sábado, 4 de junho de 2016

História da Era Apostólica - Racionalismo


“Como apreciar os racionalistas que se orgulham de suas realizações terrestres, nas quais pretendem encontrar valores finais e definitivos?

– Quase sempre, os que se orgulham de alguma coisa caem no egoísmo isolacionista que os separa do plano universal, mas, os que amam o seu esforço nas realizações alheias ou a continuidade sagrada das obras dos outros, na sua atividade própria, jamais conservam pretensões descabidas e nunca restringem sua esfera de evolução, porquanto as energias profundas da espiritualidade lhes santificam os esforços sinceros, conduzindo-os aos grandes feitos através dos elevados caminhos da inspiração.”1

HAROLDO DUTRA DIAS

A Segunda Fase do estudo da vida de Jesus, resultado do Iluminismo, é marcada pelas características daquele movimento – Racionalismo, Empirismo, oposição aos dogmas da Igreja – e pode muito bem ser compreendida como a primeira etapa2 da abordagem científica dos textos bíblicos.

Albert Schweitzer3 divide esse período (Segunda Fase) em quatro etapas distintas: a) Inicial (H. S. Reimarus), 2a) Racionalismo primitivo (J. J.Hess, F.V. Reinhardt, J. A. Jakobi e J. G.Herder), 3a) Racionalismo pleno (H. E. G. Paulus, K. A. Hase, F. E. D. Schleiermacher), 4a) Final (David. F. Strauss). Os dois autores principais deste período, sem dúvida, são H. S. Reimarus e David F. Strauss, responsáveis pelo surgimento e pelo encerramento deste Movimento. 


Em edições anteriores, apresentamos um breve resumo da contribuição de Reimarus ao estudo dos textos evangélicos, salientando seu caráter inovador, em razão de ter adotado uma perspectiva puramente histórica no tratamento do tema, e destacando suas duas preciosas contribuições: a divisão metodológica entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”, e a proposição de que a pregação de Jesus só pode ser compreendida a partir do contexto da religião judaica do seu tempo.

Por outro lado, urge esclarecer que, simultaneamente ao lançamento dos “fragmentos de wolffenbüttel”,4 houve uma profusão de publicações conhecidas como “Vidas de Jesus do Racionalismo Primitivo” (2a etapa), sobre as quais discorreremos nesta edição.

O Racionalismo primitivo coloca-se entre o sobrenaturalismo ingênuo, que confia cegamente no dogma embora seja receptivo aos aspectos espirituais da vida, e o racionalismo pleno, que aceita apenas os aspectos racionais da religião com absoluta exclusão do elemento espiritual.

Na avaliação de Schweitzer, as melhores características do Racionalismo primitivo são a ingenuidade e a honestidade. É digno de nota o esboço desta etapa traçado pelo ilustre autor:5

As primeiras Vidas de Jesus racionalistas estão, de um ponto de vista estético, entre as menos agradáveis de todas as produções teológicas. O sentimentalismo de suas representações não tem limites. Sem limite também, e ainda mais inaceitável, é a falta de respeito para com a linguagem de Jesus. Ele tem que falar de uma forma racional e moderna, e portanto todas as suas falas são reproduzidas num estilo da mais polida modernidade. Nenhuma frase foi deixada como foi falada; todas elas são feitas em pedaços, parafraseadas, expandidas, e, algumas vezes, com o fim de torná-las realmente vívidas; elas são refundidas no molde do diálogo livremente inventado. Em todas estas Vidas de Jesus, nem uma só de suas falas mantém sua forma autêntica. E, no entanto, não podemos ser injustos com os seus autores. O que eles pretendiam era trazer Jesus para perto do próprio tempo deles, e assim fazendo tornaram-se os pioneiros do estudo histórico de Sua vida. Os defeitos de suas obras, em relação ao senso estético e ao fundo histórico, são suplantados pela atratividade do pensamento propositado e não preconceituoso que aqui desperta, espreguiça-se e começa a mover--se com liberdade.6

Os autores da Segunda Fase esforçam-se por libertar a mensagem do Cristo dos séculos de dogma e superstições que a encobriram. No entanto, a proposital exclusão do elemento espiritual bem como a confiança cega na incipiente ciência da época nos transmite a impressão de que houve apenas a troca do dogmatismo religioso pelo dogmatismo científico. 

