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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O PARADIGMA ESPÍRITA

Silvio Seno Chibeni

Resumo:

Este trabalho indica as linhas gerais da visão kuhniana de ciência, em contraste com as concepções anteriores. Depois, argumenta que a Doutrina Espírita constitui um paradigma científico, no sentido apontado por Kuhn, sendo, portanto, genuinamente científica. O criador do paradigma foi Allan Kardec. Diante da tradição de ciência normal estabelecida pelo paradigma kardequiano, que prossegue com grande sucesso até nossos dias, transparece a inadequação das tentativas de se iniciarem outros paradigmas (metapsíquica, parapsicologia, etc.).

1. Introdução

Muito se tem discutido nos meios espíritas a questão da cientificidade do Espiritismo. Embora Allan Kardec a tenha abordado de forma precisa e completa, alegam alguns que desenvolvimentos recentes na ciência e em linhas não-espíritas de pesquisa dos fenômenos a que chamam "paranormais" trouxeram novidades ao palco dos debates. Neste trabalho procuraremos investigar o aspecto científico do Espiritismo e a alegação acima, recorrendo à filosofia da ciência contemporânea, e, mais especificamente, aos estudos do filósofo americano Thomas Kuhn.

A filosofia da ciência é o ramo da filosofia que se ocupa da análise do conhecimento científico: seus fundamentos, sua abrangência, sua especificidade, sua evolução. De maior relevância para os nossos presentes propósitos é a questão do chamado critério de demarcação entre ciência e não-ciência, ou pseudo-ciência. Essa questão interessou de perto a todos os filósofos que se dedicaram ao estudo da ciência, havendo se destacado com o surgimento da ciência moderna, nos séculos 16 e 17. Nessa época, as investigações científicas, especificamente no domínio daquilo que hoje chamamos física, conduziram a um notável incremento no poder preditivo e explicativo da ciência, com as contribuições de Galileo, Huygens, Descartes e Newton, entre outros.

Difundiu-se então a idéia, antecipada por Francis Bacon, de que o sucesso da ciência se devia à adoção de um método especial, o chamado método científico. A aplicação desse método é que demarcaria a ciência genuína das atividades não-científicas. A explicitação, compreensão e elaboração do método científico passou a constituir tópico de pesquisa dos filósofos (que, em muitos casos, eram os próprios cientistas a divisão mais ou menos nítida entre a ciência e a filosofia é recente).

Em uma descrição aproximada, pode-se afirmar que a questão do método científico recebeu uma resposta mais ou menos uniforme desde o século 16 até meados de nosso século, quando então começou a ser posta em dúvida. Embora fosse muito útil, não dispomos de espaço aqui para apresentar as idéias centrais da concepção clássica de ciência e das críticas que recentemente levaram à sua substituição.{nota 1} Diremos apenas que essa concepção clássica é ainda a que predomina entre o público leigo, e, em boa parte, entre os cientistas, havendo, pois, um descompasso entre eles e os filósofos e historiadores da ciência contemporâneos.

Em seus traços mais gerais, a visão clássica da ciência assume que uma disciplina científica é aquela que parte de um processo longo de coleta de dados, ou seja, de observação dos fenômenos. Desses dados resultariam então as leis gerais que regem os fenômenos. Reunidas, essas leis formariam as teorias científicas. O progresso da ciência se daria pelo acréscimo de novas observações, das quais resultariam leis adicionais, que iriam se incorporando às teorias.

No processo assim esquematizado são essenciais as seguintes assunções: 1) Na etapa de coleta de dados não intervém nenhuma diretriz teórica: as observações são neutras; 2) Igualmente, as leis resultam dos fenômenos por um método neutro, objetivo e infalível; e, 3) As novas leis descobertas ao longo da evolução da ciência são sempre complementares, nunca incompatíveis, com as leis já estabelecidas.

A articulação suprema dessa concepção tradicional de ciência se deu no bojo do programa filosófico do positivismo lógico, que floresceu nas décadas de 1920 a 1940. Esse programa alcançou níveis admiráveis de sofisticação formal e teórica, vindo a exercer uma profunda e duradoura influência sobre a classe científica. Já em 1934, porém, o filósofo austríaco, mais tarde naturalizado britânico, Karl Popper publicou um livro intitulado A Lógica da Descoberta Científica (Popper 1968), contendo críticas incisivas à concepção clássica, lógico-positivista de ciência. Tais objeções passaram em grande parte desapercebidas até o final da década de 1950, quando apareceu uma versão inglesa do livro, e o programa do positivismo lógico já havia experimentado por mais de duas décadas um processo vigoroso de auto-crítica.

Mais uma vez, limitações de espaço não nos permitem expor aqui as críticas de Popper, ou sua concepção de ciência, conhecida hoje por falseacionismo. Observamos apenas que, a seu turno, o falseacionismo topou com restrições mais ou menos severas, levantadas por outros filósofos da ciência. Dentre eles, os mais importantes são Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Paul Feyerabend.{nota 2} Em trabalhos anteriores (Chibeni 1984, 1988 e 1991), tivemos a ocasião de tratar da filosofia da ciência de Lakatos, em conexão com a questão da ciência espírita. Agora, tentaremos abordar essa mesma questão à luz das idéias kuhnianas da ciência. Salientamos, desde já, que para que fosse levado a cabo de maneira satisfatória, esse empreendimento exigiria uma exposição detalhada da filosofia de Kuhn, o que evidentemente não pode caber nas dimensões de um artigo. Pretendemos, pois, que o que se vai seguir seja tomado apenas como uma motivação para estudos ulteriores.

2. Esboço da filosofia da ciência de Kuhn

Kuhn começou sua carreira acadêmica como físico teórico, interessando-se depois por história da ciência. Ao longo das importantes investigações que empreendeu acerca das teorias científicas passadas, realizadas segundo uma nova perspectiva historiográfica, que procura compreender uma teoria a partir do contexto de sua época, e não do ponto de vista da ciência de hoje, Kuhn se deu conta de que a concepção de ciência tradicional não se ajustava ao modo pelo qual a ciência real nasce e se desenvolve ao longo do tempo. Essa percepção da inadequação histórica das idéias usuais sobre a natureza da ciência o conduziu, finalmente, à filosofia da ciência. Seus estudos nessa área apareceram publicados de modo mais amplo em seu livro de 1962, A Estrutura das Revoluções Científicas. Esse trabalho viria a exercer uma influência decisiva nos rumos da filosofia da ciência. Embora em uma linguagem aparentemente acessível, Kuhn avança nele teses bastante sofisticadas sobre o conhecimento científico e o conhecimento em geral, que receberam críticas filosóficas diversas ao longo dos anos. Naturalmente, este não é o lugar para adentrarmos essas discussões. Limitar-nos-emos a expor simplificadamente alguns dos pontos destacados por Kuhn e que se tornaram reconhecidos, com esta ou aquela alteração menor, pela quase totalidade dos filósofos da ciência. Felizmente, são esses pontos mais consensuais os que maior relevância têm para os nossos propósitos neste artigo.

A espinha dorsal da concepção kuhniana de ciência consiste na tese de que o desenvolvimento típico de uma disciplina científica se dá ao longo da seguinte estrutura aberta:

fase pré-paradigmática > ciência normal > crise > revolução >

nova ciência normal > nova crise > nova revolução ...

Daremos agora uma explicação simplificada das noções envolvidas nessa cadeia evolutiva de uma ciência.

