século, não é possível
expressar em linguagem ordinária como a ciência contemporânea caracteriza a matéria.
Na concepção cartesiana, que prevaleceu e influenciou profundamente toda a ciência
por quase trezentos anos, matéria é a substância extensa, com forma e movimento,
que preenche todo o universo e atua exclusivamente por forças mecânicas de contato.
No nível dos objetos com que lidamos enquanto homens comuns, podemos pensar na
matéria aproximadamente ao longo dessas linhas, mas apenas para fixar idéias,
conscientes de que essas noções não mais bastam às novas teorias físicas.
Quanto
ao espírito, para Descartes ele era, como já indicamos, a substância pensante,
a sede do pensamento, da vontade e dos sentimentos. Ao contrário de sua
concepção de matéria, essa idéia de espírito mostra-se perfeitamente adaptável
ao que conhecemos hoje, não mais pelas ciências acadêmicas, que por sua
natureza não se ocupam com isso, mas pela ciência espírita, inaugurada por
Allan Kardec.[3]
Podemos,
para os nossos propósitos aqui, considerar a alma ou espírito como tendo três "faculdades"
(termo de Descartes):
1)
vontade;
2)
pensamento;
3)
percepção.
A
vontade se exerce quando a alma quer algo; o pensamento, quando ela raciocina, duvida,
compara, abstrai etc. Pensamento e vontade assim definidos são, por assim
dizer, as "dimensões" ativas da alma. A percepção seria, por outro
lado, sua dimensão passiva. Isso fica mais claro quando enumeramos as formas
gerais dessa percepção:
a)
sensações dos corpos (formas, solidez, cores, sons etc.);
b)
percepções das operações da própria alma (percepção de que está raciocinando, duvidando,
querendo, imaginando, sentindo etc.); e
c)
sentimentos (amor, ódio, tristeza, alegria etc.)
Em
um sentido filosófico um pouco mais específico do que aquele já apontado,
ligado à etimologia do termo 'paixão', todos esses três tipos de percepção
poderiam ser ditos (e o são por Descartes) paixões da alma, porque ao contrário
dos atos volitivos e intelectuais, acontecem passivamente à alma quando ela se
encontra em determinadas situações.
Quando
o corpo a que está associada tem seus sentidos despertos e em bom funcionamento,
postos em contato com uma vela acesa, por exemplo, a alma sentirá, quer queira,
quer não, uma certa forma, uma certa luz, uma certo calor (sensações).
Quando
a alma se auto-examina, ou, em linguagem filosófica, reflete, introspecta, não pode
deixar de perceber que está raciocinando, ou duvidando, ou querendo algo, se de
fato estiver (percepções das operações da alma). Por fim, diante de um gesto
amigo ou de um carinho, sentirá a alma o amor; diante de uma ofensa, poderá
sentir ódio ou mágoa; recebendo uma boa notícia,
perceberá sua alegria, e assim por diante (sentimentos).
Chegamos,
finalmente, ao ponto pretendido. Em seu sentido filosófico mais estrito a palavra
'paixão' denota exatamente esta última modalidade de percepções da alma: sentimentos
como o amor e o ódio, a alegria e a tristeza, a admiração e o desejo.
Descartes
considerava que as seis paixões que acabamos de enumerar eram básicas, enquanto
que as demais, tais como o orgulho e a humildade, a veneração e o desdém, a esperança
e o desespero, o medo e a coragem, a vergonha e a cólera, o remorso e a piedade
seriam derivadas das paixões fundamentais por combinações e variações.
Não
haveria espaço para explicar ou reproduzir aqui a complexa teoria cartesiana
das paixões. Tampouco nos deteremos sobre a interessante análise que faz de
cada paixão em particular, análise que ocupa boa parte do livro As Paixões da
Alma. Ressaltaremos, entretanto, alguns pontos que podem contribuir para a
nossa compreensão da natureza desses sentimentos.
No
referido livro, assim como em outras obras, Descartes elabora detalhada teoria fisiológica
que, embora hoje em dia possa parecer tosca e quimérica em muitos aspectos, representou
um trabalho pioneiro, exercendo significativa influência no posterior desenvolvimento
da ciência biológica.
A
teoria cartesiana descrevia o corpo humano, como aliás todo universo material,
em termos de um conjunto incrivelmente complexo de corpúsculos que agem sob
leis mecânicas, leis que o próprio Descartes havia deduzido de pressupostos
racionalistas na obra Os Princípios da Filosofia, de 1644. Ele foi um dos primeiros
cientistas a reconhecer a teoria da circulação do sangue, proposta por William
Harvey no início do século XVII.