Encerrando esse período, surge a figura de David F. Strauss, o mais renomado expoente do Racionalismo pleno. Na sua concepção, todos os elementos extraordinários da vida de Jesus devem ser categorizados à conta de mitos.

Partindo do estudo comparativo das religiões, Strauss procura identificar nas arrativas evangélicas grandes temas míticos, também presentes nas demais religiões do Orbe, imprimindo às suas avaliações um cunho fortemente psicológico.

A proliferação de biografias liberais de Jesus no século XIX, incluindo os nomes de David F. Strauss (1808-1874), de Ernest Renan (1823-1892), de H. H. Holtzmann (1832-1910) e de Johannes V. Weiss (1863-1914), revela que o ideal da objetividade e da isenção, tão proclamado pelo Racionalismo, nunca foi atingido.

Albert Schweitzer7 formula dura crítica à concepção que orientou a investigação realizada pelos autores do século XIX, revelando a fragilidade e a inconsistência das “vidas de Jesus” escritas no espírito do liberalismo da época. Ficou demonstrado que cada autor retratava Jesus à sua própria imagem.

O conhecimento desses fatos serve de alerta, sobretudo para os espíritas, competindo-nos examinar as pesquisas dos estudiosos do mundo com atenção e cuidado, mas sempre cotejando suas conclusões com a revelação espiritual. Em suma, urge reconhecer o cará caráter eminentemente subjetivo da ciência humana, ainda distante das equações definitivas no que respeita ao estudo dos textos sagrados.

Consoante às orientações do Benfeitor Emmanuel no lide deste artigo:


 [...] os que amam o seu esforço nas realizações alheias ou a continuidade sagrada das obras dos outros, na sua atividade própria, jamais conservam pretensões descabidas e nunca restringem sua esfera de evolução, porquanto as energias profundas da espiritualidade lhes santificam os esforços sinceros, conduzindo-os aos grandes feitos através dos elevados caminhos da inspiração.8

Assim, fugindo de toda extravagância intelectual, mantendo a humildade, vivenciando o ensino do Mestre, aprimorando a capacidade de análise através do estudo metódico e consistente, nos habilitamos ao recebimento da inspiração superior, que nos conduz, invariavelmente, ao porto seguro da verdade.

Fonte: Reformador Ano 125 / Dezembro, 2007 / N o 2.145

Referências:

1XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003. Questão 203.
2A maior parte dos estudiosos do tema prefere chamar o período inaugurado por H. S. Reimarus de Primeira Fase, já que desconsideram toda a produção do supranaturalismo. Em certo sentido, estão corretos  já que não se pode falar em “busca do Jesus histórico”, antes do trabalho daquele autor. Todavia, como pretendemos traçar um esboço do estudo da figura de Jesus, em sentido amplo, preferimos incluir o período anterior ao Iluminismo.
3SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus histórico. São Paulo: Novo Século, 2003.32 478 Reformador • Dezembro 2007
4Nome dado aos sete fragmentos escritos por H. S. Reimarus, publicados por reformador dezembro 2007 - b.qxp 23/1/2008 14:15 Page 32 Gothold Ephraim Lessing, em 1778, na Alemanha.
5Albert Schweitzer (1875-1965) foi organista concertista de fama, teórico da música, pastor e pregador, professor de Teologia, diretor de um seminário teológico, médico, humanista, e ganhador do Prêmio Nobel da Paz.
6SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus histórico. São Paulo: Novo Século, 2003. Cap. III, p. 39.
8XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003. Questão 203.