A fase pré-paradigmática representa, por assim dizer, a pré-história de uma ciência, aquele período no qual reina uma ampla divergência entre os pesquisadores, ou grupos de pesquisadores, sobre quais fenômenos dever ser estudados, e como o devem ser, sobre quais devem ser explicados, e segundo quais princípios teóricos, sobre como os princípios teóricos se inter-relacionam, sobre as regras, métodos e valores que devem direcionar a busca, descrição, classificação e explicação de novos fenômenos, ou o desenvolvimento das teorias, sobre quais técnicas e instrumentos podem ser utilizados, e quais devem ser utilizados, etc. Enquanto predomina um tal estado de coisas, a disciplina ainda não alcançou o estatuto de científica, ou seja, não constitui uma ciência genuína.

Uma disciplina se torna uma ciência quando adquire um paradigma, encerrando-se a fase pré-paradigmática e iniciando-se uma fase de ciência normal. Este é o critério de demarcação proposto por Kuhn para substituir o critério da concepção clássica (esboçado na seção anterior). O termo 'paradigma' tem uma acepção bastante elástica no texto original de Kuhn, e não podemos aqui adentrar as sutilezas de seu significado. Em seu sentido usual, pré-kuhniano, o termo significa 'exemplo', 'modelo'. Assim, amo, amas, ama, amamos, amais, amam é um paradigma da conjugação do indicativo presente dos verbos regulares da Língua Portuguesa terminados em 'ar'.

Kuhn percebeu que a transição para a maturidade, para a fase científica, de uma disciplina envolve o reconhecimento, por parte dos pesquisadores, de uma realização científica exemplar, que defina de maneira mais ou menos clara os principais pontos de divergência da fase pré-paradigmática. A mecânica de Aristóteles, a óptica de Newton, a química de Boyle, a teoria da eletricidade de Franklin estão entre os exemplos dados por Kuhn de paradigmas que fizeram algumas disciplinas adentrar a fase científica.

É difícil explicitar, especialmente em poucas palavras, os elementos que entram na formação de um paradigma. Kuhn sustenta mesmo que essa explicitação nunca pode ser completa. A razão disso é que o conhecimento de um paradigma é, em parte, tácito, adquirido pela exposição direta ao modo de fazer ciência determinado pelo paradigma. Assim, por exemplo, é somente fazendo óptica à maneira de Newton que se pode conhecer completamente o paradigma óptico newtoniano, ou fazendo eletromagnetismo à maneira de Maxwell que se pode conhecer completamente o paradigma eletromagnético.

No entanto, podemos, a título de balizamento, considerar como partes integrantes de um paradigma: uma ontologia, que indique o tipo de coisa fundamental que constitui a realidade; princípios teóricos fundamentais, que especifiquem as leis gerais que regem o comportamento dessas coisas; princípios teóricos auxiliares, que estabeleçam sua conexão com os fenômenos e as ligações com as teorias de domínios conexos, regras metodológicas, padrões e valores que direcionem a articulação futura do paradigma; exemplos concretos de aplicação da teoria; etc.

Um paradigma fornece, pois, os fundamentos sobre os quais a comunidade científica desenvolve suas atividades. Um paradigma representa como que um "mapa" a ser usado pelos cientistas na exploração da Natureza. As pesquisas firmemente assentadas nas teorias, métodos e exemplos de um paradigma são chamadas por Kuhn de ciência normal. Essas pesquisas visam, principalmente, a extensão do conhecimento dos fatos que o paradigma identifica como particularmente significativos, bem como o aperfeiçoamento do ajuste da teoria aos fatos pela articulação ulterior da teoria e pela observação mais precisa dos fenômenos.

Um ponto importante destacado por Kuhn é que enquanto o "mapa" paradigmático estiver se mostrando frutífero, e não surgirem embaraços sérios no ajuste empírico da teoria, o cientista deve persistir tenazmente no seu compromisso com o paradigma. Embora a ciência normal seja uma atividade altamente direcionada, e em um certo sentido seletiva, essa restrição é essencial ao desenvolvimento da ciência. É somente centrando sua atenção em uma gama selecionada de fenômenos e princípios teóricos explicativos que o cientista conseguirá ir fundo no estudo da Natureza. Nenhuma investigação de fenômenos poderá ser levada a cabo com sucesso na ausência de um corpo de princípios teóricos e metodológicos que permitam seleção, avaliação e crítica do que se observa. Aqui se nota um dos principais enganos da concepção clássica de ciência, que imaginava ser possível fazer observações neutras. Nas concepções contemporâneas, reconhece-se que fatos e teorias estão em constante relação de interdependência, como que em "simbiose", os primeiros sustentando as últimas e estas contribuindo para a sua seleção, classificação, concatenação, predição e explicação. De posse de um corpo de princípios teóricos e regras metodológicas, o cientista não precisa a cada momento reconstruir os fundamentos de seu campo, começando de princípios básicos e justificando o significado e uso de cada conceito introduzido, assim como a relevância de cada fenômeno observado.

Kuhn entende a ciência normal como uma atividade de resolução de "quebra-cabeças" (puzzles), já que, como eles, ela se desenvolve segundo regras relativamente bem definidas. Só que na ciência os quebra-cabeças nos são apresentados pela Natureza. Ao longo da exploração de um paradigma pode ocorrer que alguns desses quebra-cabeças se mostrem de difícil solução. O dever do cientista é insistir no emprego das regras e princípios paradigmáticos fundamentais o quanto possa. Utilizando a analogia, não vale, por exemplo, cortar um canto de uma peça do quebra-cabeça para que se encaixe em uma determinada posição. Mas no caso da ciência esse apego ao paradigma, que é essencial, como indicamos acima, não pode ser levado ao extremo. Quando quebra-cabeças sem solução a que Kuhn denomina anomalias se multiplicam, resistem por longos períodos aos melhores esforços dos melhores cientistas, e incidem sobre áreas vitais da teoria paradigmática, chegou o tempo de considerar a substituição do próprio paradigma. Nestas situações de crise, membros mais ousados e criativos da comunidade científica propõem alternativas de paradigmas. Perdida a confiança no paradigma vigente, tais alternativas começam a ser levadas a sério por um número crescente de cientistas. Instala-se um período de discussões e divergências sobre os fundamentos da ciência que lembra um pouco o que ocorreu na fase pré-paradigmática. A diferença básica é que mesmo durante a crise o paradigma até então adotado não é abandonado, enquanto não surgir um outro que se revele superior a ele em praticamente todos os aspectos.

Quando um novo paradigma vem a substituir o antigo, ocorre aquilo que Kuhn chama de revolução científica. Grande parte das teses filosóficas sofisticadas desse autor que se tornaram alvo de polêmicas entre os especialistas ligam-se ao que ele assevera acerca das revoluções científicas. Conforme já alertamos, não adentraremos esse assunto aqui. O esquema geral da natureza da ciência que apresentamos acima representa a contribuição mais consensual de Kuhn à filosofia da ciência, e pode também ser identificado, com adaptações, principalmente terminológicas, na filosofia da ciência de Lakatos, a segunda das duas mais sistemáticas e importantes tentativas contemporâneas de compreensão da ciência.

3. O paradigma espírita

Neste ponto o leitor familiarizado com a história do Espiritismo e que tenha lido, estudado, meditado e compreendido a obra de Allan Kardec já terá percebido o embasamento de nossas teses principais: a obra de Kardec constitui um genuíno paradigma científico, e esse paradigma representa, até hoje, a única diretriz segura ao longo da qual se podem desenvolver pesquisas científicas acerca dos fenômenos espíritas e do aspecto espiritual do ser humano em geral.