Descartes
mantinha (de forma não totalmente original) que no sangue havia certos corpúsculos
materiais extremamente pequenos e móveis, chamados espíritos animais. Não
obstante o nome, não se tratava de modo algum de espíritos no sentido de seres inteligentes,
mas de matéria pura e simples. Essas partículas diminutas eram como que "filtradas"
nos "poros" do cérebro, passando a percorrer os nervos. O fluxo dos
espíritos animais no sistema nervoso é a chave para explicar, na teoria
cartesiana, fenômenos fisiológicos e psico-fisiológicos fundamentais, como o
funcionamento dos sentidos, as motricidades voluntária e involuntária, e as
próprias paixões da alma. Embora as paixões sejam percepções da alma, tinham,
segundo essa teoria, uma contraparte fisiológica essencial. Infelizmente não
poderemos fornecer detalhes aqui.
Abrimos
um parêntese para mencionar um aspecto da teoria psico-fisiológica de Descartes
que chama a atenção de pesquisadores espíritas: o papel central atribuído à glândula
pineal, ou epífise, situada na base do cérebro. Até bem recentemente, a ciência
acadêmica considerava que essa glândula não exercia nenhuma função relevante no
homem adulto, julgando, pois, errônea a teoria de Descartes. No entanto,
descobertas recentes vêm levando uma revisão dessa posição; a pineal parece ter
determinante influência no controle de outras glândulas importantes, e portanto
em toda a economia orgânica. Décadas antes que se começasse a perceber isso nos
círculos oficiais, o cientista espírita desencarnado André Luiz recuperou e
desenvolveu os elementos aproveitáveis da teoria cartesiana. Ambos, Descartes e
André Luiz, atribuem à pineal o papel mais importante na ligação alma-corpo;
seria, nas palavras do primeiro deles, como que a "principal sede da
alma", o lugar do mundo orgânico onde a alma "exerce imediatamente
suas funções" (As Paixões da Alma, § 32).
Voltando
à análise do conceito restrito de paixão, enfatizemos que ele preserva o elemento
essencial da noção abrangente: a passividade. Amor, ódio, alegria, tristeza e demais
paixões são algo que "se apodera" de nós de forma involuntária: pelo
menos na sua gênese imediata não temos nenhuma participação voluntária. Embora
Descartes não se tenha servido desta expressão,
poderíamos dizer, simplificadamente, que para ele as paixões eram o
resultado de uma espécie de automatismo psico-fisiológico. Na esfera fisiológica,
esse automatismo envolvia, de forma essencial, o fluxo dos espíritos animais e sua
interação com a pineal; na mente, manifestava-se como as percepções de amor,
ódio etc., que cada homem sabe o que são por experiência direta.
Desnecessário
notar que a ciência contemporânea não mais utiliza a noção de espíritos animais.
No entanto, temos aqui mais um caso típico da história da ciência em que, embora
rejeitados pela evolução da ciência, conceitos e teorias do passado aparecem ainda,
embora bastante modificados, refinados e complementados, nas teorias mais recentes.
A idéia geral de que algo percorre os nervos, trazendo as informações sensoriais
para o encéfalo e conduzindo para os órgãos motores os impulsos nele originados
mostrou-se fecunda e sustentável, estando presente nas teorias científicas contemporâneas,
que descrevem esse algo em termos de correntes elétricas.
Também
a associação das paixões a um certo automatismo pode ser mantida até hoje.
Estendendo
de maneira profunda e segura a investigação do ser humano, o Espiritismo modificou
e complementou a descrição desse automatismo, que deixa de estar centrado na
estrutura fisiológica, residindo antes no próprio espírito, em sua existência
que antecede e sucede à do corpo denso, com possíveis influências também do seu
envoltório perispiritual. Assim é que se constata por observação direta que os
Espíritos desencarnados continuam tendo sentimentos aparentemente semelhantes
às nossas paixões. Isso indica que a causa imediata das paixões não se pode
reduzir a processos referentes ao corpo denso, como achava Descartes. O fato de
que diante de determinados estímulos externos ou internos a alma é
automaticamente objeto daqueles sentimentos que chamamos paixões deve-se a uma
faculdade inerente à própria alma, que tem uma razão de ser providencial,
conforme vimos na introdução deste trabalho.
(Retomaremos
esse tópico mais adiante.)
Detenhamo-nos
agora sobre as causas mediatas ou primeiras das paixões. Estas eram por
Descartes classificadas em três grupos (As Paixões da Alma, § 51):
i)
os objetos dos sentidos: alguém escuta uma boa notícia e sente
alegria; vê uma criança sendo maltratada e sente indignação ou cólera; cheira
fumaça e sente medo de incêndio;
ii) as ações da alma: alguém pensa em suas qualidades e sente orgulho ou
humildade; duvida da sinceridade de um amigo e sente tristeza; imagina os
efeitos de uma tragédia e sente pena dos envolvidos;
iii)
o "temperamento do corpo" e as
"impressões que se encontram fortuitamente no cérebro". São desse tipo, por exemplo, as
paixões que temos "quando nos sentimos tristes ou alegres sem que possamos
dizer o motivo".