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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Emancipação da Alma - Sensibilidade X Insensibilidade

Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Um dos fenômenos mais extraordinários que se pode verificar através de um estado de emancipação da alma é o da insensibilidade física. Não é todo estado de emancipação que pode provocar essa situação, nem qualquer indivíduo. Porém, quando se manifesta, chama sempre a atenção pelo inusitado. Escreveu Deleuze em seu livro Instruções Práticas sobre o Magnetismo que “entre os fenômenos que frequentemente tem apresentado o sonambulismo há do qual se pode tirar, em certas circunstâncias, a maior vantagem: tal é o da insensibilidade absoluta. Tem-se visto sonâmbulos a quem se pode beliscar e espetar com força sem que o sentisse”. 

Por outro lado, sabe-se o quanto certos indivíduos em estado de transe se tornam sensíveis num sentido especial. Percebem os sentimentos e intenções das pessoas à sua volta que lhe produzem sensações agradáveis ou desagradáveis de conformidade com o que vai no íntimo delas. A presença de curiosos ou opositores pode causar mal-estar e obstar o bom funcionamento das suas faculdades psíquicas.

Na mesma obra abordou Deleuze essa questão da seguinte forma: “Afastareis todas as testemunhas inúteis, todos os curiosos, e em especial os incrédulos”.

Se alguém entra no ambiente de experiências de inopino, isso pode causar impressões que através das vibrações emitidas atrapalham o processo de emancipação da alma e provocam certos distúrbios ao fenômeno e seus resultados. Há aqueles que sentem com facilidade a emanação fluídica das pessoas e coisas ao seu redor devido a uma extrema sensibilidade magnética que possuem nesse estado. Nesses casos não é necessário dizer que o toque direto deve ser evitado por quem não o induziu ao transe. 

A despeito dessa extraordinária sensibilidade e percepção, há aqueles que desenvolvem a capacidade de insensibilizar-se fisicamente. Mantém a sensibilidade da alma, mas não são afetados através dos sentidos. O tato foi anulado, assim como a audição, a visão e o olfato. 

A esse respeito assim se expressou o Barão du Potet em seu livro Tratado Completo de Magnetismo Animal: 

Donde vem esse poder incomensurável do magnetismo que chega a suspender a sensibilidade durante as operações mais dolorosas e que permite aos instrumentos lacerar as carnes, cortá-las e queimá-las sem que o paciente emita um grito, sem que ele enfim sinta uma única das angústias e, digo mais, sem que ele tenha uma pulsação a mais do que no seu estado de calma? 

Mais adiante o Barão relata uma das cirurgias praticada em Cherbourg, de glândulas cancerosas, pelo Dr. Loysel assistido pelo Sr. Gibon, médico-cirurgião. A cirurgia, ocorrida em 19 de setembro de 1846 teve os dados extraídos dos autos do relatório e foi assistida por mais 50 pessoas. Citamos apenas alguns trechos.

 “Às duas horas e quarenta minutos, a paciente foi magnetizada e adormecida pelo Sr. L. Durand, de uma distância de dois metros e em menos de três segundos. Então o cirurgião, para se assegurar da insensibilidade da doente, perfurou-a bruscamente e por repetidas vezes com um longo estilete na carne do pescoço; um frasco de amoníaco concentrado foi colocado sobre o nariz da paciente. Esta permanece imóvel; nenhuma sensação é percebida, nenhuma alteração se mostra sobre sua feição e nem uma única impressão de fora chega até ela.” 

[...] 

“Por toda a duração da operação, a Srta. Le Marchand permaneceu calma e insensível; nenhuma emoção a agitou; nenhuma contração muscular aconteceu, mesmo quando o bisturi penetrou na carne; ela estava como uma estátua; enfim, a insensibilidade era absoluta.” 

Terminada a cirurgia, dizem os autos, a paciente sorria sem nenhuma lembrança do que tinha ocorrido, com o semblante a demonstrar calma e bem-estar.