A explicitação completa dessas teses exigiria que percorrêssemos toda a história do Espiritismo, toda a obra kardequiana, e as tentativas de estudo dos fenômenos espíritas fora do paradigma espírita. Evidentemente, não há espaço aqui para encetarmos tal empreendimento. Indicaremos apenas alguns pontos mais salientes, para motivar aqueles que queiram refletir sobre o assunto.

Como repetidamente enfatizou o próprio Kardec, alguns dos fatos mais significativos que serviram de base para as suas pesquisas eram conhecidos, embora de modo impreciso e obscuro, desde os primeiros tempos da civilização humana. No entanto, transparece claramente que, não obstante tenham sempre sido objeto de estudo por parte de indivíduos e doutrinas, não havia, até o advento do Espiritismo, um paradigma científico que os concatenasse e integrasse em um corpo de princípios teóricos precisos e abrangentes, acompanhados de métodos, critérios e valores que definissem rumos confiáveis ao longo dos quais a sua investigação pudesse caminhar. Foi a fase pré-paradigmática das pesquisas do espírito.

Tal fase encerrou-se com o trabalho de Allan Kardec. Ele nos legou um paradigma admiravelmente coerente, abrangente, empiricamente adequado e heuristicamente fértil, que não deixa nada a desejar aos mais bem sucedidos paradigmas das ciências ordinárias, como a termodinâmica, o eletromagnetismo, as teorias da relatividade, a mecânica quântica, etc.

Como uma indicação geral e aproximada, podemos dizer que O Livro dos Espíritos estabeleceu a ontologia e os princípios teóricos básicos; O Livro dos Médiuns e a segunda parte de O Céu e o Inferno efetuaram a conexão com a base experimental; O Evangelho segundo o Espiritismo e a primeira parte de O Céu e o Inferno exploraram as repercussões filosóficas do paradigma no campo da ética; {nota 3} A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo e ensaios diversos nas Obras Póstumas e Revista Espírita aprofundaram vários pontos da teoria, sendo que a Revista constitui também valioso repositório de relatos experimentais.

Imperioso notar que a teoria espírita se faz acompanhar daqueles elementos vitais de um legítimo paradigma científico, e que nem sempre são inteiramente explicitáveis: critérios, métodos e valores que norteiam a busca, descrição e avaliação tanto de fatos como de princípios teóricos auxiliares. E mais: Kardec nos forneceu em profusão exemplos concretos de problemas resolvidos pela teoria espírita, verdadeiros modelos a serem seguidos na abordagem de outros problemas. Vemos, em consonância com as concepções de Kuhn, que tais aplicações exemplares da teoria desempenham de fato grande papel na assimilação da real essência do Espiritismo. Aqueles que não se debruçaram sobre eles, e inspecionaram os princípios espíritas apenas "de fora", e muitas vezes mesmo de forma fragmentária, encontram-se incapacitados de bem julgar o paradigma kardequiano; não adquiriram aquilo que Kuhn (seguindo Michael Polanyi) chama de conhecimento tácito da ciência espírita.

Examinando a história do Espiritismo após Kardec, vemos que o paradigma por ele iniciado prosseguiu o seu desenvolvimento, dentro de uma bem sucedida tradição de ciência normal. Léon Denis, nos primeiro tempos, e depois Bezerra, Emmanuel, André Luiz, Yvonne Pereira, Philomeno de Miranda, entre outros, foram pesquisadores encarnados ou desencarnados que se destacaram na extensão do paradigma em sua pureza original.

Uma questão que naturalmente pode ser suscitada pela comparação do paradigma espírita com os paradigmas das ciências ordinárias é a das revoluções científicas. A história mostra a ocorrência de revoluções em quase todas as áreas da ciência, e se poderia perguntar se o Espiritismo não estaria também sujeito a uma revolução. Essa é uma questão delicada, e no pouco espaço que nos resta aqui não lhe podemos fazer justiça plena. Nossa resposta comporta duas observações principais, que esboçamos a seguir.

Primeiro, o exame isento e criterioso da situação mostra de forma inquestionável que o Espiritismo não experimenta, nem jamais experimentou, qualquer processo de acumulação de anomalias, e muito menos em seus pontos essenciais, acumulação essa que constitui, segundo Kuhn, um pré-requisito para o desencadeamento de uma crise, capaz de justificar a proliferação de teorias alternativas, e, eventualmente, a substituição do paradigma. Aproveitamos para notar aqui que, em vista disso, incorreram em erro científico aqueles que, já desde os primeiro tempos, têm desenvolvido suas pesquisas fora do paradigma espírita. Não há razões científicas para essa atitude, que só contribui para a dispersão de esforços tão prejudicial ao avanço do conhecimento, como mostrou Kuhn.

A segunda parte de nossa resposta passa pela observação de que, dada a natureza específica do paradigma espírita, não se deve esperar que tenha um dia que ser abandonado ou modificado em seus princípios fundamentais. A razão disso é que, exceto por alguns princípios reguladores abstratos, tais princípios encontram-se muito próximos do nível fenomênico, de modo que, utilizando-nos da nomenclatura filosófica, poderíamos classificar a teoria espírita como essencialmente fenomenológica. O exemplo mais claro de uma teoria desse tipo nas ciências ordinárias é a termodinâmica, desenvolvida em meados do século 19. Por ser fenomenológica, ela goza de uma alta estabilidade diante do progresso de outras áreas da ciência, havendo atravessado incólume as radicais mudanças de paradigma ocorridas na física nas primeiras décadas de nosso século. Essa característica da termodinâmica exerceu grande atração sobre Einstein (entre outros), que procurou desenvolver sua teoria especial da relatividade em moldes fenomenológicos.

Em termos simplificados, podemos tentar esclarecer esse ponto dizendo que nas teorias não-fenomenológicas (ditas teorias construtivas), que são a maioria das teorias da física e da química, o "grau de teoricidade" dos princípios é muito maior ; eles estão bem mais distantes da observação empírica direta. Em tal caso, o caminho que vai dos fenômenos até os princípios teóricos é bastante tortuoso, passando por uma série de teorias auxiliares, necessárias, por exemplo, para tratar do funcionamento e interpretação dos dados fornecidos pelos aparelhos envolvidos. Nessas circunstâncias, a segurança com que os princípios podem ser asseridos fica evidentemente reduzida; há, em geral, possibilidades plausíveis de explicação dos mesmos fenômenos por princípios teóricos diferentes. A história da física e da química ilustra bem a vulnerabilidade de suas teorias construtivas, que vão sendo substituídas de tempos em tempos.

No caso dos princípios espíritas básicos, como a existência e sobrevivência do espírito, o livre-arbítrio, a lei de causa e efeito, a reencarnação, etc., a situação é bastante diversa. Sua confirmação independe totalmente de aparelhos, conforme bem enfatizou Kardec, o que é uma enorme vantagem do ponto de vista epistemológico, pelas razões esboçadas acima. São proposições da mesma classe epistêmica que, digamos, as proposições de que o Sol existe, de que o fogo queima, a cicuta envenena, etc. Notemos que a inferência espírita diante de um fenômeno de efeitos intelectuais não difere em nada das inferências que fazemos a partir dos fenômenos ordinários. Quando, por exemplo, o carteiro traz à nossa casa um papel no qual lemos certas frases, não nos acudirá a idéia de que elas não foram escritas por um determinado amigo, quando relatam fatos, contêm expressões e veiculam pensamentos peculiares e íntimos. Exatamente o mesmo se dá com os variados e abundantes casos de psicografia de que somos testemunhas. Não constitui exagero, pois, afirmar-se que a constatação cuidadosa de uns poucos casos dessa espécie é suficiente para eliminar qualquer dúvida quanto ao princípio básico da Doutrina Espírita, a existência e sobrevivência do espírito.