Este
último item enseja aos pesquisadores espíritas outra oportunidade de
complementar o que afirmou Descartes. Pelas investigações científicas dos
fenômenos espíritas, conhecemos inúmeros fatos e leis da realidade espiritual
que o filósofo aparentemente ignorava. É indubitável que alterações diversas do
corpo, especialmente do sistema nervoso, podem de fato fazer surgir sentimentos
ou paixões na alma. No entanto, sabemos que em muitas ocasiões em que não
encontramos sua causa última naquilo que explicitamente observamos, quer no
mundo exterior e em nossos corpos, quer em nossa alma, podem dever-se a fatores
espirituais, tais como as vivências no mundo espiritual durante o sono, as
influências obsessivas e telepáticas de um modo geral, ou a emersão parcial de
nosso pretérito remoto.
3. O
controle das paixões
Chegamos
agora a um ponto saliente do estudo das paixões, enfatizado na seção de O Livro
dos Espíritos que estamos analisando, e que recebeu também grande atenção da parte
de Descartes: a questão de seu controle, domínio ou governo. Dada a própria conceituação
de paixão, ou seja, de algo que acontece involuntariamente em nossa alma, uma
impressão preliminar poderia ser a de que as paixões escapam, por sua própria natureza,
a toda possibilidade de controle voluntário. No entanto, o assunto é complexo,
e exige exame mais detido. Comecemos transcrevendo o item 909 de O Livro dos Espíritos:
909.
Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
"Sim,
e, por vezes, fazendo esforços pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah! Quão poucos
dentre vós fazem esforços!"
Embora
não se fale aqui explicitamente em paixões, está claro a partir do contexto que
as referidas "más inclinações" estão associadas ao desvirtuamento dos
sentimentos naturais que estão na origem das paixões. Temos, por exemplo, uma
tendência que parece natural, maior ou menor conforme a pessoa, de sentir
orgulho quando nos elogiam, mágoa quando nos ofendem, inveja quando vemos
alguém possuir aquilo que queríamos para nós próprios. Nos itens 910 e 911 a
referência às paixões se torna explícita. No primeiro deles assevera-se que os
bons Espíritos podem nos auxiliar a vencer as más paixões, pois que "é
essa a missão deles." O segundo vai agora transcrito em sua íntegra:
911. Não haverá paixões tão vivas e
irresistíveis, que a vontade seja impotente para dominá-las?
"Há
muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem,
porém muito satisfeitas ficam que não seja como "querem". Quando o
homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz
nelas, em conseqüência de sua inferioridade. Compreende a sua natureza
espiritual aquele que as procura reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória
do Espírito sobre a matéria."
Repare-se
que nessas passagens o conceito de paixão está sendo restringido ao seu uso mais
ordinário, de algo com conotação negativa, que requer controle ou superação.
Isso não implica que devamos dissociá-lo de sua significação filosófica
original, esboçada na seção precedente. Tudo o que nela foi visto aplica-se
também aqui, onde se trata de paixões particulares, aquelas que redundam em um
mal qualquer para algo ou alguém.
Feitas
essas ressalvas, retomemos o cerne desses três quesitos de O Livro dos
Espíritos. Neles se afirma resolutamente que as paixões negativas podem ser
controladas pela vontade. Como fica então a conclusão a que havíamos chegado
pela análise filosófica de que as paixões são aparentemente incontroláveis?
Veremos agora que esse é um conflito apenas aparente, que se dissolve diante de
um exame mais acurado. Descartes empreendeu ele próprio esse exame, e podemos
aproveitá-lo quase que integralmente aqui, com as necessárias simplificações.
Esses estudos de grande beleza e profundidade encontram-se principalmente nos
parágrafos 44 a 50, e 137 a 148 de As Paixões da Alma.
Iniciemos
pelo parágrafo 46. Quando sofremos uma paixão qualquer, embora seu afloramento
seja espontâneo, involuntário, dado o automatismo que opera em nós, podemos,
por nossa vontade,
não
consentir em seus efeitos e reter muitos dos movimentos aos quais ela dispõe o
corpo. Por exemplo, se a cólera faz levantar a mão para bater, a vontade pode
comumente retê-la; se o medo incita as pernas a fugir, a vontade pode detê-las,
e assim por diante. [4]
Eis,
portanto, uma constatação simples, porém altamente relevante para o controle
das paixões: sustar os seus efeitos maléficos sobre as
coisas e pessoas. Isso está em nosso poder, desde que tenhamos vontade
firme e discernimento moral para reconhecer quais os efeitos bons e quais os
ruins. (Abordaremos o assunto do senso moral na próxima seção.)