Aumento da sensibilidade psíquica e redução da sensibilidade física fazem parte dos fenômenos de emancipação da alma, dos quais ainda pouco se conhece necessitando de estudos e pesquisas para descobrirmos toda a sua aplicabilidade.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Emancipação da Alma - O Sono E Os Sonhos II

 Os sonhos representam as vivências do Espírito nos momentos em que o corpo adormece e libera aquele parcialmente das amarras da matéria física. Nesse estado, a alma encontra-se mais livre e em condições melhores para utilizar as suas faculdades com maior amplitude. “O sonho é a lembrança do que o vosso Espírito viu durante o sono”*, escreveu Kardec. Às vezes os sonhos são lembrados com precisão, às vezes parece que foram apagados da mente. De outras, vão se desva-necendo com o passar dos minutos ou das horas, após o sujeito ter despertado no corpo.

Quanto mais profundo o sono, maior pode ser o desprendimento do Espírito. Isto significa que as suas andanças fora do corpo sofrem me-nos influência da matéria ao mesmo tempo em que ficam menos grava-das no cérebro físico, pois não foram captadas através dos sentidos corporais.

Por vezes, os sonhos se mostram simbólicos. Para entendermos o porquê disso, é preciso lembrar que há uma diferença vibratória muito grande entre o Espírito, que é muito sutil, e o corpo, que é muito denso. Assim sendo, o que se passa ao nível do Espírito não consegue ser registrado de forma eficiente e completa pelos mecanismos biológicos. Daí, surge um simbolismo como se fosse um recurso de conversão a fim de que fique marcado no cérebro físico aquilo que foi experienciado pela alma.

Dito isso, podemos entender que não existe interpretação dos sonhos como vulgarmente se pensa. Cada símbolo utilizado é particular, não tem uma conotação genérica, “(...) de modo que é absurdo acreditar-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra”.** Além disso, os sonhos podem ser confusos quando se misturam imagens do passado com o presente, a visão do Espírito fora do corpo com as suas preocupações do dia a dia, ou quando as lem-branças são fragmentadas, como se faltassem pedaços. É comum não ficar impresso no sonho o momento em que o Espírito se au-senta do corpo e quando a ele retorna. Assim, se tornam ininte-ligíveis os sonhos. De qualquer modo, na maioria das vezes, não importa saber o que significam os sonhos que tivemos ou o que fizemos quando semidesligados do corpo. Se recebemos orienta-ções dos Bons Espíritos e não lembramos, que elas fiquem guarda-das no nosso íntimo e que consigam ser colocadas em prática quan-do necessário, que alimentem a alma com uma luz nova a clarear a nossa inteligência na direção do bem.

O sono e os sonhos são fases do processo geral de emancipação da alma. São momentos de refrigério em que podemos nos encontrar com seres melhores que nós ou aliviar a saudade que sentimos daqueles que já partiram. É como uma oportunidade de suavizar a “dureza” da vida material que Deus permite esses momentos fora do corpo físico.

Referências:

* O Livro dos Espíritos, questão 402.
** O Livro dos Espíritos, questão 404.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Emancipação da Alma - O Sono E Os Sonhos

Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

O estado de emancipação da alma mais comum é o do sono. Os sonhos são uma consequência do ato de dormir e que ocorre dentro de certas condições. Quando se dorme o Espírito desprende-se parcialmente do corpo e, aproveitando os momentos de liberdade, busca aquilo que constitui a sua fonte de prazer, seja no bem, na frivolidade ou na maldade. Reduzidas as atividades corporais, as ligações entre o Espírito e o corpo relaxam-se e o primeiro pode gozar de uma relativa liberdade, tanto maior quanto mais condições o corpo ofereça para esse desprendimento e a depender de certas disposições do Espírito.

Estando adormecido o corpo, o gasto de energia se torna bastante reduzido, só o suficiente para a manutenção das funções basais. Desse modo, as energias absorvidas durante o sono tendem a reabastecer o organismo físico para a continuação da vida na matéria e o exercício das suas atividades.