Como se isso não bastasse, a base experimental do Espiritismo incorpora ainda muitos outros tipos de fenômenos, como a psicofonia, a xenoglossia, as materializações, vidência, a pneumatografia e a pneumatofonia, etc. Além desses fenômenos, que formam uma classe específica, a dos fenômenos espíritas, o Espiritismo apóia-se também em inúmeros fenômenos ordinários. Referimo-nos, por exemplo, às nossas inclinações e sentimentos, às peculiaridades de nosso relacionamento com as pessoas que nos cercam, aos acontecimentos marcantes de nossa vida, aos distúrbios da personalidade, aos efeitos psicossomáticos, aos sonhos, à evolução das espécies e das civilizações, etc. Entendemos que a desconsideração desse vasto corpo de evidências a favor do Espiritismo constitui séria omissão por parte de seus críticos e daqueles que tentam fazer ciência não-espírita do espírito.

Em outro artigo (Chibeni 1988; ver também Chibeni 1986) procuramos mostrar que Kardec possuía um senso científico e filosófico que caminhava muito adiante de seu tempo, identificando corretamente as características de uma verdadeira ciência, e desenvolvendo suas pesquisas de acordo com elas. Isso fica claro tanto da análise de sua obra, como de inúmeras declarações explícitas suas sobre a natureza da ciência, o que torna ainda mais lamentável a busca de uma ciência do espírito fora do paradigma kardequiano, busca essa que prossegue até nossos dias, quando os avanços da filosofia da ciência já puderam mostrar cabalmente onde ela de fato se encontra.

Notas: 

1. Para um esboço desses pontos, ver Chibeni 1984. 

2. Suas obras mais representativas são Kuhn 1970, Lakatos 1970 e Feyerabend 1978. Para uma exposição mais ou menos acessível das idéias principais desses filósofos e da concepção clássica de ciência, ver Chalmers 1978.

3. Sobre a ética espírita e sua fundamentação na ciência espírita, ver Chibeni 1985. 

Referências bibliográficas:

(O leitor poderá encontrar vertidas para o nosso idioma todas as obras em língua estrangeira desta lista bibliográfica, embora, com exceção das indicadas traduções das obras de Kardec a cargo da Federação Espírita Brasileira, essas traduções apresentem, como é quase regra, falhas mais ou menos graves, que não as recomendam ao estudioso exigente.)

CHALMERS, A. F. What is this Thing called Science? St. Lucia, University of Queensland Press, 1978.
CHIBENI, S.S. Espiritismo e ciência. Esboço de uma análise do Espiritismo à luz da moderna filosofia da ciência. Reformador, maio de 1984, pp. 144-7 e 157-9.
----------. Os fundamentos da ética espírita. Reformador, junho de 1985, pp. 166-9.
---------- . Por que Allan Kardec ? Reformador, abril de 1986, pp. 102-3.
----------. A excelência metodológica do Espiritismo. Reformador, novembro de 1988, pp. 328-33 e dezembro de 1988, pp. 373-8.
----------. Ciência espírita. Revista Internacional de Espiritismo, março de 1991, pp. 45-52.
FEYERABEND, P. K. Against Method. London, Verso, 1978.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, 43ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
----------. L'Évangile selon le Spiritisme. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1979. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 87ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
----------. Le Ciel et l'Enfer. Farciennes, Éditions de L'Union Spirite, 1951. O Céu e o Inferno. Trad. Manuel Quintão. 28ª ed. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
----------. La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme. Paris, La Diffusion Scientifique, s.d. A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro, 23ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
----------. Oeuvres Posthumes. Paris, Dervy-Livres, 1978. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2nd. ed., enlarged. Chicago and London, University of Chicago Press, 1970.
LAKATOS, I. Falsification and the methodology of scientific research programmes. In: Lakatos & Musgrave 1970, pp. 91-195.
LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. (eds.) Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge, Cambridge University Press, 1970.
POPPER, K. R. The Logic of Scientific Discovery. 2nd. ed., revised. London, Hutchinson, 1968.

(Artigo publicado no Reformador de junho de 1994, pp. 176-80.)


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POR QUE ALLAN KARDEC?


Silvio Seno Chibeni

Dogmatismo? Tradicionalismo? Fanatismo? Visão estreita? 

Vejamos:

1. A obra de Allan Kardec, quando analisada internamente, revela uma solidez lógica, uma racionalidade, uma limpidez argumentativa, uma coerência de fazerem inveja aos mais conceituados tratados filosóficos que a Humanidade possui;

2. Allan Kardec revelou, em tudo o que fez, uma prudência, um equilíbrio, uma sobriedade, um espírito positivo e despreconcebido, um bom senso, enfim, que singularizam sua figura entre todos os expoentes da cultura humana;

3. A obra de Allan Kardec, contrariamente ao que em geral acontece com outras que abordam os mesmos assuntos, está firme e amplamente baseada em fatos, cuidadosa e minuciosamente examinados à luz dos referidos critérios racionais; não surgiu entre as quatro paredes de um gabinete, mas de uma extensa convergência de informações;

4. Allan Kardec era possuidor de uma vasta erudição, transitando inteiramente à vontade pelos mais variados campos do saber – das ciências às artes, das filosofias às religiões – o que lhe permitiu trazer ao seu domínio de estudo os mais relevantes problemas que interessam ao homem, dentro de uma visão abarcante e integrada da realidade;

5. A obra de Allan Kardec apresenta-se dentro de padrões de clareza e objetividade tais, que não deixa nenhuma margem a ambigüidades e malentendidos, especialmente quanto aos pontos fundamentais;

6. Allan Kardec soube ser impessoal, separando com rigor suas opiniões pessoais e peculiaridades de sua vida privada do conhecimento doutrinário, que é independente e objetivo; jamais pretendeu a posse exclusiva e completa da verdade, nunca recusou um princípio pelo só fato de ter sido descoberto ou proposto por outrem, nunca hesitou em abandonar uma idéia quando provada errônea por argumentos insofismáveis;

7. A obra de Allan Kardec é incomparavelmente abrangente, ocupando-se desde os fatos mais palpáveis, destacadamente os relativos à sobrevivência do ser, até as mais profundas investigações da ética, passando pelo exame lúcido das grandes questões filosóficas que ao longo das eras têm desafiado o raciocínio do homem; 

8. Allan Kardec tem sido confirmado, por fontes independentes e fidedignas, como um grande emissário de Jesus, especialmente escolhido por Ele para concretizar na Terra a Sua promessa do envio do Consolador,1 que nada mais é do que o Espiritismo, que veio para nos ensinar todas as coisas (o esclarecimento abundante que traz), para nos fazer lembrar tudo o que Jesus nos disse (a sanção e explicação que ele nos dá dos Evangelhos), e que estará sempre conosco (a perenidade do Espiritismo);

9. A obra de Allan Kardec não é uma estrutura estática e fechada, mas sim dinâmica e aberta a complementações futuras, incorporando a característica da
progressividade, essencial a todo sistema científico ou filosófico que não pretenda ser sepultado pelas constantes e inevitáveis descobertas de fatos novos e pela ampliação geral do conhecimento humano;

10.Allan Kardec testemunhou em todos os atos de sua vida a sua condição de Espírito de escol: jamais prejudicou a alguém; só com o bem retribuiu as ingratidões, ofensas e calúnias com que em vão tentaram embaraçar-lhe os passos; doou-se por completo à grande obra de educação dos homens que é o Espiritismo: a ela sacrificou o conforto, o repouso, os bens materiais, a saúde e até a própria vida.