No
entanto, ainda que exercida eficazmente essa limitação das manifestações
externas das más paixões resta o fato de que elas continuam existindo enquanto
fenômenos de nosso mundo íntimo, ou seja, os sentimentos continuam presentes em
nossa alma, prejudicando-nos a paz interior. O que fazer agora?
Descartes
enfatiza que a vontade não tem o poder de excitar ou suprimir diretamente as paixões
(§ 45). Um pouco de reflexão leva-nos a concordar com ele. Bastará ao orgulhoso
simplesmente querer ser humilde? De alguma coisa adiantará ao que está triste
dizer para si próprio: 'Ficarei alegre agora'? Vencerá alguém a mágoa
simplesmente desejando alijar-se dela? Parece que não; falta algo além da
vontade.
O
que seria esse algo não se explicita na seção em exame de O Livro dos
Espíritos. A resposta está implícita no conjunto da obra e suas
complementações. Um dos méritos do texto de Descartes é justamente o de enfocar
o problema de forma quase explícita.
(Dissemos
quase porque o que exporemos a seguir é fruto de uma elaboração de várias observações
e asserções de Descartes.)
O
filósofo francês afirma, notemos bem, que não temos controle direto sobre as
paixões. Isso não significa que não possamos controlá-las indiretamente,
mediante certos artifícios. Consideremos uma útil analogia de que Descartes
lança mão no parágrafo 44. Constitui fato patente que há certos movimentos
corporais sobre os quais a vontade é incapaz de atuar diretamente, como a
abertura ou fechamento das pupilas: ninguém as abre ou fecha voluntariamente.
No entanto, podemos facilmente fazê-las se fechar ou abrir indiretamente,
voltando nossos olhos para uma região mais clara ou outra mais escura.
Sobre
os movimentos dos olhos, pálpebras e face temos pleno controle e, explorando o automatismo
fisiológico, logramos controlar a abertura das pupilas de forma indireta. Aspaixões,
diz Descartes (§ 45), podem, de forma análoga, ser excitadas ou suprimidas indiretamente
pela
representação das coisas que costumam estar unidas às paixões que queremos ter,
e que sãocontrárias às que queremos rejeitar. Assim, para excitarmos em nós a
coragem e suprimirmos o medo, não basta ter a vontade de fazê-lo, mas é preciso
aplicar-nos a considerar as razões, os objetos ou os exemplos que persuadem de
que o perigo não é grande; de que há sempre mais segurança na defesa do que na fuga;
de que teremos a glória e a alegria de havermos vencido, ao passo que não
poderemos esperar da fuga senão o pesar e a vergonha de termos fugido, e coisas
semelhantes.
Como
no caso da abertura das pupilas, podemos estudar o automatismo das paixões e colocá-lo
a nosso serviço. O exemplo dado por Descartes refere-se à paixão do medo. Tentemos
ver como seria no caso da mágoa. Diante de uma ofensa, pode acontecer de ficarmos
magoados, quer queiramos ou não. Reconhecendo porém os malefícios desse sentimento,
aplicamo-nos em combatê-lo. Para tanto, temos que nos "representar"
coisas que sabemos estar unidas ao perdão e que são contrárias à mágoa.
Podemos, por exemplo, ponderar que o ofensor é uma pessoa infeliz; que não teve
ainda a glória de ascender a um patamar comportamental melhor; que pode ter
agido sob o peso de problemas que desconhecemos; que pode não ter encontrado na
infância pais devotados e bons que lhe ensinassem a virtude por palavras e
atos; que ele colherá frutos amargos de sua ação; que, de nosso lado, havemos
de possuir em nosso passado fatores que determinaram a necessidade ou
conveniência de enfrentarmos semelhante provação. Examinando as obras espíritas
voltadas à orientação moral, é fácil encontrar muitas considerações desse teor.
Os bons autores espíritas sabem que a melhoria moral da criatura não é uma
questão de prescrições, de proibições, mas de esclarecimento e de substituição de hábitos.
