“Do Jesus revolucionário e violento ao Jesus mago e folgazão, do fanático apocalíptico ao mestre de sabedoria ou filósofo cínico e indiferente à escatologia, qualquer situação que se possa conceber, qualquer teoria extrema que se possa imaginar já foram há muito propostas, com as posições antagônicas anulando-se mutuamente e com os erros do passado sendo repetidos por novos escritores afoitos. Num certo sentido, existem tantos ‘livros sobre Jesus’ que dariam para três vidas, e um budista pecador poderia muito bem ser condenado a passar as próximas três encarnações lendo-os todos.”1
HAROLDO
DUTRA DIAS
Prosseguindo
em nossa jornada pelas estradas do Cristianismo do primeiro século, torna-se
necessário esclarecer o estado atual da pesquisa acadêmica, fazendo um balanço
dos seus avanços e retrocessos nos últimos três séculos, antes de relacioná-la com
as revelações da Espiritualidade Superior.
Duas
razões justificam esse procedimento. De um lado, a constatação de que foram ropostas,
ao longo do tempo, as maiores extravagâncias com relação à pesquisa da vida de
Jesus, “com os erros do passado sendo repetidos por novos escritores afoitos”, na
feliz expressão de John Meier, exigindo do leitor alta dose de senso crítico, antes
de defender essa ou aquela idéia. De outro lado, o reconhecimento de que as
obras mediúnicas, igualmente, reclamam exame acurado, para que não se adote postura
mística incompatível com a fé raciocinada.
Corroborando
nossas assertivas, a advertência de Emmanuel é providencial.
Além
do túmulo, o Espírito desencarnado não encontra os milagres da sabedoria, e as novas
realidades do plano imortalista transcendem aos quadros do conhecimento contemporâneo,
conservando-se numa esfera quase inacessível às cogitações humanas, escapando, pois,
às nossas possibilidades de exposição, em face da ausência de comparações analógicas,
único meio de impressão na tábua de valores restritos da mente humana.2 (Destaque
do autor)
Assim, ao combinar revelação mediúnica e pesquisa histórica, torna-se essencial definir quais autores serão consultados, tanto no plano físico quanto no plano espiritual.
Do
ponto de vista espiritual, privilegiamos a Codificação e a produção mediúnica
de Francisco Cândido Xavier, sem que isso represente qualquer menosprezo de
nossa parte a outros médiuns confiáveis e honrados. O motivo da escolha se deve
à especificidade do tema em estudo, mais amplamente desenvolvido neste conjunto
de obras.
Com
relação aos trabalhos acadêmicos, a questão se torna mais tormentosa. A
investigação histórica sobre Jesus e sobre o Cristianismo do primeiro século,
como todo trabalho científico, apresenta fases de desenvolvimento, refletindo o
progresso da pesquisa. Nesse
sentido, é imperioso saber a que fase pertence determinado autor, sob pena de
se tomar como verdade conclusões que já foram amplamente rechaçadas pela geração
posterior de estudiosos.
Vê-se
que o desafio será, a cada passo, conjugar revelação espiritual segura com
pesquisa histórica atualizada, séria, embasada.
Feitas essas considerações,
faremos um breve resumo das fases da pesquisa sobre o Cristianismo Primitivo,
apontando os autores mais representativos de cada etapa, suas propostas,
conclusões, erros e acertos. Mãos a obra!
Primeira
Fase: Nos
domínios da Oralidade
Nos
três primeiros séculos do Cristianismo,
a busca pelo “Jesus histórico” era realizada junto às testemunhas oculares, que
haviam presenciado seus feitos, suas prédicas, seu sacrifício extremo. Todos
queriam beber na fonte da tradição apostólica. O material de consulta
disponível era fruto da narrativa dos apóstolos e dos demais seguidores do
Mestre, bem como do testemunho dos beneficiários das curas, dos milagres, enfim,
das confidências de todas as pessoas simples e anônimas que tiveram o
privilégio do contato direto com o Cristo.
Nessa
época, a história do Cristianismo Primitivo estava sendo construída, ao preço
do sacrifício e da renúncia.Muitas vidas foram ceifadas para que a luz da Boa
Nova pudesse atravessar os séculos. Com
o sangue do martírio foram traçadas as mais belas páginas desta epopéia.
Neste
quadro de perseguição, é compreensível o pouco interesse pela sistematização da
história do Cristianismo. Coube a Lucas, sob a orientação de Paulo de Tarso, dar
os primeiros passos, compondo dois livros: O Evangelho e Atos dos Apóstolos.
Todavia, o objetivo deste autor, com a redação destas obras, é mais de um
evangelizador do que de um historiador. Nem poderia ser diferente.
Com
a conversão do imperador Constantino
(ano 312 d.C.), o Cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano.
No entanto, as autoridades da época enfrentam um problema crucial para a
sobrevivência dessa aliança. Como
conciliar a simplicidade e pureza daquele movimento, cujo fundador fora um
galileu humilde, que vivera nas margens do Tiberíades, com a pompa do Império? Como
harmonizar os aspectos essencialmente judaicos da Boa Nova, resultado de mais
de dois mil anos de história do povo hebreu, com a cultura greco-romana?
Por
fim, como estabelecer o monoteísmo onde vigorava o culto aos deuses tutelares
da família, da agricultura, da raça? A Igreja Romana foi a resposta,
historicamente bem--sucedida, para essas indagações.
A
institucionalização das igrejas, o estabelecimento do papado, a pompa
emprestada ao culto, a proliferação de imagens e rituais aplacou a sede
greco-romana dos cidadãos do Império, convertidos ao movimento do Profeta de
Nazaré, não obstante sua doutrina tenha sido completamente descaracterizada, sobretudo
em razão do rompimento total com as suas origens.
No
período compreendido entre o ano 400-1700 d.C., o profeta galileu, simples e
austero, bondoso e justo, considerado pelos seus contemporâneos como o Messias de
Israel, foi transformado em uma das pessoas da Trindade, ao mesmo tempo Filho e
Pai, feito da mesma substância do Criador.Um verdadeiro Deus, à moda dos deuses
gregos Zeus, Apolo, Hermes.
Esse
“endeusamento” da figura do Cristo estancou a busca pelas suas origens, sua
cultura, seus ensinos. Nessa época, vigorava a mais absoluta confusão entre o “Jesus
histórico” e o “Jesus da fé”.
Adorado
como o Deus encarnado, nenhum estudioso tinha tamanha autonomia intelectual
para transformar esse personagem em objeto de pesquisa histórica, nem coragem
para enfrentar as fogueiras da Inquisição.
Num mundo de escassos pergaminhos e
reduzidos leitores, de hegemonia da tradição oral, de confusão entre Religião e
Estado, não seria de se admirar que a abordagem objetiva, imparcial, criteriosa
da vida de Jesus fosse uma utopia.
Essa
primeira fase, cuja duração atingiu a marca dos dezessete séculos, pode muito
bem ser compreendida como a etapa da abordagem puramente religiosa e teológica.
Não havia Ciência, tal como é hoje compreendida, razão pela qual crença e
preconceito, opinião e certeza, freqüentemente, se misturam, exigindo prudência.
Fonte: Reformador Ano 125 / Julho, 2007 / N o 2.140
Referências:
Referências:
1MEIER, John
P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago,
1993. p. 13.
2XAVIER,
Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB,
2007. “Definição”, p. 20.
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