Durante o sono, a alma pode entrar em contato com outros Espíritos encarnados ou desencarnados. Pode retemperar-se das lutas diárias através do contato com o Mundo Espiritual e adquirir novas forças para a continuidade da sua tarefa aqui na Terra. Pode também receber orientações para uma melhor condução da sua existência física. Muitas vezes procura ou é  procurado por parentes e amigos que já desencarnaram, o que o faz sentir-se mais consolado e alivia a saudade. Planos reencarnatórios podem ser elaborados, além de programas de tarefas ou missões presentes ou futuras com a colaboração de outros Espíritos. Encontros com obsessores também são passíveis de ocorrer, alimentando a perseguição fora do corpo, bem como reuniões macabras com o intuito de formular e acompanhar planos de maldades individuais ou coletivas.

De acordo com os pendores, cada um procura o ambiente com o qual se afiniza. Alguns procuram por antigos amores ou ódios de encarnações passadas, elementos com os quais conviveram e criaram laços que se estendem no tempo. Outros frequentam festas e reuniões mundanas misturando-se aos encarnados em estado de vigília e aos desencarnados que se satisfazem nesses ambientes. Assim, cada um se alimenta, nos instantes de emancipação através do sono, das energias com as quais se sintoniza. A elevação ou a decadência é algo que vive dentro de cada um, devendo esforçarmos-nos para nos liberar daquilo que represente atraso e desenvolvendo o Espírito no sentido do bem em nós.

Os sonhos representam as mais das vezes fragmentos daquilo que foi vivenciado durante o desprendimento. O pouco desenvolvimento das  faculdades da alma torna-os geralmente incompletos e confusos. Às vezes se mostram simbólicos e podem misturar-se com imagens relacionadas às preocupações do dia a dia. Raramente lembramos completamente do que sonhamos. Quanto mais profundo o sono, mais difícil será recordar-se, ao acordar, do que ocorreu, já que as vivências fora do corpo mais impressionam o sistema nervoso quanto menos desenvolvido for o estado de emancipação.


Até o próximo artigo em que continuaremos abordando sobre o sono e os sonhos.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Emancipação da Alma

Estamos inaugurando uma nova coluna para tratarmos de processos de emancipação da alma, como o sonambulismo magnético, e de outros fenômenos anímicos. A cada edição publicaremos algo a respeito destas faculdades inerentes ao ser humano encarnado, mas pouco conhecidas e exploradas. Pretendemos adentrar pouco a pouco nesse universo teórico e prático e convidamos o leitor a vir conosco.


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com

Emancipar significa tornar independente, libertar. Os fenômenos de emancipação da alma se referem à possibilidade do Espírito encarnado desprender-se do corpo físico, oportunidade que ele tem para usufruir de uma maior independência, parcialmente livre da influência da matéria.

Somente na morte o Espírito está completa e definitivamente desligado do corpo. Enquanto encarnado, "basta que os sentidos entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Para se emancipar, ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo lhe concede. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre, quanto mais fraco for o corpo". (O Livro dos Espíritos, questão 407)

Nestes momentos o Espírito sente-se mais livre, tem percepções que os sentidos físicos não permitem, pode lembrar o passado e prever o futuro. Vários são os fenômenos ocasionados por este estado singular de desprendimento. O sono e os sonhos são os mais conhecidos e comuns de todos. Há ainda a catalepsia e a letargia, a dupla vista, o sonambulismo e o êxtase, a telepatia, a morte aparente e a insensibilidade física. Ao longo dos artigos iremos estudando um a um, apresentando as suas características e buscando entender o seu funcionamento.

Desde a fecundação, quando ocorre a imantação entre o Espí-rito e o embrião, essa ligação magnética vai-se fortalecendo pouco a pouco até completar-se depois de algum tempo após o nascimento, quando a criança desenvolve autonomia e inde-pendência. Durante algum tempo o bebê passa a maior parte do dia em estado de emancipação, semidesligado do corpo, dormindo, com a finalidade de ir-se adaptando à vida material. Isto é fator comum a todas as pessoas. 

Há aquelas, todavia, que desenvolvem uma capacidade espe-cial e demonstram em determinadas circunstâncias uma facul-dade de emancipação da alma que nem todo mundo possui pois requer condições específicas. "Há disposições físicas que permitem ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da matéria". (O Livro dos Espíritos, questão 433). 