Falamos
em hábitos e isso nos conduz a outro tópico da análise cartesiana. Quando recorremos
à noção de automatismo para explicar o mecanismo das paixões devemos esclarecer
mais sua natureza, se é permanente e inalterável ou não. Pois bem: Descartes sustentava
que esse automatismo das paixões (embora, repitamos, não tenha usado essa expressão)
podia ser alterado. Essa possibilidade era por ele entendida em termos das associações
de pensamentos e movimentos corporais com os fluxos dos espíritos animais. Ele
assumia que a Natureza determinava essas associações, mas que podíamos até
certo ponto alterá-las "por hábito" (§ 50). Lembra, por comparação,
que mesmo os animais podem ter suas reações naturais parcialmente alteradas por
condicionamento (como diríamos hoje). O cão, que por uma disposição natural é
levado a correr na direção da perdiz para apanhá-la, pode ser treinado para
deter-se quando a vê, esperando pelo caçador. E conclui (§ 50):
Ora,
essas coisas são úteis de saber para nos encorajar a aprender a regrar nossas
paixões. Pois dado que se pode, com um pouco de engenho, mudar os movimentos do
cérebro nos animais desprovidos de razão, é evidente que se pode fazê-lo melhor
ainda nos homens, e que mesmo aqueles que possuem as almas mais fracas poderiam
adquirir um império bem absoluto sobre todas as suas paixões, se empregassem bastante
engenho em domá-las e conduzi-las.
Deve
estar claro que o "engenho" ou habilidade a que se refere Descartes é
precisamente a aludida técnica de a alma "representar" para si as
coisas que tendam a diminuir as paixões que quer combater e a incrementar as
que lhes são contrárias. Desse modo, novas associações mentais se estabelecem
(para ele seriam associações psicofisiológicas), e as más paixões se vão
amainando, até voltarem à sua condição natural e primitiva, incapaz de produzir
males. A cólera, por exemplo, iria se transmudando em mágoa, e esta depois se
reduziria à mera desaprovação, ao mero desagrado, natural e decorrente do
próprio senso moral, de que não se pode nem deve abdicar.
4. As
paixões e a moral
Até
aqui tentamos analisar as paixões dos pontos de vista fisiológico, psicológico
e anímico. Utilizamos as noções de paixões boas e más, de efeitos bons e maus,
de malefícios e benefícios sem questionar a distinção do bem e do mal. É
evidente que para aplicarmo-nos ao controle de nossas paixões é preciso antes
saber distinguir o bem do mal. Isso cabe à área da filosofia denominada moral
ou ética. Descartes e a maior parte dos grandes filósofos atribuíram grande
importância ao estudo da moral, procurando determinar o critério do bem e do
mal e os fundamentos nos quais se apóie. Não podemos adentrar esse assunto
aqui. Iremos nos ater unicamente a alguns aspectos das relações entre as
paixões e a moral, tratados em As Paixões da Alma.
No
parágrafo 47, Descartes fornece uma explicação para o fenômeno psicológico do conflito
entre aquilo que a alma quer e o que sente como paixão.[5] Não se trata, diz Descartes,
de um combate entre a "parte inferior" e a "parte superior"
da alma, conforme se costuma imaginar. A alma é una, não se concebe que tenha
partes. A explicação do fato liga-se àquilo que, em adaptação da terminologia
cartesiana, vimos denominando automatismo das paixões. Não desceremos aos
detalhes dessa complexa explicação.
Notemos
apenas que é fácil entender o referido conflito quando se nota que a alma responde
às situações, no nível das paixões, segundo reflexos parcialmente incondicionados
e parcialmente condicionados, conforme vimos anteriormente. No plano intelectual
e moral, porém, essas mesmas situações passam por exames via de regra conscientes
e deliberados, podendo daí resultar serem apreendidas de modo diverso.
Quando
tratamos do controle das paixões estava implícito esse descompasso entre senso moral
e paixões, pois o controle só é percebido como necessário quando as paixões não
se harmonizam com aquilo que se julga ser correto ou
bom. 9
O
parágrafo 48 aborda a questão do esforço que a alma faz para superar esse
conflito íntimo. Inspecionemos na íntegra esse interessante parágrafo (os
destaques são nossos):
Ora, é
pelo desfecho desses combates que cada qual pode conhecer a força ou a fraqueza
de sua alma. Pois aqueles cuja vontade pode, naturalmente, com maior
facilidade, vencer as paixões e sustar os movimentos do corpo que os acompanham
têm, sem dúvida, as almas mais fortes. Há, porém, os que não podem comprovar a
própria força porque nunca levam a combate sua vontade juntamente com suas próprias
armas, mas apenas com as que lhes fornecem algumas paixões para resistir a
algumas outras. O que denomino próprias armas da vontade são os juízos firmes e
determinados sobre o conhecimento do bem e do mal, consoante os quais ela
resolveu conduzir as ações de sua vida. E as almas mais fracas são aquelas cuja
vontade não se decide assim a seguir certos juízos, deixando-se arrastar
continuamente pelas paixões presentes, que, sendo muitas vezes contrárias umas
às outras, puxam-na sucessivamente cada uma para o seu lado e, fazendo-a
combater contra si mesma, colocam-na no estado mais deplorável possível. Assim,
por exemplo, quando o medo representa a morte como um extremo mal, que só pode
ser evitado pela fuga [do perigo], e a ambição, de outro lado, representa a
infâmia dessa fuga como um mal pior que a morte, essas duas paixões agitam
diversamente a vontade, que, obedecendo ora a uma, ora a outra, se opõe
continuamente a si própria, tornando assim a alma escrava e infeliz.