Estudemos com seriedade essa obra. Conheçamos de perto esse autor. 2 Depois, comparemo-los à obras e autores que os pretendam superar. Quais se poderão gloriar de fazer-lhes frente em apenas algumas das dez característicasenumeradas (para não dizer em todas)?

Retornemos, por fim, à questão: Por que Allan Kardec? Talvez já não seja difícil respondê-la...3

1 Cf. Evangelho de João, cap. 14.

2 Para uma visão precisa, detalhada e completa da personalidade de Allan Kardec, bem como das origens, dimensões e significado de sua obra, consulte-se o livro Allan Kardec (3 vols.), de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, editado pela Federação Espírita Brasileira em 1979/80.

3 Para uma exposição do caráter legitimamente científico (à luz da moderna filosofia da ciência) do desenvolvimento de uma atividade de pesquisa em torno de um núcleo de princípios básicos (como o Espiritismo o faz em relação aos princípios fundamentais da obra de Allan Kardec), veja-se o artigo “Espiritismo e ciência”, em Reformador de maio de 1984. (Nota do Autor em outubro de 1998: Para o mesmo tema, ver também os artigos “A excelência metodológica do Espiritismo” e “O paradigma espírita”, publicados na mesma revista, números de novembro e dezembro de 1988 e junho de 1994, respectivamente.)

Artigo publicado em Reformador, abril de 1986, pp. 102-3. Disponível em www.geeu.net.br


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REVISÃO DA TERMINOLOGIA ESPÍRITA?
O ESPIRITISMO EM SEU TRÍPLICE ASPECTO: CIENTÍFICO, FILOSÓFICO E RELIGIOSO 1
POLISSEMIAS NO ESPIRITISMO
AS ACEPÇÕES DA PALAVRA ‘ESPIRITISMO’ E A PRESERVAÇÃO DOUTRINÁRIA
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES OPORTUNAS SOBRE A RELAÇÃO ESPIRITISMO-CIÊNCIA
O PARADIGMA ESPÍRITA
A EXCELÊNCIA METODOLÓGICA DO ESPIRITISMO
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2015/01/a-excelencia-metodologica-do-espiritismo.html

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A GRAVIDEZ DE ESPÍRITOS


Paulo da Silva Neto Sobrinho

Vale mais pecar por excesso de prudência do que por excesso de confiança.
(KARDEC)

 Numa reunião de estudos doutrinários, um frequentador principiante dirigiu-nos a seguinte pergunta: poderia ocorrer a gravidez de espíritos? Ao que lhe respondemos: até onde nós sabemos não. Retrucou-nos: mas existe um livro espírita, citando-lhe o título, que fala disso. Não o conhecíamos; entretanto, dissemos-lhe que iríamos procurar estudá-lo, pois não poderíamos emitir opinião sobre algo de que não tínhamos nenhum conhecimento; isso não seria muito ético.

Fomos, então, buscar a informação no livro Infinitas Moradas, do qual transcreveremos uma parte. É um trecho específico de um suposto diálogo entre o Dr. Inácio Ferreira com Odilon Fernandes; ambos, já na condição de espíritos desencarnados. Inicia-se com a fala de Dr. Inácio:

- Com tanta grandeza acima de nossas cabeças e nós insistindo em continuar a ver o que temos sob os pés!... Por mais me esforce, eu não entendo esse pessoal que deixa o corpo e prossegue na mesma... Não era para que, deste Outro Lado, tivéssemos hospitais, vales de expiação e nem tampouco regiões trevosas. Nem esses nossos irmãos com problemas de deformidade no corpo espiritual, ao ponto de necessitarem praticamente de um novo nascimento por aqui, com a finalidade de readquirirem a forma humana, antes de um novo mergulho na carne.

 - É um tema que transcende este, Inácio, sobre o qual, infelizmente, não devemos nos aprofundar com os nossos companheiros encarnados que, a bem da verdade, ainda revelam dificuldade para aceitar a Reencarnação como ela é... Eles não entenderiam a “gravidez” perispiritual nas regiões inferiores, onde seres que padecem aberrações de forma carecem de um renascimento como recurso terapêutico. Deixemos que a semente da ideia floresça naturalmente. Se se “morre” por aqui, por que também não se renasceria?...

 - Ou nasceria, não é?

 - Sim, ou nasceria, pois, se os Espíritos Superiores confirmaram a Allan Kardec que em a Natureza nada dá saltos, como explicar-se, por exemplo, sem elementos de transição em nosso Plano, a primeira encarnação humana do princípio espiritual? O corpo humano não está apto a receber entidades primárias, sem que o seu organismo perispiritual tenha, antes, humanizado a forma. Os primeiros nascimentos acontecem aqui!... Mas, repito, talvez isto seja muito para a cabeça de quantos ainda não conseguiram, por si mesmos, intuir semelhante realidade. O assunto tem gerado polêmicas, e não podemos comprometer a tarefa que, apesar dos pesares, tem produzido frutos de significativa qualidade.

- Talvez eu tenha me excedido...
(BACCELLI, 2003, p. 59-60) (grifo nosso).

Bom, não há dúvida alguma sobre o que o nosso companheiro nos informou a respeito de haver um livro abordando o assunto da gravidez de espíritos, que se trata, obviamente, de assunto inédito no meio espírita.

Como estudioso da Doutrina Espírita e, especialmente, por estar, momentaneamente, exercendo a função de instrutor, cabe-nos o dever de verificar se encontraremos apoio para isso nas obras básicas da codificação, uma vez que, como o próprio Kardec disse, a opinião de um espírito não passa apenas de uma opinião e dela não podemos assentar base para ponto doutrinário, conforme podemos confirmar nestas suas falas, transcritas da Revista Espírita, dos anos de 1865 e 1866, respectivamente:

O Espiritismo não é mais a obra de um único Espírito como não é a de um único homem; é a obra dos Espíritos em geral. Segue-se que a opinião de um Espírito sobre um princípio qualquer não é considerada pelos Espíritos senão como uma opinião individual, que pode ser justa ou falsa, e não tem valor senão quando é sancionada pelo ensino da maioria, dado sobre os diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que fez o que ele é, e que fará o que será. Diante desse poderoso critério caem necessariamente todas as teorias particulares que sejam o produto de ideias sistemáticas, seja de um homem, seja de um Espírito isolado. Uma ideia falsa pode, sem dúvida, agrupar ao seu redor alguns partidários, mas não prevalecerá jamais contra aquela que é ensinada por toda a parte. (KARDEC, 2000a, p. 306)  (grifo nosso).

 Quando tratarmos essas questões, o faremos sem cerimônia; mas é que, então, teremos recolhido os documentos bastante numerosos, nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, para poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim que fazemos todas as vezes que se trata de formular um princípio capital. Nós os dissemos cem vezes, para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica, para as coisas que não podemos controlar por nossos próprios olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como uma verdade absoluta, se, mais tarde, ela devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritos? (KARDEC, 1993c, p. 191) (grifo nosso).

Fica claro que a opinião pessoal de um espírito não faz corpo de doutrina. Acrescentamos, por nossa conta, que a opinião de um espírita, seja ele quem for, também não faz corpo doutrinário.

Conforme se vê em Obras Póstumas Kardec desde o ano de 1855, ou seja, bem no início da Codificação, já conseguira formar conceito disso, cujo motivo nos explica:

Um dos primeiros resultados de minhas observações foi que os Espíritos, não sendo outros senão as almas dos homens, não tinham a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber estava limitado ao grau de seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Essa verdade, reconhecida desde o princípio, me preservou do grande escolho de crer em sua infalibilidade, e me impediu de formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de alguns. (KARDEC, 2006, p. 299) (grifo nosso).