Estes fenômenos, também chamados de anímicos, eram do conhecimento dos magnetizadores tidos como clássicos. Allan Kardec, por ter sido magnetizador durante 35 anos, também os conhecia, daí o seu interesse em solicitar esclarecimentos sobre os mesmos aos Espíritos Superiores que o assistiam, publicando-os na segunda parte de O Livro dos Espíritos, capí-tulo VIII. Aqueles que se interessarem pelo assunto, podem encontrar ainda artigos diversos na Revista Espírita, escrita pelo Codificador da Doutrina Espírita.

Até o próximo artigo.

Fonte: Jornal Vortice  ANO VIII, Nº 04 -– Setembro - 2015

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sábado, 27 de fevereiro de 2016

História da Era Apostólica - Supranaturalismo x Racionalismo


“A Ciência e a Religião não puderam, até  hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse.  Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem [...].”1


HAROLDO DUTRA DIAS

Em edições anteriores, destacamos que a Primeira Fase do estudo da vida de Jesus pode muito bem ser compreendida  como a etapa da abordagem puramente religiosa e teológica. [Ver Reformador dos meses de junho/ 07, p. 34, e julho/07, p. 34.]

O “endeusamento” da figura do Cristo estancou a busca pelas suas origens, sua cultura, seus ensinos. Nessa época, vigorou o chamado supranaturalismo,2 visto como credulidade ingênua nos milagres e nas curas de Jesus, e na unidade da natureza divina e da natureza humana na pessoa do Cristo (dogma da encarnação).

Na esteira do Empirismo Inglês3 (Francis Bacon, 1561-1626) e do Racionalismo Continental4 (René Descartes, 1596-1650) surge Baruch Spinoza (1632-1677), propondoa leitura e interpretação dos livros bíblicos, como todo e qualquer escrito, à luz do Racionalismo.

A oposição à fé e à religião, herança  do Renascimento, culminaria no estabelecimento do Iluminismo (Aufklärung). Immanuel Kant, um expoente da filosofia desta época, definiu o Iluminismo como “a saída dos homens do estado de menoridade (não-emancipação) devido a eles mesmos. Menoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa menoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia. Sapere aude! Ousa saber! É o lema do iluminismo”.5

O século das luzes, trazendo em seu bojo o Empirismo, o Racionalismo, a crítica histórica e textual, o Enciclopedismo, não poupou os textos bíblicos. O complexo desenvolvimento de concepções e metodologias, abrangendo várias áreas de estudo, favoreceu a aplicação da crítica aos textos sagrados.

A leitura tradicional e piedosa dos Evangelhos, filha da credulidade ingênua, eivada de ogmatismo religioso milenar, sofre duro golpe. Influenciado pelo Iluminismo, H. S.Reimarus (1694-1768) inaugura a abordagem rigorosamente histórica dos quatro Evangelhos. Tem início, com a publicação dos seus fragmentos, a “busca do Jesus histórico”.

A Segunda Fase6 do estudo da vida de Jesus, iniciada por Reimarus, é marcada pelo espírito da época – Racionalismo. Nesse contexto, há uma resistência sistemática a todos os fatos ditos miraculosos, descritos nas páginas do Novo Testamento. O nascimento virginal, a ressurreição, as curas e os milagres despertam o interesse de inúmeros pesquisadores, que buscam, cada um à sua maneira, explicações “racionais” para esses eventos extraordinários da vida do Mestre.

Assim, concomitante ao lançamento dos “fragmentos de wolffenbüttel”,7 há uma profusão de publicações conhecidas como “Vidas de Jesus do Racionalismo”, caracterizadas como tentativas da Teologia alemã de explicar, do modo mais claro e racional possível, o elemento supranatural das narrativas evangélicas.

A premissa básica desses autores consiste em rejeitar, por falta de embasamento histórico, todos aqueles fatos que não possam ser compreendidos com o auxílio das leis naturais. A dimensão espiritual da vida é rotulada de “sobrenatural” e, conseqüentemente, desprezada. A Ciência, embora ensaiando os primeiros passos, jáse revestia da arrogância, tão duramente criticada na Religião.