A
"força" da alma é definida com referência à sua vontade. As pessoas
de vontade fraca deixam-se simplesmente levar pelas paixões, tão amiúde
contrárias umas às outras, do que resulta o mais deplorável estado de alma. No
entanto, só a vontade forte não basta; é necessária a utilização das
"armas" da vontade, que são "juízos firmes e determinados sobre
o conhecimento do bem e do mal". Ou seja, a alma precisa saber distinguir
de forma segura o bem do mal. Tem de possuir critérios morais sólidos, caso
contrário poderá aplicar sua vontade sobre alvos errados, dando combate a
paixões boas ou cultivando paixões más, como acontece, por exemplo, com quem
alega que a humildade não se coaduna com a dignidade humana, ou que o ciúme é
necessário ao amor.
No
parágrafo seguinte (49), Descartes observa que "há pouquíssimos homens tão
fracos e irresolutos que nada queiram senão o que suas paixões lhes
ditam". Isso, porém, não é tudo:
Há,
entretanto, grande diferença entre as resoluções que procedem de alguma falsa
opinião e as que se apóiam tão-somente no conhecimento da verdade, visto que se
seguirmos estas últimas estaremos certos de não ter jamais do que nos lamentar
nem arrepender, ao passo que o teremos sempre, se seguirmos as primeiras,
quando lhes descobrimos o erro.
O
conhecimento moral é, pois, de capital importância para que a alma alcance o
equilíbrio interior, pela indispensável iluminação do processo de controle das
paixões. E nesse particular o Espiritismo tem contribuições de alta relevância
para fazer. De modo pioneiro na história do pensamento, forneceu à moral um
embasamento seguro e objetivo, a partir da análise racional dos fatos da vida
humana, vistos de uma perspectiva muito ampliada e detalhada com relação
àquelas do materialismo ou das religiões dogmáticas. À luz do conhecimento
espírita, o critério do bem e do mal, do certo e do errado, dos deveres e direitos,
não é mais uma questão de gosto, de prescrições, de cultura ou de época, nem se
funda "em algumas paixões pelas quais a vontade se deixou anteriormente vencer
ou seduzir" (ibid., § 49). Resulta, antes, do exame objetivo das
conseqüências de nossas ações, com vistas à aproximação gradual da
felicidade.[6]
Para
exemplificar o raciocínio, consideremos as paixões do amor e do ódio, da
humildade e do orgulho, da piedade e da dureza, da esperança e do desespero, da
coragem e do medo. Se perguntarmos quais delas devem ser cultivadas e quais
reprimidas, a resposta pressuporá um certo critério moral. Evidentemente existe
na humanidade terrena, em seu presente estado evolutivo, uma multiplicidade de
critérios morais, capazes de levar a diferentes classificações das paixões
enumeradas. Há quem julgue, por exemplo, que a humildade rebaixa a criatura;
que a piedade é apanágio das almas frágeis; que a desesperança
é a postura correta diante da triste situação do mundo e da natureza humana...
10
Com
sua ética objetiva, o Espiritismo pode pôr termo a tais disparidades de
opinião, indicando claramente quais as paixões e atitudes que melhor conduzem o
homem à almejada felicidade, concebida em termos amplos e perenes. Na lista que
demos, por exemplo, são as primeiras paixões de cada par, nunca as segundas,
aquelas que devemos permitir que vicejem em nossas almas.
Ao
mesmo tempo em que nos esclarece acerca do bem e do mal, o Espiritismo fornece
os meios para podermos executar o controle das "más inclinações", ao
longo das linhas sugeridas por Descartes. Na seção anterior, exemplificamos
esse processo no caso da mágoa. Procedendo de modo semelhante com as demais
paixões, elas serão reconduzidas ao seu estado de pureza original, conforme se
expressa nas questões 907 e 908 de O Livro dos Espíritos. Nos judiciosos
comentários que as seguem, Kardec afirma que as paixões "são alavancas que
decuplicam as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da
Providência". A finalidade boa das paixões é destacada em termos
equivalentes por Descartes no parágrafo 52 de As Paixões da Alma: "o
emprego de todas as paixões consiste apenas no fato de disporem a alma a querer
coisas que a Natureza dita serem úteis a nós, e a persistir nessa vontade,
assim como a mesma agitação dos espíritos [animais] que costuma causá-las
dispõe o corpo aos movimentos que servem à execução dessas coisas". (Ver
também os parágrafos 137 e 138.)