Dessa forma, Kardec preservou-se de crer na infalibilidade dos espíritos, algo que também não podemos deixar de considerar, sob pena de cairmos nas malhas de espíritos pseudossábios, “que se comprazem vendo editados suas fantasias e utopias e isso por homens que conseguiram enlear a ponto de fazê-los aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam, oferecendo alguns poucos grãos de boa qualidade em meio ao joio”. (KARDEC, 2000b, p. 96).

 Inicialmente, veremos que, em O Livro dos Espíritos, à pergunta de Kardec se os Espíritos tinham sexo (200), a resposta dos Espíritos foi: “Não como o entendeis, pois que os sexos dependem da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na concordância dos sentimentos.” (KARDEC, 1995a, p. 134).

 Segundo podemos entender dessa resposta, por lhes faltar uma organização física, os espíritos não têm sexo. Se não há sexo, como haveria a relação sexual para a consequente fecundação do óvulo pelo espermatozoide? Além disso, onde o gameta fecundado se fixaria?

 Da resposta dos Espíritos à questão 822a, transcrevemos este trecho: “Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles” (KARDEC, 1995a, p. 381) e acrescentamos do próprio Kardec: “Não se sabe, de resto, que os Espíritos só têm sexo para a encarnação?” (KARDEC, 2000b, p. 107), mantém-se, portanto, coerência com o que foi dito anteriormente.

 Mais à frente, quando o assunto é a evolução do princípio inteligente, especificamente no momento que ele sai do reino animal para estagiar no reino hominal, à pergunta (607b), feita por Kardec aos espíritos, se o período de humanização principia na Terra, eles respondem que “a Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra” (KARDEC, 1995a, p. 300).

Vindo do reino animal, obviamente, com um perispírito adequado àquele reino, ele, o princípio inteligente, não se liga a um corpo humano igual ao nosso, mas a um corpo humano muito mais próximo ao dele, adaptado às condições ambientais dos planetas primitivos. Esse corpo humano, tão análogo ao dos animais, não oferece nenhuma dificuldade de adaptação a esse novo estágio evolutivo pelo qual ele passa. Certamente que isso não ocorre de um dia para o outro, mas em milhares de anos, sem que haja solução de continuidade: “tudo se encadeia na Natureza”. Foi o que aconteceu aqui na Terra, quando ainda era um planeta primitivo, com os seres dos quais descendemos, que mais pareciam animais que propriamente seres humanos da forma que somos hoje. Kardec, tecendo considerações sobre a hipótese da origem do corpo humano, disse que “como em a Natureza não há transições bruscas, é provável que os primeiros homens aparecidos na Terra pouco diferissem do macaco pela forma exterior e não muito também pela inteligência.” (KARDEC, 1995b, p. 213).

Assim, podemos perceber que a transição do princípio inteligente do reino animal para o hominal ocorreu num corpo físico adequado àquela fase, e na época em que a Terra ainda era um planeta primitivo, transição essa que, pelo que entendemos, deita por terra a afirmativa de que “O corpo humano não está apto a receber entidades primárias, sem que o seu organismo perispiritual tenha, antes, humanizado a forma. Os primeiros nascimentos acontecem aqui!...” (grifo nosso), dita no diálogo entre os dois espíritos – Dr. Inácio e Odilon.

Em O Céu e o Inferno, no capítulo II, da segunda parte, quando dos relatos sobre as manifestações dos Espíritos Felizes, encontramos a afirmativa de que “os Espíritos não se reproduzem” e que “os Espíritos não podem ter sexo”. Kardec, em nota, explica: “Sempre disseram que os Espíritos não têm sexo, sendo este apenas necessário à reprodução dos corpos. De fato, não se reproduzindo, o sexo ser-lhes-ia inútil.” (KARDEC, 1995c, p. 183). Assim, fica claro que os Espíritos não se reproduzem; por conseguinte, não há como se falar em gravidez de Espírito, que, se ocorresse, aí sim, teríamos a tal gravidez perispiritual.

Na Revista Espírita 1859, Kardec trata dos agêneres, que assim define em O Livro dos Médiuns: “É o estado de certos Espíritos que podem revestir momentaneamente as formas de uma pessoa viva, ao ponto de causar completa ilusão. (Do grego – a, privativo, e - géiné, géinomaï, gerar; que não foi gerado.)” (KARDEC, 1996, p. 485) que, após tecer vários comentários, faz várias perguntas ao Espírito São Luís, das quais, destacamos: “Podem eles procriar? -R. Deus não lhes permitiria; seria contrário às leis que estabeleceu para a Terra; elas não podem ser elididas”. (KARDEC, 1993a, p. 39). Os agêneres não podem, pois, procriar porque ainda estão na condição de Espíritos desencarnados; é simples, não?

Novamente, encontraremos Kardec falando sobre o assunto na Revista Espírita, anos 1862 e 1866:

De outro lado, é preciso considerar que os Espíritos se desmaterializam à medida que se elevam e se depuram; que não é senão nas classes inferiores que a encarnação é material; para os Espíritos superiores, não há mais encarnação material, e, consequentemente, mais procriação, porque a procriação é para o corpo e não para o Espírito. […] (KARDEC, 1993b, p. 219) (grifo nosso).

As almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que as une nada têm de carnal, e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas sobre uma simpatia real, e não são subordinadas às vicissitudes da matéria.

 [...]

 Os sexos não existem senão no organismo; são necessários à reprodução dos seres materiais; mas os Espíritos, sendo a criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, é por isto que os sexos seriam inúteis no mundo espiritual. (KARDEC, 1993c, p. 3) (grifo nosso).

Essas duas falas resumem tudo quanto de mais importante poderíamos encontrar na codificação; não precisaríamos de mais nada; mas, ainda vamos continuar a nossa pesquisa em outras obras.

 Vamos, agora, recorrer ao espírito André Luiz, autor espiritual da obra Evolução em dois mundos, pela psicografia de Chico Xavier, para elucidarmos ainda mais esse assunto. André Luiz cita uma situação onde será necessário recompor a forma espiritual humana, conforme podemos ler quando ele fala sobre o monoideísmo:

Estabelece-se nele o monoideísmo pelo qual os outros desejos se lhe esmaecem no íntimo.

 Pela oclusão de estímulos outros, os órgãos do corpo espiritual se retraem ou se atrofiam, por ausência de função, e se voltam, instintivamente, para a sede do governo mental, onde se localizam, ocultos e definhados, no fulcro dos pensamentos em circuito fechado sobre si mesmo, quais implementos potenciais do germe vivo entre as paredes do ovo.

 Em tais circunstâncias, se o monoideísmo é somente reversível através da reencarnação, a criatura humana desencarnada, mantida a justa distância, lembra as bactérias que se transformam em esporos quando as condições de meio se lhes apresentam inadequadas, tornando-se imóveis e resistindo admiravelmente ao frio e ao calor, durante anos, para regressarem ao ciclo de evolução que lhes é peculiar, tão logo se identifiquem, de novo, em ambiente propício.

Sentindo-se em clima adverso ao seu modo de ser, o homem primitivo, desenfaixado do envoltório físico, recusa-se ao movimento na esfera extrafísica, submergindo-se lentamente, na atrofia das células que lhe tecem o corpo espiritual, por monoideísmo auto-hipnotizante, provocado pelo pensamento fixo-depressivo que lhe define o anseio de retorno ao abrigo fisiológico.