Na próxima edição, traçaremos um esboço das idéias principais dos racionalistas, citando os autores mais representativos do período. Antes, porém, cumpre avaliar a atitude desses estudiosos à luz da revelação espiritual.
Abordando a questão do Racionalismo, o Espírito Emmanuel faz considerações valiosas a respeito do assunto:

Questão 199 – Poderá a Razão dispensar a Fé? – A razão humana é ainda muito frágil e não poderá dispensar a cooperação da fé que a ilumina, para a solução dos grandes e sagrados problemas da vida.

Em virtude da separação de ambas, nas estradas da vida, é que observamos o homem terrestre no desfiladeiro terrível da miséria e da destruição. [...]
....................................................
Questão 202 – No problema da investigação, há limites para aplicação dos métodos racionalistas?

– Esses limites existem, não só para a aplicação, como também para a observação; limites esses que são condicionados pelas forças espirituais que presidem à evolução planetária, atendendo à conveniência e ao estado de progresso moral das criaturas.

É por esse motivo que os limites das aplicações e das análises chamadas positivas sempre acompanham e seguirão sempre o curso da evolução espiritual das entidades encarnadas na Terra.8

Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, não somente nos assuntos relacionados ao conhecimento, mas, sobretudo, na construção de uma sociedade pacífica, justa e fraterna.Na feliz expressão do Codificador,9 é preciso encher o vazio que separa Religião e Ciência com o conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo.

Uma vez compreendidas essas relações, os milagres, as curas, e outros fenômenos eminentemente espirituais, descritos nos Evangelhos, serão vistos como decorrentes de leis imutáveis. Vencida essa resistência tola, imposta pela ciência materialista pós-iluminista, o aprendiz do Mestre estará em condições de extrair o espírito da letra, recolhendo as lições imorredouras que fluem dos fatos extraordinários da Vida de Jesus.


Fonte; Revista de Espiritismo Cristão Ano 125 / Novembro/2007  N o 2.144

Referencias:


1KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 127. ed. Rio de Janeiro: FEB,2007. Cap. I, item 8, p. 61.
2“O que acontece na natureza, mas não decorre das forças ou dos procedimentos da natureza e não pode ser explicado com base neles. É um conceito próprio da Teologia Cristã, que atribui à fé a crença no sobrenatural, assim entendido.” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.5. ed. revista e ampliada. Martins Fontes. p. 1080.
3Corrente filosófica para a qual toda ideia é proveniente de uma percepção sensorial (cinco sentidos), logo a experiência é critério ou norma da verdade. Nesse sentido, toda verdade pode e deve ser posta à prova, e, em conseqüência, modificada, corrigida ou abandonada. Entre seus representantes podemos citar Francis Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume
4Posição filosófica dos séculos XVII e XVIII, na Europa, supostamente em oposição à escola que predominava nas ilhas britânicas, o Empirismo, tendo como expoentes Descartes,Malebranche, Spinoza, Leibniz,Wolff.
5ABBAGNANO,Nicola.Dicionário de filosofia. 5. ed. revista e ampliada. Martins Fontes. p. 618.
6A maior parte dos estudiosos do tema prefere chamar o período inaugurado por H. S. Reimarus de Primeira Fase, já que desconsideram toda a produção do Supranaturalismo. Em certo sentido, estão corretos já que não se pode falar em “busca do Jesus histórico”, antes do trabalho daquele autor. Todavia, como pretendemos traçar um esboço do estudo da figura de Jesus, em sentido amplo, preferimos incluir o período anterior ao Iluminismo. Baruch Spinoza: leitura e interpretação dos livros bíblicos à luz do Racionalismo Immanuel Kant
7Nome dado aos sete fragmentos escritos por H. S. Reimarus, publicados por Gothold Ephraim Lessing, em 1778, na Alemanha. Novembro
8XAVIER, Francisco Cândido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.
9Texto utilizado como epígrafe deste artigo (Referência 1). 38 444 Reformador • Novembro 2007


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