Detenhamo-nos
ainda um pouco sobre esse tópico. À primeira vista, é fácil reconhecer que o
amor, a coragem e alegria, por exemplo, provêm de princípios bons e concorrem para
o nosso bem. No entanto, mesmo essas paixões boas podem ser mal conduzidas e desvirtuadas,
levando, respectivamente, ao ciúme, à temeridade e ao estouvamento.
Por
outro lado, não é imediata a identificação de origens boas e providenciais das
quais paixões como a cólera ou o orgulho possam provir. Descartes, Kardec e os
Espíritos que com ele colaboraram nos asseguram que os há, todavia. Ensaiemos
uma busca.
A
cólera é o sentimento violento de desagrado e revolta que costuma surgir de
ofensas físicas ou morais graves, não raro desaguando em ações retaliatórias
variadas.
Examinando
o caso, percebemos que a face moralmente insustentável da cólera é a vingança,
bem como o tumulto interior a que arroja. Entretanto, em suas origens podemos localizar
algo bom: a desaprovação da agressão. Ora, tal desaprovação deflui naturalmente
do senso moral, da faculdade de discernir o certo do errado, de que não podemos
abdicar sem retroceder ao estágio da animalidade. O perdão que a ética espírita
e cristã recomenda de modo algum significa a aprovação moral das ofensas.
O
orgulho, por sua vez, é o sentimento de superioridade em relação aos
semelhantes, capaz de induzir-nos a desprezá-los e até mesmo a subjugá-los,
quando temos poder para tanto. Embora patentemente injustificável frente ao
conhecimento espírita, remontando aos seus princípios talvez possamos
identificar algo como a confiança nas próprias potencialidades. Sentimento
benéfico, essa auto-confiança é indispensável para que não nos amolentemos, não
descreiamos de nosso aprimoramento físico, intelectual, artístico e moral. É
somente quando, por excesso, ultrapassa seus limites naturais, que ela se
transmuda em orgulho pernicioso.
5. Na
direção do Infinito
Não
poderíamos concluir este pequeno trabalho sem mencionar que no final da
terceira parte de seu livro Descartes apresenta brevemente um outro aspecto das
percepções da alma, complementar ao das paixões, tais quais as entendia. Vimos
que para ele estas últimas tinham sempre uma "contraparte" orgânica.
Sugerimos, por nossa vez, que esse aspecto talvez não seja central nas paixões,
que parecem antes ser inerentes à própria alma.
De
qualquer modo, dentro do referencial que elaborou, Descartes também notou que
há percepções da alma que radicam nela própria, ou, em suas palavras,
"emoções interiores que são excitadas na alma apenas pela própria
alma" (§ 147; grifamos). Um dos exemplos que dá é a "alegria
intelectual" que sentimos quando lemos um romance ou assistimos a uma peça
teatral em que as situações excitam em nós diversas paixões, como a alegria, a
tristeza, o ódio, o amor, trazendo-nos todas uma espécie de prazer de ordem
superior.
Vejamos
estas belas passagens do parágrafo 148, em que Descartes desenvolve o tema:
Ora,
visto que essas emoções interiores nos tocam mais de perto e têm, por
conseguinte, muito mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com
elas, e das quais diferem, é certo que, contanto que a alma tenha sempre do que
se contentar em seu íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não
dispõem de poder algum para prejudicá-la. Servem, antes, para lhe aumentar a
alegria, pelo fato de, vendo que não pode ser por elas ofendido, conhecer com
isso a sua própria perfeição. E, para que a nossa alma tenha assim do que estar
contente, precisa apenas seguir estritamente a virtude. Pois quem quer que haja
vivido de tal maneira que sua consciência não possa censurá-lo de alguma vez
ter deixado de fazer todas as coisas que julgou serem as melhores (que é o que
chamo aqui seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão poderosa para
torná-lo feliz que os mais violentos esforços da paixão nunca têm poder suficiente
para perturbar a tranqüilidade de sua alma.
Descartes
aponta, assim, uma espécie de sublimação dos sentimentos, na direção da alegria
perene e sem mácula que resulta tão-somente da prática da virtude. Essa a alegria
que viveremos um dia, quando, pelos nossos esforços, lograrmos alcançar a excelsa
condição de Espíritos puros.
Notas
1. Gostaria de agradecer a Márcio Corrêa,
Cosme Massi e Matthieu Tubino pelos comentários
feitos a versões preliminares deste trabalho.
2. Nesta e demais citações do Livro dos
Espíritos utilizamos o texto original, aproveitando em
grande parte a tradução de Guillon Ribeiro,
publicada pela Federação Espírita Brasileira.
3. Sobre a ciência espírita, ver nossos
artigos "O paradigma espírita" e "A excelência
metodológica do Espiritismo", bem como
as referências neles contidas.
4. Nesta e demais citações desse livro utilizamos
o original francês, aproveitando, quando
possível, a tradução brasileira indicada na
lista bibliográfica.