Nesse período, afirmamos habitualmente que o desencarnado perdeu o seu corpo espiritual, transubstanciando-se num corpo ovoide (7), o que ocorre, aliás, a inúmeros desencarnados outros, em situação de desequilíbrio, cabendo-nos notar que essa forma, segundo a nossa maneira atual de percepção, expressa o corpo mental da individualidade, a encerrar consigo, conforme os princípios ontogenéticos da Criação Divina, todos os órgãos virtuais de exteriorização da alma, nos círculos terrestres e espirituais, assim como o ovo, aparentemente simples, guarda hoje a ave poderosa de amanhã, ou como a semente minúscula, que conserva nos tecidos embrionários a árvore vigorosa em que se transformará no porvir.
_____
(7) Ver no livro “Libertação”, do mesmo Autor espiritual, recebido pelo médium Francisco Cândido Xavier, capítulos 6º e 7º, págs. 84 e seguintes, observações sobre estas formas ovoides. — (Nota da Editora.)
(XAVIER, 1987, p. 90-91) (grifo nosso).

Portanto, “na próxima dimensão”, alguns Espíritos perdem a forma perispiritual humana para se transformarem em ovoides. Poderiam eles reencarnar nessas condições? Teriam a necessidade de retomar à forma humana? Enfim, o que acontecerá nessa situação? Vamos, ainda, continuar recorrendo a André Luiz que, mais à frente, diz da necessidade da reencarnação, de uma forma geral:

FORMA CARNAL - Todavia, assim como o germe para desenvolver-se no ovo precisa aquecer-se ao calor da ave que o acolha maternalmente ou do ambiente térmico apropriado, no recinto da chocadeira, e assim como a semente, para liberar os princípios germinativos do vegetal gigantesco em que se converterá, não prescinde do berço tépido no solo, os Espíritos desencarnados, sequiosos de reintegração no mundo físico, necessitam do vaso genésico da mulher que com eles se harmoniza, nas linhas da afinidade e, consequentemente, da herança, vaso esse a que se aglutinam, mecanicamente, e onde, conforme as leis da reencarnação, operam em alguns dias todas as ocorrências de sua evolução nos reinos inferiores da Natureza.

 Assimilando recursos orgânicos com o auxílio da célula feminina, fecundada e fundamentalmente marcada pelo gene paterno, a mente elabora, por si mesma, novo veículo fisiopsicossomático, atraindo para os seus moldes ocultos as células físicas a se reproduzirem por cariocinese, de conformidade com a orientação que lhes é imposta, isto é, refletindo as condições em que ela, a mente desencarnada, se encontra.

 Plasma-se-lhe, desse modo, com a nova forma carnal, novo veículo ao Espírito, que se refaz ou se reconstitui em formação recente, entretecido de células sutis, veículo este que evoluirá igualmente depois do berço e que persistirá depois do túmulo. (XAVIER, 1987, p. 91-92) (grifo nosso).

Deixa clara a questão do Espírito ter que cumprir a lei da reencarnação, entrando, novamente, num corpo feminino, via óvulo fecundado, para seguir o curso normal do processo reencarnatório; e, em especial, para os casos dos Espíritos em forma de ovoides, ele diz:

Os Espíritos categoricamente inferiores, na maioria das ocasiões, padecendo monoideísmo tiranizante, entram em simbiose fluídica com as organizações femininas a que se agregam, experimentando o definhamento do corpo espiritual ou o fenômeno de “ovoidização”, sendo inelutavelmente atraídos ao vaso uterino, em circunstâncias adequadas, para a reencarnação que lhes toca, em moldes inteiramente dependentes da hereditariedade, como acontece à semente, que, após desligar-se do fruto seco, germina no solo, segundo os princípios organogênicos a que obedece, tão logo encontre o favor ambiencial. (XAVIER, 1987, p. 152-153) (grifo nosso).

Assim é que, mesmo neste caso, há a necessidade da ligação do Espírito em forma de ovoide com o óvulo já fecundado, sem outro procedimento a não ser a redução perispiritual. Interessante é que há, para os reencarnantes, o ato de “restringimento do corpo espiritual” para ligá-lo ao óvulo. Curioso é que o processo de redução perispiritual para a reencarnação é bem semelhante ao ocorrido na ovoidização do perispírito, por fixação mental do Espírito, ainda preso a sentimentos inferiores, dos quais, parece, não querer largar mão.

 O que aqui está sendo dito vem contrariar o que foi afirmado no livro, que estamos analisando, de que Espíritos “com problemas de deformidade no corpo espiritual, ao ponto de necessitarem praticamente de um novo nascimento por aqui, com a finalidade de readquirirem a forma humana, antes de um novo mergulho na carne”, uma vez que tal processo ocorre realmente numa nova encarnação física no nosso plano.

 Podemos, ainda, para corroborar isso, trazer mais a informação ditada pelo espírito Adamastor, na obra Ícaro redimido:

A ovoidização é uma das pungentes enfermidades que pode acometer o espírito depois da morte. Consiste na perda da consciência ativa, quando o eu consciente desmorona-se completamente, em decorrência de atrozes e insuportáveis sofrimentos, voltando-se sobre si mesmo, anulando-se e perdendo todo o contato com a realidade. A atividade consciente da alma entra em letargia, refugiando-se nas camadas do subconsciente. O pensamento contínuo se fragmenta, perdendo seu fio de condução, e a estrutura perispiritual se desfigura completamente, desfazendo sua natural conformação humana, adquirindo o formato aproximado de um ovo, cujas dimensões se aproximam de um crânio infantil. O processo é em tudo semelhante ao das bactérias que se encistam diante de condições adversas de vida, aguardando novas oportunidades para retornarem à atividade normal. A ovoidização é processo incurável no plano espiritual, sendo uma das mais graves enfermidades de nosso mundo, e somente pode ser revertido em reencarnações expiatórias, quando o espírito reencontra-se com novo ambiente de manifestação e pode refazer o metabolismo do seu consciente. Várias reencarnações, porém, se consomem em tentativas frustradas, de modo que a perda evolutiva é imensa para estes infelizes seres. Muitos regridem a condições tão primárias da vida humana que necessitam reencarnar entre povos primitivos, a fim de suportar-lhes a grave patologia, sem se desfazerem em malformações congênitas incompatíveis com a biologia humana. [...] (FREIRE, 2002, p. 28) (grifo nosso).

Juntamos, também, a essa nossa pesquisa, o pensamento do escritor espírita Eurípides Khül, em seu estudo do capítulo XII – Alma e desencarnação, do livro Evolução em dois mundos. Leiamos:

5) O que são os ovoides e qual a origem de sua existência no mundo espiritual?
R - Ovoides são os espíritos que, ainda na fase primitiva da evolução, assumem a forma de ovo, após a desencarnação, em consequência de sua incapacidade em se adaptar à nova maneira de viver, agora no mundo espiritual. A ideia fixa, única, auto-hipnotizante, de renascer na carne, mantém o seu psiquismo ligado na vida carnal e magnetiza-lhe a mente, reprimindo outros estímulos aos órgãos do corpo espiritual, que se retraem e atrofiam, por falta de função. Voltam-se, então, esses órgãos, para a mente, onde se deixam dominar pelos pensamentos. Suas células são atrofiadas pela ideia única de retorno ao veículo físico. É um processo semelhante ao encolhimento do perispírito por ocasião da reencarnação. Enquanto perdura esta situação, o espírito perde a forma humana, assumindo a forma ovoide. O formato de ovo se explica por ser este o berço onde se dá inicio ao processo de renascimento de vários seres, inclusive do próprio homem, que tem o seu corpo físico gerado no óvulo da mãe. Daí por que a mente desses espíritos, fixados na ideia de renascerem para a vida física, plasmam a forma ovoide.