5. Essa tensão já havia aliás sido comentada,
em termos diversos, por Paulo no capítulo 7 da
Epístola aos Romanos.
6. Para uma análise sucinta desse ponto ver
nosso artigo "Os fundamentos da ética espírita".
Referências
CHIBENI, S.S. "Os fundamentos da ética espírita", Reformador, junho de 1985, pp. 166-9.
---. "A excelência metodológica do
Espiritismo", Reformador, novembro de 1988, pp. 328-33, e
dezembro de 1988, pp. 373-78.
----. "O paradigma espírita",
Reformador, junho de 1994, pp. 176-80.
DESCARTES, R. Les Passions de l'Âme. In: Adam, C. e Tannery, P. (eds.) Oeuvres de Descartes.
Tomo XI, pp. 291-497. Paris, Vrin, 1967. (As
Paixões da Alma. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado
Jr. In: Descartes - Obra Escolhida, pp.
295-404. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973.)
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris,
Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O Livro dos
Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, 64a ed.,
Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
GEAK – Grupo de Estudos Allan Kardec
Artigo publicado em Reformador, abril/1998, pp. 112-15 e 125-7.Leitura Recomendada;
COMO MOISÉS ATRAVESSOU O MAR VERMELHO (NOVO)
A
AURA E OS CHACRAS NO ESPIRITISMO (NOVO)
COMO
ENTENDER A ORTODOXIA - PARTE II
(NOVO)
COMO
ENTENDER A ORTODOXIA - PARTE I (NOVO)
ORGULHO (NOVO)
SOBRE
A EDUCAÇÃO1 (NOVO)
ESCOLA
FUNDADA NO MONT-JURA (NOVO)
DA
INVEJA
(NOVO)
HUMILDADE
- Termos traduzidos do francês (NOVO)
AS
PIRÂMIDES DO EGITO E O MUNDO ESPIRITUAL (NOVO)
LITERATURA
MEDIÚNICA
(NOVO)
A
DEGENERAÇÃO DO ESPIRITISMO
CARTA
DE ALLAN KARDEC AO PRÍNCIPE G.
A
CIÊNCIA EM KARDEC
O
QUE PENSA O ESPIRITISMO
ESPIRITISMO
E FILOSOFIA
O
PROBLEMA DO DESTINO
PIONEIRISMO
E OPOSIÇÃO DA IGREJA
ESPIRITISMO
Ou será científico ou não subsistirá
ESTUDO
SEQUENCIAL OU SISTEMATIZADO?
CEM
ANOS DE EVANGELIZAÇÃO ESPÍRITA
DIMENSÕES
ESPIRITUAIS DO CENTRO ESPÍRITA
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2014/06/dimensoes-espirituais-do-centro-espirita.html
O
ESPIRITISMO E A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
PRIMEIRO
LIVRO DE ALLAN KARDEC TRADUZIDO PARA O BRASIL
O
SEGREDO DE ALLAN KARDEC
A
DIMENSÃO ESPIRITUAL E A SAÚDE DA ALMA
O
ASPECTO FILOSÓFICO DA DOUTRINA ESPÍRITA
O
SILÊNCIO DO SERVIDOR
TALISMÃS,
FITINHAS DO “SENHOR DO BONFIM” E OUTROS AMULETOS NUM CONCISO COMENTÁRIO
ESPÍRITA
“CURANDEIROS
ENDEUSADOS”, CIRURGIÕES DO ALÉM – SOB OS NARCÓTICOS INSENSATOS DO COMÉRCIO
DILÚVIO
DE LIVROS “ESPÍRITAS” DELIRANTES
TRATAR
OU NÃO TRATAR: EIS A QUESTÃO
ATRAÇÃO
SEXUAL, MAGNETISMO, HOMOSSESUALIDADE E PRECONCEITO
RECORDANDO
A VIAGEM ESPÍRITA DE ALLAN KARDEC, EM 1862
OS
FRUTOS DO ESPIRITISMO
FALTA
DE MERECIMENTO OU DE ESTUDO?
FORA
DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
EURÍPIDES
E HÉCUBA
O
HOMEM DA MÁSCARA DE FERRO
FONTE
DE PERFEIÇÃO
MESMERISMO
E ESPIRITISMO
VIVÊNCIAS
EVOLUTIVAS DE ALLAN KARDEC
AS
MESAS GIRANTES
RESGUARDEMOS
KARDEC
REFLEXÃO
SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO
AUTO
DE FÉ DE BARCELONA
ACERCA
DA AURA HUMANA
COMO
PODEMOS INTERPRETAR A FRASE DE JESUS: "A tua fé te curou"?
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2012/12/como-podemos-interpretar-frase-de-jesus.html