 Assim permanecem até que surja nova oportunidade reencarnatória. Com o processo de reencarnação iniciado, assimilam novos recursos orgânicos, utilizando-se do auxílio de células dos pais. Sua mente passa a elaborar o novo veículo fisiológico, em moldes cuja orientação lhe é imposta. Plasma, desta maneira, nova forma carnal, novo veículo físico, para o que refaz e reconstitui o perispírito, readquirindo a forma humana.

 André Luiz compara essas criaturas a algumas bactérias que, apartadas do seu meio ambiente, tornam-se incólumes ao frio e ao calor, mantendo-se imóveis por longos períodos, mas que entram em atividade tão logo sejam alocadas no ambiente que lhes seja peculiar.

 6) Como é plasmada a nova forma carnal na qual o espírito reencarnante se expressará?
R - Para que se dê o processo reencarnatório que o libertará da forma ovoide, o espírito reencarnante necessita do organismo genésico da futura mãe, com a qual tem afinidade e da qual herdará características físicas, para assimilar recursos orgânicos através da célula feminina, fecundada pelo gene paterno. Sua mente, então, elabora, por si mesma, novo veículo fisiopsicossomático, atraindo células físicas que se reproduzem de conformidade com a orientação que lhe é imposta e refletindo o seu estado evolutivo. Plasma, assim, a nova forma carnal, que irá repercutir no perispírito, através de células sutis, promovendo alterações no corpo espiritual desde o renascimento e que irão perdurar após o túmulo.

 (Fonte: Centro Virtual de Divulgação e Estudos do Espiritismo, Internet) (grifo nosso).

Portanto, temos, aqui, pela opinião desse autor, que é necessária a reencarnação para que o Espírito readquira novamente a forma perispiritual humana.

Voltemos à obra Evolução em dois mundos, porquanto algo importante nela ainda temos para apresentar:

VIDA NA ESPIRITUALIDADE - Na moradia de continuidade para a qual se transfere, encontra, pois, o homem as mesmas leis de gravitação que controlam a Terra, com os dias e as noites marcando a conta do tempo, embora os rigores das estações estejam suprimidos pelos fatores de ambiente que asseguram a harmonia da Natureza, estabelecendo clima quase constante e quase uniforme, como se os equinócios e solstícios entrelaçassem as próprias forças, retificando automaticamente os excessos de influenciação com que se dividem.

 Plantas e animais domesticados pela inteligência humana, durante milênios, podem ser aí aclimatados e aprimorados, por determinados períodos de existência, ao fim dos quais regressam aos seus núcleos de origem no solo terrestre, para que avancem na romagem evolutiva, compensados com valiosas aquisições de acrisolamento, pelas quais auxiliam a flora e a fauna habituais à Terra, com os benefícios das chamadas mutações espontâneas.

 As plantas, pela configuração celular mais simples, atendem, no plano extrafísico, à reprodução limitada, aí deixando descendentes que, mais tarde, volvem também à leira do homem comum, favorecendo, porém, de maneira espontânea, a solução de diferentes problemas que lhes dizem respeito, sem exigir maior sacrifício dos habitantes em sua conservação.

 Ao longo dessas vastíssimas regiões de matéria sutil que circundam o corpo ciclópico do Planeta, com extensas zonas cavitárias, sob as linhas que lhes demarcam o início de aproveitamento, qual se observa na crosta da própria Terra, a estender-se da superfície continental até o leito dos oceanos, começam as povoações felizes e menos felizes, tanto quanto as aglomerações infernais de criaturas desencarnadas que, por temerem as formações dos próprios pensamentos, se refugiam nas sombras, receando ou detestando a presença da luz. (XAVIER, 1987, p. 96-97) (grifo nosso).

Observar, caro leitor, que André Luiz cita as plantas e os animais na espiritualidade; porém, quanto à reprodução ele restringe apenas às plantas e mesmo assim de forma limitada por possuírem “configuração celular mais simples”. Isso torna fato que os animais não se reproduzem no plano espiritual, por terem uma “configuração celular mais complexa”; então, cabe-nos perguntar: por que motivo especial a espécie humana reproduzir-se-ia, considerando que tem configuração celular tão complexa quanto à dos animais?

À pergunta do Dr. Inácio: “E nascem criança por aqui?...”, respondeu André Luiz: “É claro que sim,...” (BACCELLI, 2002, p. 215), não deixa dúvida de que se fala mesmo da gravidez como algo real. Entretanto, por esse estudo, concluímos que a gravidez perispiritual de Espíritos, seguindo-se a ideia do que ocorre aqui na terra, não é uma possibilidade real, porquanto são outras as leis que regem o mundo espiritual. Aliás, se ela ocorresse, só poderia ser mesmo a nível perispiritual, já que o corpo do Espírito, na dimensão espiritual, é o perispírito. Obviamente, essa não deixa de ser também uma opinião pessoal, mas nosso objetivo não é levar o leitor a aceitá-la; mas, apenas provocar-lhe uma reflexão sobre o assunto, de forma a encontrarmos uma solução para o problema levantado. E, que fique claro, que não estamos contra ninguém; apenas analisamos as opiniões, o que, certamente, acontecerá conosco em relação ao que aqui estamos falando.

Referências bibliográficas:

BACCELLI, C. A. Infinitas Moradas. Uberaba – MG: LEEPP, 2003.
BACCELLI, C. A. Na próxima dimensão. Uberaba – MG: LEEPP, 2002.
FREIRE, G. T. Ícaro redimido: a vida de Santos Dumont no Plano Espiritual. Belo Horizonte: Ediame, 2002.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 1995b.
KARDEC, A. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 1995c.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995a.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 1996.
KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1862. Araras, SP: IDE, 1993b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1865. Araras, SP: IDE, 2000a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993c.
KARDEC, A. Viagem Espírita em 1862. Matão, SP: O Clarim, 2000b.
XAVIER, F. C. Evolução em dois mundos. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
Centro Virtual de Divulgação e Estudos do Espiritismo, Estudo: Alma e desencarnação: http://www.cvdee.org.br/est_nltexto.asp?id=08&cap=12), acesso 11/12/2006, 20:35:hs.

 (A versão original foi publicada na revista Espiritismo & Ciência nº 51, ago/2007, p. 28-33)

Paulo da Silva Neto Sobrinho
Dez/2006.
(revisado jun/2012).
A Era do Espírito


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DILÚVIO DE LIVROS “ESPÍRITAS” DELIRANTES
TRATAR OU NÃO TRATAR: EIS A QUESTÃO
ATRAÇÃO SEXUAL, MAGNETISMO, HOMOSSESUALIDADE E PRECONCEITO
RECORDANDO A VIAGEM ESPÍRITA DE ALLAN KARDEC, EM 1862
OS FRUTOS DO ESPIRITISMO
FALTA DE MERECIMENTO OU DE ESTUDO?
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO
EURÍPIDES E HÉCUBA
O HOMEM DA MÁSCARA DE FERRO
FONTE DE PERFEIÇÃO
MESMERISMO E ESPIRITISMO
VIVÊNCIAS EVOLUTIVAS DE ALLAN KARDEC
AS MESAS GIRANTES
RESGUARDEMOS KARDEC
REFLEXÃO SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO
AUTO DE FÉ DE BARCELONA
ACERCA DA AURA HUMANA
COMO PODEMOS INTERPRETAR A FRASE DE JESUS: "A tua fé te curou"?
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2012/12/como-podemos-interpretar-frase-de-jesus.html